A educação pelo afeto nos transforma

José Moran

Texto atualizado em Dezembro de 2023

A educação pelo afeto nos transforma. O afeto é como o oxigênio que respiramos: torna tudo mais leve, fácil, viável. A vida fica insuportável se não está envolta em uma atmosfera de apoio, acolhimento, aceitação e esperança.

Desde a infância até a idade adulta, as experiências afetivas moldam nossa identidade, influenciam as escolhas, determinam os padrões de relacionamento e impactam nossa qualidade de vida. A consciência e a promoção de ambientes afetivos saudáveis são importantes para o desenvolvimento integral ao longo da vida.

A qualidade das relações afetivas na família influencia diretamente a formação da autoestima, da confiança e da capacidade de estabelecer relações interpessoais saudáveis ao longo da vida. Os vínculos emocionais são a espinha dorsal das relações familiares, na construção de um processo de pertencimento e de segurança.

A afetividade desempenha um papel central no processo de aprendizagem. Estabelecer conexões emocionais positivas na educação é fundamental para criar um ambiente propício ao crescimento cognitivo, emocional e social de alunos e filhos, onde eles se sintam seguros para explorar, questionar e aprender. O afeto serve como guia, incentivando a exploração, a curiosidade e a expressão autêntica.

A educação é fundamentalmente o encontro entre pessoas que interagem, se apoiam, compreendem e se ajudam no ambiente familiar e escolar. Aprendemos melhor em ambientes em que nos sentimos acolhidos, podemos confiar, experimentar, errar e seguir por trilhas diferentes. Quanto mais nos encantamos com as possibilidades da inteligência artificial, mais relevantes se tornam as dimensões humanas mais criativas, socioemocionais e éticas. A transformação ocorre no reconhecimento da singularidade de cada criança e jovem, na compreensão de suas emoções e na valorização de suas experiências.

Relações afetivas saudáveis entre educadores (pais, professores) e filhos e/ou alunos, assim como entre os próprios colegas, são um impulso poderoso para a motivação e o engajamento. Em um ambiente acolhedor, os alunos se sentem encorajados a participar ativamente em casa e na escola, explorar novos conhecimentos e expressar suas ideias sem receios. A motivação intrínseca, alimentada pelo afeto, é um motor poderoso para a persistência e a busca pelo conhecimento. É possível equilibrar afeto e limites. O afeto fornece às crianças a segurança e o amor de que precisam para se sentirem bem consigo mesmas e com o mundo ao seu redor; os limites ensinam regras, consequências e respeito para com os demais.

A afetividade está intrinsecamente ligada à aprendizagem significativa. Quando crianças e jovens atribuem valor emocional ao conhecimento, seja por meio de experiências pessoais, relações interpessoais ou conexões com o mundo real, o aprendizado torna-se mais profundo e duradouro.

A educação pelo afeto também desempenha um papel importante no desenvolvimento socioemocional das crianças e jovens. Ao reconhecer e validar suas emoções, pais e professores os capacitam a compreender melhor a si mesmos e aos demais. Isso contribui para a formação de pessoas emocionalmente inteligentes, capazes de lidar com desafios, desenvolver a empatia e estabelecer relacionamentos saudáveis.

Um estudo realizado pela Universidade de Harvard mostrou que alunos que receberam educação socioemocional eram mais propensos a ter sucesso acadêmico, a manter bons relacionamentos e a se envolver em atividades de cidadania.[1]

Diversos autores têm destacado a relevância do afeto no ambiente educacional.

Johann Pestalozzi é conhecido por seu enfoque holístico na educação, que inclui o cultivo das emoções. Ele defendia a importância de um ambiente educacional que reconhecesse e nutrisse as emoções das crianças, contribuindo assim para o desenvolvimento integral.

Carl Rogers um psicólogo humanista, contribuiu significativamente para a compreensão da importância do afeto na educação. Ele destacou a necessidade de um clima educacional que promovesse a empatia, aceitação e compreensão, criando um ambiente propício para o desenvolvimento emocional dos alunos. A proposta de Rogers era a criação de um ambiente educacional facilitador, caracterizado por aceitação incondicional, empatia e congruência por parte dos educadores. Ele acreditava que, ao reconhecer e respeitar a individualidade de cada aluno, era possível criar um espaço propício para o florescimento pessoal e acadêmico

Maria Montessori desenvolveu um método educacional centrado na criança, no qual o ambiente é projetado para atender às necessidades emocionais e intelectuais. Sua abordagem ressalta a importância do respeito pela individualidade de cada criança e do papel do educador como um guia afetuoso. A relação entre educador e criança é caracterizada pela empatia, respeito e compreensão. Ela reconhecia que a qualidade dessa relação afeta diretamente o desenvolvimento emocional da criança, influenciando sua disposição para explorar e aprender.

