ENSINO HÍBRIDO: "É IMPORTANTE NÃO ENGESSAR O QUE AINDA ESTÁ EM CONSTRUÇÃO"

 Na entrevista a seguir, o professor e pesquisador de projetos educacionais inovadores, José Moran, fala ao Semesp sobre sua visão em relação ao ensino híbrido[1]

Para o professor, pesquisador de projetos educacionais inovadores e autor do blog Educação Transformadora, José Moran, ensino híbrido combina e integra atividades didáticas em ambientes físicos/presenciais com atividades em ambientes digitais, visando oferecer as melhores experiências de aprendizagem a cada estudante. Híbrido implica em redesenhar currículos mais abertos, as metodologias ativas, a adaptação e diversificação dos espaços, o uso intensivo de plataformas “inteligentes”, as formas de avaliar.

“Mesclar, flexibilizar e integrar são conceitos-chave para dar conta dos desafios atuais.  Podemos sair de propostas fechadas para outras mais abertas; de tempos iguais para tempos diversificados; de itinerários previsíveis para os personalizados e intensamente participativos; de campus físicos presenciais para campus físico/digitais/profissionais/sociais interligados”, acredita ele.

Confira a seguir a segunda entrevista com especialistas educacionais da série do Semesp sobre ensino híbrido:

Ainda faz sentido tratarmos a educação superior pelo ponto de vista de modalidades como presencial e EAD, como proposto pelo Ministério da Educação? 

As duas modalidades conseguiam atender a duas formas de organizar o ecossistema de ensinar e aprender: ir ao campus físico ou aprender a distância (correio, rádio, cinema, TV, Internet). As últimas décadas trouxeram muitas possibilidades de redesenhar esses sistemas: eles permitem mais flexibilidade de tempos, espaços, metodologias, formas de avaliação, personalização. Com o ano e meio de pandemia fomos forçados a experimentar propostas provisórias remotas e depois híbridas que criaram uma cultura ampla de que podemos diversificar os projetos pedagógicos, torná-los mais adaptados às necessidades de cada estudante, trabalhar de forma mais colaborativa entre áreas diferentes de conhecimento e com docentes dessas áreas trabalhando em estreita parceria. Estamos em um período de experimentação de diversas formas de ensinar e de aprender de validá-las depois. Aceitar legalmente que há mais de duas modalidades é de bom senso legal, ao mesmo tempo que precisamos ser cuidadosos para não engessar legalmente aquilo que ainda está em construção e que trará uma diversidade de propostas diferentes e interessantes muito diversificada de agora em diante.

O que é o ensino híbrido? Quais as diferenças entre termos como ensino híbrido, aprendizagem híbrida e educação flexível?

Na expressão “ensino híbrido” destacamos a ação pedagógica dos docentes (no planejamento, desenvolvimento e avaliação do processo); na expressão “aprendizagem híbrida” destacamos a participação ativa na aprendizagem por descoberta, por investigação, por resolução de problemas e projetos.

O conceito de educação flexível é mais sistêmico, abrangente ao envolver a toda a comunidade escolar no redesenho das melhores combinações possíveis na integração de espaços, tempos, metodologias, tutoria para oferecer as melhores experiências de aprendizagem a cada estudante de acordo com suas necessidades e possibilidades.

As arquiteturas pedagógicas serão mais flexíveis, abertas, híbridas, personalizadas, ativas e colaborativas, com diferentes combinações, arranjos, adaptações em um país com realidades muito desiguais. O ideal é o equilíbrio entre a personalização (mais escolhas do aluno, mais autonomia) com a aprendizagem colaborativa (aprendizagem ativa, entre pares, por projetos), a tutoria/mentoria, avaliação formativa, oferecendo as melhores condições de aprendizagem em tempo real (sala de aula, plataformas online, espaços profissionais) e de forma assíncrona (com itinerários e atividades mais individualizados).

Quais as vantagens do ensino híbrido, da educação flexível?

Os modelos curriculares uniformes, de sequência linear não fazem o menor sentido em uma sociedade com amplo acesso às informações, às redes sociais e comunidades e em que cada pessoa precisa resolver problemas complexos de forma rápida e eficiente. Educação em espaços flexíveis significa que podemos redesenhar todas as possibilidades de aprender, incorporando as trilhas individuais que cada aluno possa realmente desenvolver, cada vez com mais autonomia no presencial e no digital e, também, as diversas formas de aprendizagem em grupo, entre pares, entre áreas, através de projetos, jogos de forma síncrona e assíncrona com apoio de plataformas e aplicativos digitais, mediação docente e o apoio de tutores e mentores. As atividades digitais podem acontecer dentro do espaço do campus e fora dele; de forma alternada e simultânea; síncrona (em situações em que professores e alunos trabalham juntos em um horário pré-definido) e assíncrona, em horários mais flexíveis; cada estudante no seu ritmo com tempos em que todos estão juntos com um ou mais professores.

O ensino híbrido e o ensino remoto se confundem, mas são conceitos distintos. Mas, na sua opinião, até que ponto a pandemia e a adoção do ensino remoto emergencial contribuíram para o avanço e maior conhecimento do ensino híbrido?

O impacto da pandemia no ensino híbrido é visível, porque muitas instituições foram obrigadas a experimentá-lo na volta parcial das atividades presenciais, em vários momentos, e o processo ainda está em andamento com resultados ainda pouco consolidados.

