A arte de viver com leveza

 José Moran

Professor e pesquisador de projetos educacionais inovadores. Autor do blog Educação Transformadora

 Viver com leveza é uma arte e uma aprendizagem, especialmente neste período tão pesado e tenso. Convivo com pessoas leves, de trato fácil e com outras, bem complicadas; com pessoas otimistas e outras pessimistas; com as que irradiam alegria e as que exalam tragédias. Posso escolher viver em ambientes físicos e digitais de confiança, abertos ou permanecer em ambientes tóxicos e destrutivos. Posso escolher viver e tentar ser coerente entre o que penso e realizo ou mostrar-me de forma distorcida, retocada, maquiada para ser mais aceito ou ter mais seguidores.

As escolhas que realizo tornam o caminho mais leve ou complicado, mais aberto ou fechado, mais transformador ou destrutivo. Minhas atitudes e escolhas condicionarão os resultados. Admiro pessoas bem resolvidas, que facilitam a convivência, minimizam as tensões e buscam os consensos possíveis. Procuro orientar minhas escolhas na direção da leveza, da coerência, do acolhimento, do afeto e da empatia para comigo e para os que encontro no caminho.

Gerenciar a evolução pessoal é uma arte, um projeto em constante construção, avaliação e “redesign”. A finalidade principal da educação (pessoal, familiar, escolar) é ajudar a que cada um tenha ferramentas e recursos para desenvolver-se intelectual, emocional e eticamente e assim conseguir gerenciar cada etapa da sua vida de forma mais rica, ampla, equilibrada e leve.

Viver é uma arte e uma viagem por trilhas desafiadoras, cheias de zigue-zagues, ganhos e perdas, de correções de rumo, de multiaprendizagens em todos os ambientes, momentos, situações, com pessoas, grupos, organizações, dentro de uma visão ecosustentável. São muitas as interferências do entorno social multicultural, da herança genética, das experiências marcantes. Mas o importante é o significado que eu atribuo ao que vivencio, as narrativas que vou construindo, a coerência entre o que penso e realizo. Isso me ajudará a evoluir em todas as dimensões, no meu ritmo, aceitando os reveses, incoerências e as inúmeras contradições.

Na vida tenho inúmeras chances de aprender a descomplicar o que é complicado, de fazer escolhas mais sensatas, equilibradas e libertadoras. Cada um tem suas qualidades e dificuldades e preciso estar atento para gerenciar meu passado, presente e as expectativas futuras, da melhor forma possível e em todas as dimensões. Essa construção não é fácil nem linear. É cheia de tensões, ambiguidades e equívocos, mas, com atenção e perseverança, conseguirei tornar-me uma pessoa mais acolhedora, evoluída, com maior bagagem para compreender e interagir com um mundo tão complexo, desafiador e diversificado.

A honestidade e a coerência são valores fundamentais para mim. Avanço na aprendizagem por competências quando consigo ser uma pessoa mais bondosa. Procuro entender o mundo da forma mais clara possível, conversar da forma mais direta possível, viver da forma mais coerente possível. A honestidade e coerência trazem muita paz, equilíbrio, leveza e sentimento de realização. Sei que muitos não pensam assim. Sou consciente de que vivemos em uma sociedade dividida, desigual, com pouco diálogo e com visões bastante antagônicas de mundo. Constato que muitos valorizam mais o ter do que o ser ou tentam levar vantagens sempre que podem e pensam que a honestidade é para pessoas simplórias e ingênuas.

Posso ser honesto e coerente sem me deixar explorar ou enganar pela “esperteza” de alguns. Honestidade é buscar coerência, evolução e propósito, porque isso me ajuda, me reequilibra, me realiza mais. E são muitos os que comungam – de formas diferentes – deste movimento de viver de forma mais sustentável e solidária.

