A necessária e complexa convivência entre famílias e escolas


 José Moran

Escola e famílias são parceiros interdependes no processo de educar crianças e jovens. Por isso, precisam estar alinhados, próximos e colaborar de todas as formas possíveis para obter os melhores resultados.

Como vivemos em uma sociedade multicultural, com visões de mundo muito diferentes e, com frequência, posicionamentos acirrados, o número de atritos tem aumentado. Nos anos da pandemia a escola ficou muito mais visível para os pais através das plataformas online. Muitos pais valorizaram a complexidade do trabalho docente e a quantidade de ferramentas e estratégias disponíveis para engajar os estudantes. Outros pais, no entanto, se sentiram incomodados porque professores falavam sobre temas delicados, que conflitavam com seus valores e discordaram da forma como foram trabalhados pelos professores. A escola se tornou mais visível para a comunidade, com mais apoio de uns e maiores questionamentos de outros.

As famílias hoje têm diversas configurações e dinâmicas – famílias com dois provedores, famílias monoparentais, casais do mesmo sexo, famílias multirraciais - muito diferentes do conceito de família tradicional a que estávamos habituados até pouco tempo atrás[1].

Tanto a família quanto a escola desejam preparar as crianças para o mundo; no entanto, a família tem suas particularidades que a diferenciam da escola, e suas necessidades que a aproximam dessa mesma instituição. A escola tem sua metodologia e filosofia para educar uma criança, no entanto ela necessita da família para concretizar o seu projeto educativo[2].

Existem propostas de escolas diferentes no Brasil.  Algumas estão mais inseridas na comunidade, são mais participativas, centradas nos alunos, com currículo por projetos. Nelas o vínculo com os pais e a comunidade é muito forte e faz parte da filosofia da escola essa participação efetiva em assembleias, comitês de gestão, voluntariado. Escolas de tamanho grande – mesmo com filosofias mais ou menos progressistas - tendem a uma participação da comunidade mais institucionalizada e estruturada.

Um exemplo positivo de participação é o das escolas de Reggio Emília, na Itália, com o trabalho conjunto entre família e instituição escolar. O trabalho entre pais e professores é cooperativo, levando em conta que todos têm muito a aprender uns com os outros. Eles também podem contribuir com suas experiências e conhecimentos para enriquecer a aprendizagem das crianças.

Famílias podem ter crenças ou valores que diferem da filosofia da escola. Em escolas particulares muitos pais agem como clientes que pagam para ter um bom produto. Quando algo não lhes agrada, reclamam, com mais ou menos veemência e bom senso.  Uns se queixam da qualidade do ensino, da adoção de métodos pedagógicos ou ultrapassados ou inovadores demais; de que os professores não dão a devida atenção aos filhos deles; de que são muito impositivos ou muito displicentes. Outros não aceitam o enfoque dado a temas controversos (sexualidade, gênero, temas políticos) ou a ideologia de alguns professores, chegando a pressionar por mudanças e incluso demissões. Às vezes as reclamações são procedentes; outras vezes, injustas. É difícil gerenciar tantas situações e equilibrar-se entre tantas demandas e visões diferentes.

Gestores e pais também veem com preocupação o aumento da violência física e psicológica, presencial e nas redes sociais entre alunos, também entre alunos e professores. Casos de agressões extremas acontecem ocasionalmente, obrigando a redobrar as medidas de segurança.

Pais que colaboram, se omitem ou superprotegem

Muitos pais se preocupam genuinamente com o que acontece na escola, acompanham e colaboram com maior ou menor intensidade, mas também existem outros tantos que se despreocupam, dão as costas ou tentam interferir exageradamente.

Os pais que colaboram se preocupam com o andamento das atividades dos filhos, contribuem para melhorar o ambiente de aprendizagem.

Mantêm uma comunicação aberta e regular com professores, demonstrando interesse ativo no progresso acadêmico do filho. Participam construtivamente em reuniões de pais e professores, eventos escolares e atividades extracurriculares, apoiando as iniciativas escolares. Oferecem suporte nas tarefas de casa, incentivando a leitura, a autonomia e a responsabilidade dos filhos em relação aos estudos.

Infelizmente muitas famílias delegam a responsabilidade da educação apenas à escola.  Têm pais que não se envolvem na educação dos seus nem participam das atividades escolares previstas.

Alguns pais não estabelecem limites ou regras claras em casa, o que pode afetar a disciplina e o comportamento dos filhos na escola. Outros pais mantêm expectativas irrealistas ou cobranças exageradas, que exercem pressão e criam ansiedade nos filhos. Uma intervenção excessiva nos estudos, como fazer as tarefas dos filhos ou resolver seus problemas acadêmicos, pode prejudicar o desenvolvimento da autonomia e responsabilidade. Essa superproteção pode ter consequências negativas, especialmente quando se trata de não permitir que a criança enfrente situações de frustração ou responsabilidade por suas ações dentro de uma sala de aula. Alguns pais não dialogam nem ouvem, mas atacam gestores e docentes, quando discordam das políticas, métodos de ensino ou resultados de avaliações. As formas de violência nas escolas têm aumentado, com alguns atos de agressão extremos nos últimos anos. Também é preocupante o incremento no número de ações legais contra as escolas, o que pode ter reflexos na disposição de gestores para assumir riscos em projetos inovadores.

