O impacto do híbrido na escola, a partir de agora
José Moran - Entrevista ao Portal Porvir (Publicada, de forma livre, com adaptações, no e-book “Ferramentas digitais para personalização do aprendizado?” cap. 5, p. 28-48)
1. Com a pandemia, o aprendizado saiu da escola e foi para a casa dos alunos. Neste momento, muitas escolas adotam um modelo híbrido. Mas, depois que as restrições forem levantadas, ele deveria continuar dessa forma?
A maior
parte das atividades serão presenciais, com diversas combinações de integração
diferentes com o digital, dependendo da idade, realidade concreta da escola,
dos recursos disponíveis, da iniciativa dos docentes, do currículo, da cultura
da escola e da família. As atividades
digitais podem acontecer dentro da sala de aula presencial ou fora dela; de
forma alternada ou simultânea; síncrona ou assíncrona (em situações em que
professores e alunos trabalham juntos num horário pré-definido, ou em horários
mais flexíveis; cada estudante no seu ritmo com tempos em que todos estão
juntos com o professor).
Na educação
básica o lugar principal continuará sendo a Escola, mas ela precisa ser
redesenhada nos seus espaços, para que os estudantes possam facilmente combinar
e alternar atividades analógicas e digitais individuais, grupais e de turmas
maiores. Os modelos continuarão sendo de maior predominância do encontro em
espaços comuns (salas de aula enriquecidas com tecnologias) com diversas formas
de integração entre o presencial e o digital, que vem sendo testadas: aula
invertida, rotação por estações, rotação individual e que incluirão alguns modelos mais
personalizados e online, como algumas variações dos modelos flex
(roteiros personalizados online com o professor por perto), a la carte
(fazer um, ou mais módulos online) ou virtual enriquecido (parte presencial,
parte online). A hibridização será progressiva, de acordo com a idade e o
avanço do estudante no currículo.
O modelo que
deve continuar popular é o da aula invertida, que combina a
aprendizagem presencial com a digital para obter uma maior eficiência. Os alunos estudam os materiais
individualmente online antes (em casa ou na escola) e os discutem, aprofundam e
aplicam em grupos e coletivamente na sala de aula. O modelo híbrido parcial
pode começar no ensino fundamental e ir evoluindo no ensino médio e ser
plenamente implementado de forma mais flexível no ensino superior.
Os modelos
curriculares uniformes, de sequência linear não fazem o menor sentido numa
sociedade com amplo acesso às informações, às redes sociais e comunidades e em
que cada pessoa precisa resolver problemas complexos de forma rápida e
eficiente. Educação em espaços flexíveis significa que podemos redesenhar todas
as possibilidades do aprender incorporando as trilhas individuais que cada
aluno possa realmente desenvolver cada vez com mais autonomia no presencial e
no digital e, também, as diversas formas de aprendizagem em grupo, entre pares
através de projetos, jogos de forma síncrona e assíncrona com apoio de
plataformas e aplicativos digitais, mediação docente e o apoio de tutores e
mentores.
2. Uma escola que funcione daqui para frente de forma híbrida terá vantagens em relação às demais? Seus alunos aprenderão mais?
O híbrido é um modo de vida que foi incorporado pela sociedade em todos
os campos e que impacta também profundamente a reconfiguração da escola. Os
modelos híbridos ainda são recentes na educação básica brasileira. As
experiências durante a pandemia foram e ainda estão acontecendo num contexto
excepcional, não por decisão pedagógica. Os que sabem trabalhar com um modelo
híbrido ativo saem em grande vantagem em relação às escolas convencionais e às
que não estão conectadas.
Antes o acesso à informação, às tecnologias e
especialistas era difícil. Agora, apesar da desigualdade existente, podemos
reinventar currículos, metodologias, design de experiências, formas de
avaliação. Tudo está em aberto e em
construção. Caminhamos para currículos mais flexíveis, multimodais, integrados,
com maior vínculo com a sociedade (famílias, organizações) com incorporação
ampla do digital.
3. Até que ponto a tecnologia importa? O que é preciso em termos práticos para que um aprendizado híbrido seja eficaz?
Ter acesso a todas as possibilidades do mundo digital é hoje um direito de cidadania, assim como ter energia elétrica ou água encanada. A tecnologia não é mais importante, mas quem não tem acesso perde muitas oportunidades de aprender e empreender. As plataformas digitais mais avançadas nos ajudam a combinar a aprendizagem em tempos e espaços individuais e grupais, presenciais e digitais, com maior ou menor supervisão. Aprendemos melhor quando conseguimos combinar três processos de forma equilibrada: a aprendizagem personalizada (em que cada um pode aprender o básico por si mesmo e ter mais alternativas - aprendizagem prévia, aula invertida, escolhas); a aprendizagem com diferentes grupos (aprendizagem entre pares, em redes) e a aprendizagem mediada por pessoas mais experientes (professores, orientadores, mentores).
As escolas estão se transformando digitalmente. O digital é um ambiente essencial para integrar todas as áreas, pessoas e serviços e poder oferecer experiências ricas e diferenciadas de aprendizagem, pesquisa, parcerias. Plataformas digitais e aplicativos com inteligência artificial fornecem dados personalizados e atualizados de todos e para todos (gestores, docentes, estudantes e famílias); integram todos os setores, atividades, participantes; tudo fica visível, facilitando a tomada de decisões pedagógicas, administrativas e financeiras.
De qualquer forma, escolas sem tecnologias avançadas podem ser criativas e interessantes e flexíveis quando gestores e docentes são competentes, abertos, criativos e encantam. Sem encantamento não há aprendizagem profunda. As tecnologias ajudam no encantamento, na escuta, no compartilhamento de práticas e de decisões, na participação da comunidade, se essa for a filosofia da escola. Da mesma forma podem contribuir para reforçar projetos mais controladores e autoritários. Há questões estruturais que dependem de políticas públicas continuadas, formação e valorização de docentes e gestores, boa infraestrutura física e digital, entre tantos fatores. Apesar da desigualdade existente, caminhamos para currículos mais flexíveis, multimodais, integrados, com maior vínculo com a sociedade (famílias, organizações) com incorporação ampla do digital.
_____
Comentários