Desenhando projetos mais flexíveis no Ensino Superior

José Moran 

Professor e pesquisador de projetos educacionais inovadores

Autor do blog Educação Transformadora

 Venho acompanhando com atenção o avanço de propostas de currículos mais flexíveis no Ensino Superior neste período tão difícil. O longo tempo de ida forçado ao online ampliou a percepção de que podemos ensinar e aprender em diversos espaços, tempos e de múltiplas formas. Todas as instituições educacionais – assim como todas as organizações – estão experimentando o impacto brutal do digital no redesenho de todos os processos, acadêmicos, administrativos, financeiros e de comunicação. Os modelos mais flexíveis fazem sentido em um mundo mais híbrido. Em um país que está mais empobrecido e desigual, o desafio é ainda maior: como atrair os estudantes, oferecendo escolhas mais personalizadas capazes de atender às suas necessidades, com maior qualidade e a um custo mais acessível?

Mesclar, flexibilizar e integrar são conceitos-chave para enfrentar os desafios atuais.  O híbrido/flexível é um componente importante no desenho de currículos mais abertos, por competências/projetos, com metodologias ativas, integração e diversificação de espaços/tempos, com a utilização intensiva de plataformas “inteligentes” e ampliação das formas de avaliação.

Constatamos um crescimento significativo dos cursos híbridos neste momento, ainda com projetos pedagógicos bastante convencionais; movimento que evoluirá para modelos mais flexíveis e integrados, nos próximos anos. A tendência é sair progressivamente de propostas curriculares fechadas para outras mais abertas; de tempos iguais para tempos diversificados; de itinerários sequenciais para outros mais personalizados e, também, intensamente participativos; de campus físicos presenciais para campus físico/digitais/profissionais/sociais interligados.

Os cursos híbridos se expandem dentro de um marco legal claramente insuficiente, que reconhece apenas duas modalidades (presencial e a distância), ambas com algumas aberturas (presencial com até 40 por cento a distância) e cursos a distância com até 30 por cento de presencialidade física. Estamos em um período de experimentação de possibilidades e o ideal seria que a regulação do MEC fosse bastante cautelosa para não engessar o que ainda está em construção.

As IES estão, neste momento, introduzindo o híbrido, mexendo o menos possível no currículo que já vinham praticando, adaptando-o às exigências de menos presencialidade física. Além dos currículos presenciais e a distância/online, começamos a ver a oferta de cursos híbridos ou semipresenciais, com outras nomenclaturas semelhantes como modelos flex ou telepresenciais. Atualmente, nos modelos híbridos, os alunos vão ao campus uma ou duas vezes por semana, dependendo de cada área de conhecimento e da necessidade de atividades práticas, mas em outras IES os encontros são quinzenais.

Existem modelos híbridos mais convencionais e outros mais avançados, de acordo com as características e evolução de cada instituição. Encontramos modelos mais estruturados, roteirizados por equipes de especialistas, com sequências didáticas que facilitam o trabalho do docente, mas que podem limitar sua criatividade e a flexibilidade em atender às necessidades de cada aluno. Alguns grandes grupos educacionais e editoras de conteúdo estão indo nesta direção, principalmente para as atividades mais assíncronas dos estudantes. Outras IES preferem que os professores desempenhem um papel mais criativo, fazendo a curadoria dos materiais, o desenho de estratégias didáticas e a mediação/tutoria mais efetiva.

O desenho mais habitual projeta o híbrido com uma parte assíncrona - em que o aluno realiza as atividades no seu próprio ritmo de forma digital - e uma parte síncrona (presencial ou online) em que o professor trabalha com os estudantes de forma mais ativa, discutindo, trabalhando em grupos, desenvolvendo projetos, resolvendo desafios, casos ou problemas. Quando algumas atividades assíncronas são realizadas antes do encontro presencial/síncrono, o modelo é denominado de aula invertida, que tende a se consolidar como o predominante, o que implica em formas de gestão mais ativas para agilizar a mudança mental e cultural de parte de docentes, alunos e de suas famílias.

Muitas IES experimentaram o modelo híbrido síncrono ou hyflex pelas restrições sanitárias, com uma parte dos estudantes em sala de aula presencial e a outra, participando através de plataformas digitais. Algumas vão manter esse modelo, que é mais complexo, mas permite que os estudantes optem por participar presencial e ou online, de acordo com sua conveniência. O modelo hyflex vem sendo testado há alguns anos em diversos países, principalmente em universidades mais internacionais. É promissor, mas ainda é cedo para prever sua consolidação e alcance futuros.  

Algumas IES pensam o híbrido de forma ampla, com maior integração entre docentes, áreas de conhecimento, espaços físicos, digitais, de experimentação, de simulação e profissionais. Esse é o caminho do híbrido: mesclar todas as possibilidades para atender à todas as situações necessárias e à todos os estudantes, de acordo com seu perfil. Mais do que híbrido prefiro o termo “flexível”, que implica em redesenhar essas possibilidades de combinar, integrar, adaptar, atender a cada um, a pequenos e a grandes grupos.

Outros grupos e IES, em que prevalece a lógica econômica sobre a pedagógica, enxergam no híbrido mais uma forma de obter rentabilidade, de ampliar o lucro ou diminuir o prejuízo. Aumentam o número de alunos por turma, diminuem a carga horária de docentes ou contratam outros mais inexperientes a um custo menor e ampliam o tempo de autoestudo com a oferta pacotes de conteúdos de prateleira, previsíveis, sequenciais, sem interação nem tutoria. A flexibilidade, dependendo de como se desenhe, tanto pode contribuir para tornar a instituição mais relevante ou banal. A cultura da flexibilidade também é um problema para as instituições mais burocráticas, hierárquicas, com muitas instâncias de decisão. Elas terão que rever seus processos para não ficar muito atrás das que são mais ágeis.

