A difícil arte de educar os filhos


 Fui educado em uma família convencional da Espanha, mais controladora do que liberal. Tenho filhos e netos. Como pai, fiz o possível para encontrar o equilíbrio – precário, com frequência -   de educar com carinho e dentro de alguns limites, combinados e regras. Não foi um processo fácil; sempre tentei fazer o melhor, mas hoje percebo as frequentes incoerências e arbitrariedades cometidas.

Os pais mais jovens estão educando os filhos de uma outra maneira, com suas vantagens e problemas. Admiro os que convivem mais intimamente com eles, que conversam sobre tudo, que se tornam amigos, que tentam atender às necessidades das crianças. Vejo pais que incentivam que seus filhos tomem suas próprias decisões, suas escolhas (cabelo, roupas, brinquedos, amigos, comidas). Crescem com muita autonomia, são habilidosos, sociáveis. Tem inúmeras oportunidades de se divertir: todo tipo de brinquedos e jogos, físicos e digitais, sozinhos e em grupos. Muitas atividades em parques, espaços para crianças, clubes, viagens. Ficam horas jogando e conversando nas redes sociais.

Penso que algumas situações poderiam ser facilmente resolvidas. Crianças que jogam e não arrumam depois os brinquedos; que deixam todas as luzes acessas, que ficam com o celular na mesa, comem só o que gostam ou que se levantam sem tirar o prato.

Com frequência vejo crianças que choram, reclamam, pressionam insistentemente, quando não são atendidas, até conseguir o que se propõem. Estão sempre renegociando horários, limites, vantagens. Observo pais que sempre querem agradar os filhos e atendem os seus desejos mais intempestivos, muito além do que seria razoável.

Proteger é importante; superproteger é desastroso.

 Superproteger as crianças, conhecido como “pais helicóptero" (que pairam sobre os filhos), pode ter consequências desastrosas para o desenvolvimento saudável delas, porque exacerba as dificuldades em lidar com frustrações e com problemas. Ao não permitir que experimentem adversidades, a superproteção compromete o desenvolvimento da resiliência, essencial para lidar com a complexidade da vida.

Vejo pais estressadíssimos, que consideram que não fazem sempre o suficiente pelos filhos, que criam expectativas grandes, que os sobrecarregam de atividades, que os estressam junto.

Admiro a incrível facilidade das crianças para transitar pelo digital: Jogam juntos, conversam, se desafiam, gravam vídeos para as redes sociais. Sofrem pressões para comprar objetos, artefatos e assim terem mais vantagens nos jogos; pressão que passa para os pais na forma de cobrança por pagamentos. É difícil também equilibrar o tempo entre o jogo e as demais atividades.

À medida que os filhos crescem, vão ganhando muito mais liberdade. Frequentam festas com grupos de idades mais avançadas que duram até alta madrugada; com muita bebida, sexo e drogas.  É um mundo muito deslumbrante, atraente e permissivo. Os pais conversam com eles, os alertam dos perigos; confiam neles. É muito difícil encontrar o equilíbrio entre liberdade e limites.

Tentando entender melhor os estilos predominantes de pais educadores, adaptei a síntese feita, entre tantos outros, pelo escritor espanhol Alejandro Rodrigo[1]

·      Protetores: Pais que oferecem segurança direta a seus filhos, estão atentos aos seus menores desejos, mas podem restringir sua autonomia ao superprotegê-los. São permissivos, compreensivos, tolerantes em excesso.

·      Autoritários: Pais que impõem regras sem permitir dúvidas, que controlam, determinam, gerando distância emocional. Alguns usam o castigo como forma de controle.

·      Democráticos: Pais que promovem a democracia em casa, dialogando, incentivando debates, o que faz com que os filhos se sintam valorizados, mas pode levar a discutir tudo, perdendo a autoridade em certos aspectos.

·      Manipuladores: Pais que destacam os sacrifícios que fazem por seus filhos, às vezes gerando chantagem emocional e afetando a autonomia dos jovens.

·      Ausentes/negligentes: Pais cuja atitude reflete desinteresse por seus filhos, que percebem a falta de atenção e afeto ou que cometem negligências causando danos diretos a seus filhos.

·      Na prática, os estilos não são únicos, são mais misturados. Um pai democrático pode ser também protetor e em algum momento autoritário. Muitas crianças só ouvem o primeiro não na escola.

Nem superproteção, nem autoritarismo

O mundo mudou muito e, também, a estrutura familiar. Aumentou o número de famílias monoparentais, a maior parte dos pais trabalha fora de casa, as pressões econômicas são maiores e eles dispõem de menos tempo para acompanhar seus filhos.

Encontrar o equilíbrio entre autoritarismo e permissividade é um processo contínuo que requer sensibilidade e flexibilidade por parte dos pais. Demonstrar empatia e compreender as emoções e perspectivas dos filhos fortalece o vínculo e promove um ambiente compreensivo. Convém adaptar as abordagens de acordo com a personalidade e necessidades individuais de cada criança, mantendo-se aberto a eventuais ajustes.

A comunicação aberta, afetiva e honesta é essencial: permitindo que os filhos expressem suas opiniões e estabelecendo limites claros desde cedo. Explicar as razões por trás das regras ajuda as crianças a entenderem a lógica, traz segurança e cria um ambiente mais previsível. É útil reconhecer e recompensar comportamentos positivos com elogios e recompensas; assim como evitar punições severas em favor de métodos proporcionais e disciplinares que incentivem a aprendizagem.

Os pais precisam apoiar que os filhos tomem decisões, aprendam com os erros, ao mesmo tempo em que oferecem apoio e orientação. Confiar neles, dialogar, mas negociar limites claros e as consequências de descumpri-los. É importante apoiá-los, mas também ensiná-los que podem falhar, perder e ajudá-los a enfrentar desafios, a adaptar-se a mudanças e a desenvolver uma mentalidade positiva diante das adversidades.

Não é saudável organizar a vida deles a partir do conforto sem fim; nem dar tudo com facilidade. Crescer significa enfrentar, cair, saber se levantar, ajudar aquele que está em dificuldade. Crianças e adolescentes precisam entender a frustração como uma experiência imprescindível: Entender que o “não” também educa, que a dor, a insatisfação, a dúvida, o conflito são componentes importantes de aprender a viver. A cultura do imediatismo, que promove a gratificação instantânea, torna mais desafiador ensinar conceitos como paciência e persistência.

A competição acadêmica muitas vezes leva a altas expectativas e pressões sobre os filhos, a necessidade, quase obsessiva, de que sejam os melhores em tudo. É importante encontrar o equilíbrio entre incentivar o desempenho acadêmico e preservar a saúde emocional.

A rápida evolução tecnológica influencia a forma como as crianças consomem informações, se comunicam e interagem com o mundo. A mídia tem uma influência significativa na forma como as crianças percebem o mundo. Os pais precisam equilibrar o uso saudável das tecnologias e mídias digitais, dialogando sobre o uso responsável e monitorando o tempo e a forma de uso, até onde lhes for possível.

Muitos adolescentes vivem em bolhas, fechados nos mesmos grupos, redes e territórios. A família e a escola precisam trabalhar os valores sociais, o contato e respeito com as pessoas mais pobres, que participem de projetos reais de melhoria da comunidade. