Novos desafios para os professores, hoje
José Moran
Ser
professor é uma profissão cada vez mais exigente. A experiência docente no dia
a dia é mais complexa, diferenciada, abrangente. Ela acontece em mais espaços,
tempos, com novas metodologias, tecnologias digitais mais sofisticadas, com
maior interação com as famílias, a cidade, o mundo. Há muitas pesquisas,
publicações, compartilhamento de práticas, inovações na educação. Tudo está
disponível (embora não para todos), mas não é fácil escolher, entre tantas
possibilidades, as melhores para o desenvolvimento profissional e pessoal.
Outra questão importante: Como encantar
crianças e jovens, entretidos com tantos jogos, vídeos e conversas tão
atraentes? Para complicar mais, cada um tem seu jeito, expectativas, motivação,
seu ritmo. Uma estratégia pode ser
encantadora para um grupo de estudantes e deixar indiferentes aos demais. As
tecnologias fazem parte do trabalho habitual do docente. Os conteúdos estão em
plataformas com roteiros gamificados, que explicam em vídeo e testos curtos
qualquer assunto. A maior parte das dúvidas dos alunos pode ser respondida por
um tutor virtual.
O que é
essencial hoje para o professor ser um grande mediador, orientador, mentor dos
estudantes; um questionador, um interlocutor confiável e humanizador. Um
professor que acolhe, orienta, ajuda e incentiva. Ele tem que ser mais criativo
que todas as tecnologias ditas inteligentes, em um contexto em que a maioria recebe
salários baixos, é pouca valorizado profissionalmente e está sobrecarregado de
trabalho.
Como em
todas as áreas da sociedade, existem professores com perfis e desempenho
diferentes: os que contribuem muito,
os que apresentam um desempenho satisfatório e os que deixam a desejar. Tem
professores com muita energia, cheios de ideias, projetos, que se atualizam,
interagem, colaboram, inovam, inspiram. Tem outros que são bons profissionais,
cumprem suas obrigações de uma forma mais previsível, sem correr muitos riscos,
mas também sem empolgar muito. E tem os que procuram fazer o mínimo possível, que
se repetem, reclamam de tudo, são do contra e complicam. Esse desempenho é
afetado pelas condições de trabalho, pela valorização social e econômica. Salários
baixos obrigam a assumir muitas aulas, trabalhar em vários lugares ou em atividades
paralelas, o que interfere no seu rendimento, motivação e realização.
Encontramos
professores que se atualizam e os que que se repetem; os que procuram aprender
de verdade e os que fazem cursos só para ganhar pontos e subir na carreira. Um
bom profissional precisa de uma formação muito sólida intelectual, emocional,
digital e ética. Ensinar é um processo longo. O envolvimento com os estudantes
dura meses ou anos. O professor precisa ser muito competente para conseguir
atrair e manter o interesse de tantos alunos durante tanto tempo, engajando-os
em projetos relevantes, mais atraentes que os vídeos sedutores das telas.
Cada
docente também tem sua trajetória, estilo, qualidades e dificuldades. Ensinar não é uma corrida de cem
metros, mas uma maratona, de longo prazo. Ensinar é um processo que envolve
planejamento - (individual e/ou grupal) com começo, meio e fim. Exige uma
grande capacidade de adaptação à cada momento; sensibilidade para adequar o
planejado ao que faz sentido para cada estudante e para todo o grupo. Implica
em saber escutar, gerenciar, acompanhar e avaliar, utilizando diferentes
estratégia e tecnologias analógicas e digitais, presenciais e online.
Ensinar
é lidar com a rotina, com os bons e maus momentos, com o sucesso e o fracasso;
com bons gestores e gestores burocráticos; com colegas com os quais pode contar
e com outros que não ajudam; com estudantes que estão a fim e com estudantes
desinteressados; com gestores e pais que dão apoio e com os que só complicam.
É uma
profissão mais valorizada no discurso do que na prática. Os professores brasileiros são,
em geral, mal remunerados e pouco apoiados pela sociedade. As condições de
trabalho são frequentemente pouco atraentes: muitos docentes lecionam em duas
ou três escolas, com turmas grandes, baixos salários, pouco tempo de
planejamento das aulas, de avaliação e de formação continuada.[1] Isso
dificulta a atração e a retenção de profissionais qualificados para a carreira
docente, principalmente na educação básica pública. Muitos jovens desistem ou
são desaconselhados a não seguir essa carreira. Há políticas de melhoria, que
apontam na direção certa, mas que demorarão para mudar a realidade atual[2].