Estamos em um período de intensa experimentação de possibilidades diferentes. O híbrido/flexível precisa ser pensado dentro da cultura de cada IES e de como pretende posicionar-se daqui em diante, em um cenário bastante concentrado, massificante e competitivo. O que está claro é que pequenas ou grandes, todas as IES participam de um movimento de profunda transformação, que as afeta em todas as dimensões. Mesmo os modelos de baixo custo precisam repensar suas propostas: menos conteudistas, mais participativas, personalizadas. O presencial será mais híbrido, imersivo e participativo; os cursos a distância, também.

No curto prazo estamos vendo uma diversificação nas formas de oferta, maior flexibilidade, integração de multiplataformas. Cresce a oferta de cursos mais modulares, de certificações sucessivas, de percursos diferenciados. A tendência é que os cursos sejam mais compactos, sempre que a regulação o permitir.

Os cursos presenciais cada vez mais se tornarão híbridos e haverá uma sinergia e integração também os cursos online (os até agora chamados cursos a distância). Haverá um avanço na personalização (atendimento a demandas e necessidades diferentes). Todas as disciplinas ou módulos podem ser parcialmente ou totalmente online, com metodologias ativas, tempos e atividades assíncronos e síncronos, com grande flexibilidade e adaptação às necessidades de cada área de conhecimento, dos estudantes e da instituição. O currículo híbrido será o modelo predominante no Ensino Superior.

Teremos os modelos híbridos mais básicos, mais roteirizados, com aula invertida, atividades mais previsíveis, apoio de professores/tutores presenciais e outros modelos mais avançados, personalizados e colaborativos, com mais escolhas dos estudantes. Nos cursos online também teremos modelos equivalentes, mais básicos e avançados, com propostas semelhantes aos híbridos, que permitem que os estudantes possam combinar os híbridos com os totalmente online, de acordo com suas necessidades específicas

No médio prazo o desafio será muito mais abrangente. Com o avanço na realidade virtual, aumentada e mista, a experiência de estarmos juntos - mesmos longe fisicamente – será muito mais rica, imersiva e participativa do que é hoje. Aboliremos totalmente essa separação de modelos. Avançarão os consórcios, as parcerias interinstitucionais, os estudantes que constroem seu percurso em várias IES de diversos países. Numa analogia com a culinária, com tantos ingredientes disponíveis, podemos criar pratos muito diferentes e formas de organizar todo o processo bem atraentes e relevantes. Continuaremos com grandes grupos, grupos intermediários e grupos que atendem a públicos mais específicos, mas todos precisam rever seus projetos, suas metodologias, suas formas de avaliação, suas estratégias de ligação com a sociedade, suas formas de organizar-se.

Um desafio é acelerar a aceitação destes novos modelos tanto por parte de uma parte de docentes, estudantes e famílias.  É um processo mais complexo, que exige ação coordenada dos gestores, formação continuada (cursos, oficinas, projetos de imersão e de experimentação e mentoria), envolvimento dos docentes mais proativos, criação de um núcleo de inovação e ações também com os estudantes e famílias, para que compreendam, experienciem e avaliem estas novas propostas. É preciso realizar formações ativas, imersivas com metodologias ágeis para acelerar as mudanças mentais, na forma de pensar, ensinar e de agir.  O propósito é acelerar a transformação do mindset das pessoas; que passem da mentalidade focada na certeza, no medo de falhar para a de arriscar, de estimular a experimentação, o erro, a criatividade, o desafio. 

Outro grande desafio é a precariedade da infraestrutura (acesso, equipamentos) em muitas escolas e residências e a fragilidade no desenvolvimento das competências digitais de uma parte dos docentes, discentes e também das famílias. Essa desigualdade inviabiliza que tenhamos projetos de educação híbrida em larga escola para a maioria dos estudantes, que são pobres e não tem condições objetivas de estudar remotamente em casa. Por enquanto os modelos híbridos contemplam uma parte da população, que tem melhores condições econômicas, acesso tecnológico e domínio digital mais desenvolvidos.

Os modelos curriculares uniformes, de sequência linear não fazem o menor sentido numa sociedade com amplo acesso às informações, às redes sociais e comunidades e em que cada pessoa precisa resolver problemas complexos de forma rápida e eficiente. Educação em espaços flexíveis significa que podemos redesenhar todas as possibilidades do aprender incorporando as trilhas individuais que cada aluno possa realmente desenvolver cada vez com mais autonomia no presencial e no digital e, também, as diversas formas de aprendizagem em grupo, entre pares através de projetos, jogos de forma síncrona e assíncrona com apoio de plataformas e aplicativos digitais, mediação docente e o apoio de tutores e mentores.  

A educação híbrida, ativa, personalizada, flexível e colaborativa traz novas possibilidades de contribuir para transformar a forma de ensinar e de aprender. É um processo complexo, ainda desigual, com inúmeras contradições estruturais e conjunturais, mas extremamente importante para que cada um consiga avançar no seu ritmo e para que todos aprendam juntos, em todos os espaços, tempos e de múltiplas maneiras. É um caminho sem volta e que tende a se aprofundar em todos os níveis de ensino de agora em diante e nos traz imensas oportunidades de avançar para termos uma educação mais humana, criativa, de qualidade, para todos.

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