 

A escola aberta para a comunidade

Escolas abertas tendem a fortalecer a sensação de comunidade, integrando moradores, famílias dos alunos, organizações locais e autoridades. Elas se tornam espaços de encontro, aprendizado compartilhado e cooperação.

Elas podem compartilhar seus recursos com a comunidade, como bibliotecas, laboratórios, quadras esportivas e auditórios, permitindo que mais pessoas se beneficiem deles e fomentando um senso de pertencimento e responsabilidade mútua.  Alunos podem se envolver em projetos que beneficiam a comunidade local, como a manutenção de espaços públicos ou iniciativas de sustentabilidade, combinando aprendizado prático com serviço comunitário.

Especificamente com as famílias, é importante estabelecer uma parceria saudável baseada no diálogo e no respeito mútuo. Os pais precisam compreender a importância do papel da escola na formação de seus filhos e buscar uma interação positiva com os professores. Da mesma forma, a escola deve garantir uma comunicação clara e transparente, compartilhando informações relevantes sobre o desempenho acadêmico e comportamental dos alunos.

Em muitos casos, essa convivência pode ser desafiadora e complicada. A falta de comunicação e entendimento mútuo pode levar a mal-entendidos e dificuldades na resolução de problemas. Se uma criança está enfrentando dificuldades acadêmicas, isso pode levar a desentendimentos entre pais e professores. Os pais podem questionar os métodos de ensino, a quantidade de lição de casa atribuída ou o nível de apoio oferecido a seus filhos. Por outro lado, os professores podem sentir que os pais não estão apoiando adequadamente o aprendizado de seus filhos em casa.

Às vezes, conflitos podem surgir devido a diferenças culturais ou sociais entre pais e professores. Perspectivas, valores e expectativas diferentes podem levar a mal-entendidos e dificuldades em encontrar um terreno comum. O diálogo aberto e o acolhimento são cada vez mais necessários. Nem sempre haverá acordo, mas precisa manter o diálogo e os canais de comunicação sempre abertos.

A sobrecarga de trabalho e a falta de tempo podem afetar a participação dos pais na vida escolar de seus filhos. A escola precisa buscar formas de aproximação efetiva com os pais, de forma que que se sintam acolhidos, compreendidos e valorizados.

A escola precisa ensinar a importância do diálogo e da paz. As práticas restaurativas são extremamente vantajosas, pois possibilitam mudanças diretas no campo das inter-relações. Elas levam aos envolvidos uma abordagem inclusiva e colaborativa, que resgata o diálogo, a conexão com o próximo e a comunicação entre os atores escolares, familiares, comunidades e redes de apoio. As práticas restaurativas nos levam a lidar com os conflitos de forma diferenciada: desafiando os tradicionais padrões punitivos. Passamos a encarar os conflitos como oportunidades de mudança e de aprendizagem, ressaltando os valores da inclusão, do pertencimento, da escuta ativa e da solidariedade. São mudanças de modelos de cultura, de paradigmas e de práticas que permitem uma melhoria nos relacionamentos, contribuindo para a construção de cultura de paz nas escolas.[3]

 

Algumas propostas de participação dos pais

As escolas deveriam investir no fortalecimento das associações de pais e mestres, no conselho escolar, dentre outros espaços de participação, de modo a propiciar a articulação da família com a comunidade, estabelecendo relações mais próximas. Os conselhos escolares têm poder decisório ou consultivo em questões importantes da escola, ajudando a definir diretrizes e políticas educacionais e também participar em decisões mais específicas que tratam do planejamento estratégico da escola, orçamento, contratações, e desenvolvimento de currículo.

Escolas e pais podem promover eventos e atividades extracurriculares abertas à comunidade; organizar ou facilitar oficinas e palestras sobre temas variados, compartilhando conhecimento e habilidades com estudantes e outros pais e oferecendo mentoria para alunos em áreas específicas. Pais podem também coordenar ou auxiliar na organização de eventos escolares, como feiras de ciências, festivais culturais e competições esportivas.