Quem
escolhe ser professor hoje no Brasil tem duas grandes motivações - segundo
um estudo da Fundação SM, publicado em 2023: a paixão por lecionar e a
busca por uma melhoria da sociedade[3]. E
os principais desafios da carreira docente são as condições de trabalho, o
salário, o reconhecimento social e os altos níveis de estresse, 2 em
cada 3 docentes afirmam que sua escola não proporciona os recursos necessários
para realizar seu trabalho e, na mesma proporção, estão insatisfeitos com suas
condições de trabalho. Os respondentes consideram que para melhorar
profissionalmente, deve-se priorizar os aspectos relacionados às condições de
trabalho como melhor salário, mais reconhecimento social de seu trabalho, menos
horas de aula por semana e mais equilíbrio pessoal-profissional.
Três em
cada quatro docentes, não se sentem valorizados nem pela sociedade nem pelas
autoridades responsáveis pela educação no país. O esgotamento físico e mental
apareceu na maioria das respostas. A metade dos professores apresenta sintomas
compatíveis com ansiedade e depressão; e 42% demonstram falta de entusiasmo ou
perda de interesse pelo que fazem.
Os
cursos de formação de professores em Matemática, Química e Física têm taxas de
desistência em torno de 70%, bem superior à média geral do sistema universitário.
Cerca de 7 em cada 10 ingressantes em 2012 em licenciaturas nessas áreas já
havia abandonado o curso em 2021, segundo dados tabulados pelo Inep (Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).[4]
Muitas escolas públicas brasileiras não possuem
infraestrutura adequada para o ensino, como salas de aula bem equipadas,
bibliotecas e laboratórios. Isso dificulta o trabalho dos professores e
prejudica o aprendizado dos alunos. Também é um grande desafio a inclusão de alunos com
necessidades especiais nas escolas regulares: exige formação e recursos
adequados dos professores.
Está mudando também o mercado, com procura menor de
alunos em muitos cursos presenciais no Ensino Superior, principalmente
noturnos. Aumenta a demanda por cursos híbridos e a distância, o que exige uma
atualização grande dos professores. Muitas instituições estão diminuindo a
carga horária docente, em nome da personalização e da autonomia do aluno
(materiais prontos, curricularização da extensão). Algumas contratam novos
professores com salários mais baixos e “ensalam” as turmas (juntam alunos que
entram em períodos diferentes ou turmas de cidades diferentes na mesma
plataforma digital).
Nesse cenário pouco favorável, os docentes precisam se
atualizar constantemente tanto nas metodologias como nas tecnologias digitais e
saber como integrá-las no currículo de forma eficaz em contextos diferentes. São
muitos os caminhos, os métodos, os currículos, os resultados. Eles adaptam suas
estratégias para atender às necessidades de cada aluno, incluindo os avanços na
personalização que as plataformas de inteligência artificial oferecem.
Alguns desafios da Inteligência Artificial para
os docentes
A inteligência artificial se popularizou em todos os
campos e traz novas oportunidades e desafios para os docentes e para os
estudantes. A IA deve ser vista como um conjunto de soluções digitais que podem
ajudar a tornar todo o processo de ensinar e de aprender mais dinâmico,
personalizado, flexível e eficiente. A IA não substituirá os professores no
que eles têm de melhor: A interação humana, a empatia, o apoio emocional e o
ensino criativo, que continuam sendo aspectos essenciais para uma educação de
qualidade.
Por meio da análise de dados, a IA pode identificar os
pontos fortes e fracos dos alunos, adaptar o conteúdo, as atividades oferecer
recursos mais convenientes para cada aluno. Plataformas de aprendizado
adaptativo usam IA para ajustar o ritmo e o nível de dificuldade das atividades
com base no desempenho do aluno.
A IA ajuda os professores em diversas tarefas como no
planejamento de aulas, correção de provas e controle de presença. Assistentes
virtuais apoiam os professores nas tarefas administrativas, como na correção de
avaliações, na sugestão de atividades e nas atualizações em tempo real do
progresso dos alunos. A IA oferece recursos interativos, como assistentes
virtuais, que podem responder às perguntas dos alunos instantaneamente,
proporcionando uma experiência de aprendizado mais dinâmica e engajadora.
Também pode ser usada para criar ferramentas e
recursos que ajudem os alunos com necessidades especiais a aprenderem de forma
mais eficaz, como os sistemas de tradução de linguagem, que permitem que alunos
com deficiência auditiva ou visual participem das aulas.
Mesmo assim, é preciso ter cautela. Muitas empresas buscam
o lucro imediato, sem um bom conhecimento das ciências da aprendizagem, o
que pode trazer distorções e abordagens superficiais. Os algoritmos frequentemente
contêm vieses que interferem na imparcialidade
assim como preocupa a preservação da privacidade dos dados. Mal utilizada, a IA
pode levar à acomodação de estudantes e professores, a buscar tudo pronto
rapidamente, sem esforço, reflexão nem aprofundamento crítico.