Percebemos durante a pandemia que muitas das atividades que imaginávamos que só seriam viáveis no presencial (como a aprendizagem por projetos, em times) podem ser realizadas com bastante qualidade no online, principalmente com jovens e adulto.  Também ficou visível a riqueza de combinações entre os tempos individuais (assíncronos) e os tempos de encontros síncronos (em pequenos e grandes grupos) seja presencial, digitalmente e profissionalmente.

Houve uma curva de aprendizagem de todos (gestores, docentes, estudantes, das famílias e das organizações que apoiam à educação), mas de forma desigual. Algumas IES já tinham currículos híbridos antes da pandemia; outras se adaptaram ao ensino online e experimentaram algumas formas de integração entre o online e o presencial possíveis nesse período tão difícil; para muitas outras o híbrido foi feito de forma muito convencional, pouco atraente e engajadora.

Em que sentido o ensino híbrido está relacionado à ideia de transformação digital?

As IES estão avançando na transformação digital. O digital é um ambiente essencial para integrar todas as áreas, pessoas e serviços e poder oferecer experiências ricas e diferenciadas de aprendizagem, pesquisa, parcerias. Plataformas digitais e aplicativos com inteligência artificial fornecem dados personalizados e atualizados de todos e para todos (gestores, docentes, estudantes e famílias) integram todos os setores, atividades, participantes; tudo fica visível, facilitando a tomada de decisões pedagógicas, administrativas e financeiras.

As pesquisas apontam que as IES avançarão em propostas mais híbridas e flexíveis, em ritmos diferentes. Algumas, de forma mais pontual, parcial, sem mexer no modelo disciplinar com ofertas com mais ênfase na presencialidade e também nos modelos online; outras avançarão de forma mais modular integrada, com projetos entre áreas (STEAM) e maior personalização do currículo. O currículo híbrido/flexível predominará, em poucos anos no Ensino Superior. Podemos prever também que a qualidade das propostas também será bastante desigual, ao menos no curto prazo.

Quais as principais dificuldades para a implantação do ensino híbrido em um país tão socialmente desigual como o Brasil? Faz sentido falar de ensino híbrido em um país com uma educação tão precária quanto o nosso?

Os modelos híbridos/flexíveis fazem mais sentido quando são organizados com políticas públicas sólidas, coerentes e com visão de longo prazo, (o que não vemos atualmente). Eles fazem mais sentido quando estão planejados institucionalmente e de forma sistêmica, como componentes importantes de reorganização do currículo por competências e projetos, de forma flexível, com diversas combinações de acordo com as necessidades do estudante (personalização), intenso trabalho ativo em equipes, tutoria/mentoria (projeto de vida) com suporte de multiplataformas digitais integradas. Isso ainda está distante da maioria das IES.

Os modelos híbridos pressupõem ter um acesso estável à Internet dos estudantes e dos docentes de qualquer lugar e boas condições para estudar. Isto ainda não é viável para todos neste momento. São muitos os gargalos econômicos e tecnológicos. Teremos para uma parte da população modelos híbridos com ótimas condições de implementação e para a outra parte mais carente modelos precários, com pouca interação síncrona e muito mais focados em atividades assíncronas, com roteiros impressos.

Neste período da pandemia algumas instituições, infelizmente, utilizam o híbrido de uma forma bastante precária e pouco atraente: desenham modelos básicos, muito conteudistas, com um número excessivo de alunos para cada professor, o que dificulta o devido acompanhamento e avaliação. Escolas e IES se encontram em estágios diferentes de evolução nas suas propostas.

Independente de questões sociais, quais os principais desafios a serem enfrentados para uma correta implantação do ensino híbrido, tanto do ponto de vista de uma IES, dos docentes e dos alunos? Planejamento? Avaliação? Formação dos docentes?

Os modelos híbridos são um componente importante do processo de transformação das Instituições educacionais, que deve ser redesenhado envolvendo toda comunidade, através do planejamento estratégico, pedagógico e gerencial, de curto e médio prazo.

Um desafio imediato é acelerar a mudança da cultura tradicional de uma parte de docentes e estudantes para modelos ativos mais participativos.  É um processo mais complexo, que exige ação coordenada dos gestores, formação continuada (cursos, oficinas, projetos de imersão e de experimentação e mentoria), envolvimento dos docentes mais proativos, criação de um núcleo de inovação e ações também com os estudantes e famílias, para que compreendam, experienciem e avaliem estas novas propostas. É preciso realizar formações ativas, imersivas com metodologias ágeis para acelerar as mudanças mentais, na forma de pensar, ensinar e de agir.  O propósito é acelerar a transformação do mindset das pessoas; que passem da mentalidade focada na certeza, no medo de falhar para a de arriscar, de estimular a experimentação, o erro, a criatividade, o desafio.

A realidade profissional de muitos docentes também dificulta o sucesso das transformações mais estruturais, porque estão sobrecarregados de aulas e de alunos, trabalhando em várias escolas, sem tempo de planejamento, acompanhamento e avaliação das atividades e de cada estudante.  Sem condições objetivas não teremos educação de qualidade.

As mudanças estratégicas envolvem também o compartilhamento de ações entre instituições para obter sinergia, otimizar custos, compartilhar experiências, como está acontecendo em alguns consórcios entre IES dentro e fora do Brasil.

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