Pais podem também ajudar na captação de recursos para a escola (infraestrutura, melhorias), seja através da organização de eventos de arrecadação de fundos ou buscando parcerias e patrocínios. A escola pode estabelecer parcerias com outras instituições, como universidades, empresas e organizações sem fins lucrativos, para criar oportunidades de aprendizagem (visitas, alguns projetos)

Ferramentas tecnológicas, como agendas digitais e aplicativos de comunicação facilitam o acesso às demandas e atividades previstas. A criação de canais de comunicação eficientes, como grupos de WhatsApp ou plataformas online, pode ajudar a facilitar a troca de informações entre pais e escola, embora muitas vezes sejam utilizados de forma pouco equilibrada, amplificando problemas que poderiam ser resolvidos de forma direta pelos envolvidos.  Além disso, a escola pode promover espaços de diálogo e troca de experiências entre pais, estimulando a criação de uma rede de apoio mútuo.

 

Conclusão

Um dos desafios importantes é conseguir uma maior integração entre a família e a escola. Ensinar e aprender é relevante, desafiador e complexo, mas quando há um alinhamento de valores, visões de mundo entre a escola e a família o processo é muito facilitado e flui melhor.

A pedagogia familiar não deve estar desvinculada da pedagogia escolar[4]. Quando as estratégias educacionais em casa e na escola estão alinhadas, há uma maior consistência no desenvolvimento da criança. A colaboração entre pais e professores é fundamental para o sucesso educacional das crianças. Quando há uma comunicação aberta e efetiva entre a família e a escola, é mais fácil identificar as necessidades individuais da criança e fornecer o apoio adequado.

A aprendizagem não ocorre apenas na escola; ela é um processo contínuo que inclui experiências familiares e comunitárias. A colaboração entre a pedagogia familiar e escolar permite criar estratégias de apoio ao aprendizado que se estendem além das paredes da sala de aula.

A escola é um ecossistema complexo, com muitos participantes que têm visões nem sempre coincidentes. Sempre haverá discordâncias e tensões. Precisa de bom senso de gestores e docentes para abrir canais de diálogo, de escuta, de buscar os entendimentos possíveis. A escola privada depende das mensalidades dos alunos e deve fazer o possível para resolver os conflitos, mas não pode ficar refém de pais autoritários e inflexíveis. Não pode abdicar da sua missão de educar pessoas de forma integral, humana, crítica. Parte do insucesso da escola é devido a desalinhamentos grandes com valores e formas de educar de uma parte dos pais. Às vezes é preferível perder alguns alunos do que ter que ceder em princípios básicos que comprometem o projeto pedagógico como um todo e abrem flancos para reinvindicações de todo tipo por falta de clareza nas tomadas de decisão. É impossível agradar a todos, mas o importante é estar aberto ao diálogo, aprender com o feedback recebido e ter clareza de que estamos fazendo o melhor que podemos a cada dia.

Para saber mais:

DESSEN, Maria Auxiliadora @ POLONIA, Ana da Costa. A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano.  Paidéia (Ribeirão Preto) 17 (36) • Abr 2007 https://www.scielo.br/j/paideia/a/dQZLxXCsTNbWg8JNGRcV9pN/#

PAROLIN, Isabel Cristina Hierro. Pais e Educadores: quem tem tempo de educar? Porto Alegre: Mediação, 2007.

POLONIA, Ana da Costa; DESSEN, Maria Auxiliadora. Em busca de uma compreensão das relações entre família escola. Psicologia escolar e Educação, 2005, vol.9, n.2, p. 303-312, 2005. http://www.scielo.br/pdf/pee/v9n2/v9n2a12.pdf

SILVEIRA, L. M. O. B.; WAGNER, A. Relação família-escola: práticas educativas utilizadas por pais e professores. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educação. São Paulo, v. 13, n. 2, p. 283-291, jul./dez. 2009.

WIECZORKIEVICZ, Alessandra Krauss; BAADE, Joel Haroldo. Família e escola como instituições sociais fundamentais no processo de socialização e preparação para a vivência em sociedade. Revista Educação Pública, v. 20, nº 20, 2 de junho de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/20/familia-e-escola-como-instituicoes-sociais-fundamentais-no-processo-de-socializacao-e-preparacao-para-a-vivencia-em-sociedade



[1] CARDOSO, Fernando Cardoso @ COSTA, Marília.  Família e Es cola – uma parceria necessária.

  https://cfvila.com.br/blog/2023/06/23/familia-e-escola-uma-parceria-necessaria/

[2] PAROLIN, Isabel. As dificuldades de aprendizagem e as relações familiares. Fortaleza: Educar Soluções, 2003. 4 DVDs

[3] Conselho Nacional do Ministério Público. Diálogos e Mediação de Conflitos nas Escolas. Guia Prático para Educadores. Disponível em https://www.cnmp.mp.br/portal/images/stories/Comissoes/CSCCEAP/Di%C3%A1logos_e_Media%C3%A7%C3%A3o_de_Conflitos_nas_Escolas_-_Guia_Pr%C3%A1tico_para_Educadores.pdf

[4] Libâneo, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê? 12. ed. São Paulo: Cortez, 2010, p. 85

José Moran

Professor, escritor e pesquisador de projetos educacionais inovadores

Autor do blog Educação Transformadora - eca.usp.br/moran


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