Quanto mais avançadas as tecnologias, mais importante
se torna a participação do professor na valorização de todas as dimensões
humanizadoras envolvidas no processo de educa: a capacidade de sentir, de
compreender, de escutar, de interagir, de compartilhar, de acolher.
A criatividade, a capacidade de adaptação e o pensamento
crítico são habilidades essenciais dos professores para explorar o potencial da
IA de maneira inovadora e aplicá-la efetivamente nas práticas pedagógicas.
É necessário repensar os conteúdos e metodologias de
ensino, promovendo a integração da IA transversalmente nas disciplinas e promovendo
uma abordagem interdisciplinar que explore o potencial da IA nas diversas áreas
do conhecimento com a mediação de docentes criativos, questionadores e humanistas.
Conclusão
O professor é uma profissão que será cada vez mais
valorizada, porque necessária, principalmente na educação de crianças e jovens.
É mais complexa, exigente e diversificada. Também é mais abrangente: Todas as
pessoas precisam aprender a viver em um mundo complexo, mutante, que exige
rápidas adaptações ao longo de uma vida mais longa. Isso abre inúmeras
oportunidades de trabalho dentro e fora dos espaços formais.
O educador ajuda a descobrir horizontes desconhecidos em todas as dimensões. É um designer de estratégias, projetos e pesquisas para encantar, motivar e inspirar.
Ele precisa saber equilibrar o trabalho com cada
aluno, o trabalho em pequenos grupos e com turmas maiores; o trabalho em
diversos espaços presenciais e digitais, com poucos e muitos recursos; com
planejamento flexível, adaptando-se a diversos contextos, sabendo improvisar;
combinando experimentação e reflexão, a prática e a teoria com alunos com
perfis diferentes e em parceria com outros docentes. E manter o entusiasmo e
engajamento no curto e no longo prazo, no meio da rotina.
É uma profissão fascinante e relevante. O bom professor tem o poder de motivar os alunos a gostar de aprender, de ajudá-los na formação integral e na descoberta de seus talentos e paixões e assim conseguir fazer a diferença na vida de muitos deles. Precisa ter uma boa formação continuada, reconhecimento social e um salário compatível com a sua importância profissional e social.
Para saber mais:
ALVES, L. (Org.). (2023). Inteligência artificial e
educação: refletindo sobre os desafios contemporâneos. Salvador: EDUFBA ; Feira
de Santana: UEFS Editora.
Costa Júnior, J. F., Oliveira, C. C. de., Sousa, F. F.
de., Santos , K. T. dos., Silva, M. I. da., Gomes, N. C., Torres Júnior, J. H.,
& Amorim, T. F. de . (2023). Os novos papéis do professor na educação
contemporânea. Rebena - Revista Brasileira De Ensino E Aprendizagem, 6,
124–149. https://rebena.emnuvens.com.br/revista/article/view/99
Duque, R. de C. S., Turra, M., dos Santos, A. A.,
Soares, L. G., Pascon, D. M., Bernardina, L. D., Peres, H. H. C., Barros, M. W.
B., do Nascimento, I. J. B. M. F., Gomes, D. J. R. de A., Simões, G. S., &
de Oliveira, E. A. R. (2023). Formação de professores e a Inteligência
Artificial: desafios e perspectivas. CONTRIBUCIONES A
LAS CIENCIAS SOCIALES, 16(7), 6864–6878.
https://doi.org/10.55905/revconv.16n.7-158
Schuchter, L. H., & Lomba, M. L. de R. (2023). DOCÊNCIA,
PROFISSÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA: REFLEXÕES E
REFERENCIAIS TEÓRICOS. Educação Em Revista, 39(39).
Recuperado de https://periodicos.ufmg.br/index.php/edrevista/article/view/41068
VALENTE, J. A. (2019) A inteligência artificial na
educação: possibilidades e desafios. In: CASTRO, M. B. de; CAVALCANTI, R. T.;
BRAGA, R. V. (Orgs.). Tecnologias digitais na educação: Teoria e prática. Penso
Editora, 2019. p. 157 –177.
[1] Muito elucidativos estes artigos: Quando os professores desistem: um estudo sobre a exoneração na rede pública estadual de ensino de São Paulo https://doi.org/10.1590/1980-6248-2021-0055 e Tempo de trabalho e de ensino: composição da jornada de trabalho dos professores paulistas - https://doi.org/10.1590/S1678-4634202147235807
[2] Lei 14.817, DE 16 DE JANEIRO DE 2024 Estabelece diretrizes para a valorização dos profissionais da educação escolar básica pública. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14817.htm
José Moran
Professor, escritor
e pesquisador de projetos educacionais inovadores
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