O que aprendi com os alunos e o que está mudando hoje


José Moran

Fui docente a maior parte da minha vida, mesmo que inicialmente não fosse essa minha intenção.

Minha experiência principal como professor aconteceu na transição do período analógico para o digital (década de setenta aos primeiros anos deste século). Tentei acompanhar as mudanças e incorporar as tecnologias da melhor forma possível.

Minha experiência principal é no Ensino Superior, primeiro privado, depois público, mas também trabalhei alguns anos com alunos do final do fundamental 2.

Algumas coisas que aprendi

Aprendi que é complexo ensinar para alunos diferentes, para muitas turmas, principalmente quando você trabalha em mais de uma instituição, o que acontece com boa parte dos docentes no Brasil.

Durante muitos anos trabalhei com muitas turmas, algumas grandes, e sobrava pouco tempo para o planejamento, o acompanhamento e para a avaliação. A sensação que eu tinha era a de que ficava devendo e poderia ter feito um trabalho melhor. Em algumas disciplinas me sentia mais seguro; mas tive que assumir outras que eu dominava menos e que demandavam muito tempo e esforço.

Muitas aulas me deixavam feliz: achava que funcionaram bem, porque os alunos participavam mais, traziam questões relevantes, desenvolviam atividades diferentes. Outras me frustravam, quando encontrava menos ressonância, havia menos interação, ou, de alguma forma, não conseguia atingir os objetivos previstos. Às vezes trabalhava o mesmo tema com as mesmas estratégias e para as mesmas turmas e o resultado era muito desigual. Isso me surpreendia e frustrava.

Você não consegue agradar a todos da mesma forma. Tem alunos interessados, que te procuram, que mostram contentamento com a tua presença, que contribuem e colaboram; outros se envolvem menos, participam pontualmente e tem os que parecem ausentes. Uns se esforçam e brilham, enquanto outros fazem só o mínimo para passar. Encontrei alguns poucos alunos que gostavam de chamar a atenção, te testando ou provocando de várias formas. Tinha também os alunos intermitentes, que apareciam e sumiam, que entregavam tudo na última hora e sobre os quais você não tinha certeza da autoria e envolvimento. Se você trabalha com numerosas turmas fica difícil conciliar os tempos e prazos para avaliar com calma e a urgência de entregar os resultados para a instituição.

Assim como com os alunos, acontecem resultados diferentes com as turmas.  Com algumas havia sinergia, dava gosto estar, tudo fluía bem; mas com outras o clima era mais tenso, preocupante, difícil. Às vezes dependia da presença de determinados estudantes, outras de pequenos grupos desagregadores.  Algumas turmas eram problemáticas com todos os professores; outras só com determinados docentes.

Para mim foi muito mais desafiador ensinar adolescentes do que jovens ou adultos. Tudo com eles é muito mais intenso, rápido e direto. Você tem que conquistá-los, manter o interesse sempre, surpreendê-los, diversificar as estratégias. Precisa de muita a energia, carisma, jeito. Alguns colegas eram excelentes na gestão de adolescentes, uns de forma mais autoritária e outros democrática.

Ensinar é um processo de aprendizagem contínua, de realização de ajustes, de estar atento aos feedbacks. Alguns insights que hoje me parecem evidentes demorei anos para percebê-los. Quando passei a dialogar mais com os alunos, a interessar-me por eles, a conhecê-los foi mais fácil obter melhores resultados. A introdução das metodologias ativas foi um diferencial, assim como a utilização de tecnologias. Mesmo assim, o engajamento de todos não é igual.   

Outra aprendizagem importante foi a de mudar de um planejamento mais previsível ou fechado para um outro mais dialogado e aberto. Ao explicar a proposta e ouvir sugestões, a adesão dos estudantes tende a ser mais ampla. De qualquer forma o planejamento muitas vezes se modifica por questões que surgem ou por acontecimentos externos.

Outra questão é que a avaliação dos alunos em relação às aulas nem sempre coincidia com a minha. Aulas que eu achava que não tinha ido bem, porque se desviaram bastante do roteiro, eles adoraram e outras que eu pensava que tudo tinha corrido bem, não os sensibilizaram tanto.

Estilo e competência se desenvolvem e aprendem. São muito úteis as dicas de colegas, o compartilhamento de práticas, mas cada professor precisa descobrir o seu jeito, o que funciona melhor, valorizando suas qualidades, e tentando melhorar nas deficiências. Conheci colegas com um carisma especial para a docência ou gestão, que sabem conversar, organizar atividades, atender a grupos diferentes. Como em todas as profissões, há talentos que se destacam.

O que está mudando hoje

Hoje o impacto do digital na educação é muito maior. Há mais recursos, tecnologias, plataformas, redes sociais, materiais atraentes, facilidade de distração.

O aluno está acostumado aos vídeos curtos, engraçados, sempre disponíveis.  Crianças e jovens (entre 11 e 17 anos) passam em média quatro horas por dia no celular, seu companheiro constante, principalmente nas redes sociais, como o TikTok. Checam o celular em média 100 vezes por dia e recebem centenas de mensagens. O professor concorre com muitos materiais gamificados e atraentes e com uma cultura do entretenimento fácil e de respostas fáceis pelo Google e ChatGPT.

Como em outras áreas, há um redesenho dos currículos, das metodologias, das formas de gestão. Cada aluno pode aprender no seu ritmo, do seu jeito e com apoio de plataformas inteligentes. Com os dados e as análises fornecidos, os professores são mais capazes de personalizar a experiência de aprendizado, adaptando-a ao ritmo e às necessidades individuais de cada estudante.,

Isso exige professores muito bem-preparados, criativos, humanistas. Precisam desenvolver habilidades socioemocionais, tais como empatia, colaboração e resiliência e ser, também, muito competentes para conseguir atrair e manter o interesse de tantos alunos durante tanto tempo, engajando-os em projetos relevantes e que sejam mais interessantes do que os vídeos de entretenimento nas telas deles.

As condições de trabalho dos professores são, em geral, pouco atraentes: lecionam em duas ou três escolas, com turmas grandes, baixos salários, pouco tempo de planejamento, de avaliação de cada estudante e de formação continuada. Na educação básica e superior há, frequentemente, uma tensão entre a exigência de ter os melhores profissionais – que custam caro – com o pagamento de salários baixos, desestimulantes. A profissão, em geral, é mais valorizada no discurso do que na prática. Por isso, muitos jovens desistem ou são desaconselhados a não seguir essa carreira.

Vejo com preocupação o cenário atual. Temos mais necessidade e oportunidades de aprender do que nunca. Precisamos dos melhores profissionais na educação. Algumas propostas de políticas públicas apontam na direção certa. Mas falta um longo caminho para percorrer até termos docentes e gestores valorizados, bem remunerados e preparados.

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