Henry Wallon acreditava que a afetividade e a cognição estão intrinsecamente ligadas e influenciam-se mutuamente. Ele argumentava que o desenvolvimento emocional e intelectual de uma criança ocorre simultaneamente, e ambas as dimensões devem ser consideradas de maneira integrada no contexto educacional. Wallon buscava uma compreensão integral do desenvolvimento humano, integrando aspectos afetivos, cognitivos e sociais. Ele enfatizava a necessidade de considerar as dimensões emocionais ao planejar e implementar práticas educacionais.

Paulo Freire defendia a pedagogia crítica e a conscientização. Sua abordagem reconhece a importância de uma educação libertadora, que leve em consideração as experiências emocionais dos alunos e promova uma compreensão crítica do mundo. Ele via o amor como uma expressão de cuidado, respeito e comprometimento mútuo entre educadores e alunos, fortalecendo os vínculos afetivos na sala de aula.

Quando criamos esse clima de confiança, é muito mais fácil desenhar estratégias metodológicas, sequências didáticas, formas de avaliação. Elas funcionam melhor quando conversamos com os estudantes, explicamos os objetivos e chegamos a consensos. Quando sentimos que somos importantes, que nossa participação conta, nossa atitude se torna muito mais propícia à mudança (sejamos gestores, docentes, alunos ou pais). Ao internalizar valores como respeito, compaixão e tolerância, nós tornamos agentes de mudança em nossas comunidades.

Precisamos aperfeiçoar as formas de ensinar e de aprender com mais atenção às necessidades de cada estudante, com intensa participação em projetos integradores relevantes, com currículos mais flexíveis, escolas abertas para a comunidade, com ampla utilização de recursos digitais. Mas sem perder o essencial: conhecê-los, acolhê-los, escutá-los ativamente, incentivá-los a participar continuamente, a que se sintam protagonistas, valorizados. Numa organização complexa como a escola há normas, limites e prazos, mas eles não podem ser inflexíveis, rígidos, uniformes ou punitivos.

Sistemas de ensino, plataformas inteligentes, laboratórios de realidade virtual, aumentada e mista são apoios para que a aprendizagem aconteça, mediada por docentes e gestores inspiradores, competentes e acolhedores. As escolas realmente inovadoras são comunidades vivas, abertas, participativas e onde todos se sentem acolhidos e acolhem. Mesmo com recursos tecnológicos escassos, escolas podem ser profundamente inovadoras, se gestores e docentes são inspiradores através da empatia, do diálogo e da riqueza das interações com os estudantes e as famílias. Devemos lutar, sem dúvida, para ter excelentes prédios, tecnologias, metodologias. Mas o essencial continua sendo a qualidade dos profissionais, das relações e dos ambientes acolhedores.

A educação pelo afeto, numa sociedade individualista e desconfiada, é uma proposta inovadora que desafia o status quo e oferece uma visão alternativa de aprendizado e crescimento. Ela busca não apenas cultivar mentes brilhantes ou bem-sucedidas, mas também pessoas solidárias, preocupadas em contribuir para o bem-estar integral da comunidade, principalmente dos mais necessitados.

A transformação pelo afeto começa por cada um de nós: pela aceitação e apoio incondicionais ao que nos tornamos até agora (nosso passado, fortalezas, fragilidades) e pelo incentivo constante para continuar evoluindo hoje com todas as oportunidades que a vida nos oferece.



[1] Durlak, J. A., Weissberg, R. P., Dymnicki, A. B., Taylor, R. D., & Schellinger, K. (2011). The impact of enhancing students’ social and emotional learning: A meta-analysis of school-based universal interventions. Child Development, 82, 405-432. Disponível em https://casel.s3.us-east-2.amazonaws.com/impact-enhancing-students-social-emotional-learning-meta-analysis-school-based-universal-interventions.pdf

 José Moran

Professor, escritor e pesquisador de projetos educacionais inovadores

Autor do blog Educação Transformadora  moran.eca.usp.br


[1] www2.eca.usp.br/moran 

Comentários

Eis um excelente comentário. Ensino híbrido será um drande desafioo para nós: o material que estamos lendo, os ajudará em mossas prátcicas educacionais.

As aulas são super bacanas e com ela pomedos tirar algumas dúvidas e trocarmos sugestões para o nosso dia-a-dia
A educação é um passo para a transformação do mundo. Deixemos de ser reprodutores do que os livros trazem e trabalhar com dinamicidade. Formuando aulas mais significativas e com
dimanicidade; lógico que respeitado.
Os livro podem ser a nossa base; a partir dele podemos fazer a leira, fichamento, criação de canção, confecção dos pesonagens em palito de picolé palito de picolé , encenação...
A leitura não se reduz apenas na leitura, mas sim, o que podemos fazer ´´a parti dela,

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