Viver é fazer escolhas, avaliá-las e modificá-las, quando se revelam insuficientes ou perniciosas. Viver é construir ambientes de acolhimento, “oxigenados”, saudáveis nos que me sinta confortável, à vontade, motivado. Nem sempre isso é possível. Às vezes me encontro em ambientes profissionais muito competitivos e agressivos e não consigo sair rapidamente deles (necessidades financeiras...). É uma arte aprender a lidar com esses ambientes desagregadores, minimizar o impacto na minha autoestima, tentar não me deixar atingir por comentários maldosos ou depreciativos. Se esses ambientes se revelam pesados demais, preciso desenvolver estratégias imediatas para neutralizar ou minimizar o impacto dos ambientes tóxicos, como interagir menos com as pessoas complicadas, buscar as mais confiáveis, focar em projetos interessantes, não acumular nem remoer mágoas.  Se esses ambientes tóxicos persistirem e se tornarem insuportáveis, precisarei de estratégias de transição para a escolha de outros caminhos profissionais mais compatíveis com o que faz sentido para mim e onde me sinta mais valorizado e estimulado a criar, empreender e a desenvolver-me.

 O mesmo se aplica aos relacionamentos afetivos. Conviver intima e longamente com alguém é um processo complexo que, tanto pode ser fascinante, envolvente e realizador, como frustrante, opressivo e empobrecedor. Relacionamentos se alimentam de ambientes ricos de diálogo, respeito, negociações e busca de consensos. É como a coreografia de um ballet, em que os movimentos se combinam, integram e sincronizam de forma leve e graciosa. É maravilhoso quando o casal se respeita, se ajuda e confia. Mas não é fácil; exige muita maturidade e equilíbrio. Com frequência a realidade desmente as expectativas iniciais. Uns se acomodam na rotina, na segurança da frustração habitual; enquanto outros se preparam para trilhar novos caminhos e, quando se sentem fortes, assumem novos desafios.

Pessoalmente, sempre estou tentando aprender, evoluir, tornar-me uma pessoa melhor, mais acolhedora, afetiva e coerente. Procuro fazer avaliações com honestidade (e feddbacks externos) para tornar mais conscientes minhas decisões, percebendo onde consigo avançar e quais são as fragilidades mais evidentes. Não busco a perfeição. Tento estar bem, realizar as atividades com a qualidade que as circunstâncias me permitem, sem cobranças exageradas, respeitando meu temperamento, ritmo, circunstâncias, reconhecendo os avanços e as dificuldades.

Viver é uma arte que se aperfeiçoa com a experimentação e a reflexão; é o principal projeto de aprendizagem que nos ajuda a transformar-nos em pessoas melhores, mais leves e realizadas.

 Texto publicado no blog Educação Transformadora em http://www2.eca.usp.br/moran/?page_id=12

Comentários

Gilda Aquino disse…
Moran...Vivendo... experimentando e refletindo esse é o nosso progresso...
E tudo gira em torno "de que vivemos em uma sociedade dividida, desigual, com pouco diálogo e com visões bastante antagônicas de mundo." Somos responsáveis por nossas escolhas.
Abraços
José Moran disse…
Gilda, bom revê-la. Obrigado pelo seu comentário e destaque.
Abraços.
Moran.
Athoz disse…
Muito bom professor. Seus textos e ensinamentos sempre me fazem refletir. Obrigado, grande abraço.
Cinayana Correia disse…
Muito obrigada, professor Moran!!
Tertúlias dialogadas e necessárias.
Um abraço fraterno virtual.
José Moran disse…
Athoz e Cinayana: Muito obrigado pelos comentários tão elogiosos.
Bons projetos.
Abraço. Moran.
Unknown disse…
Eu não consigo, de jeito nenhum, ser uma pessoa leve, sou muito bem humorado e as pessoas, em geral, gostam de mim. Na hora que tenho que enfrentar desafios, tenho o hábito de procrastinar, e medo de me dedicar exclusivamente a um objetivo, falo muito sobre otimismo, mas sou pessimista!
Unknown disse…
meu nome é Edward Bergel
José Moran disse…
edward, todos temos contradições entre o que queremos e o que realizamos na prática. Podemos trabalhar em minimizar os problemas, como os da proscratinação, estão mais atentos a prazos e tomar consciência de se estamos avançando ou não na diminuição dos problemas.
Abraços
Moran

Postagens mais visitadas deste blog

A Internet na nossa vida

O papel das metodologias na transformação da Escola

Educação híbrida: um conceito chave para a educação, hoje José Moran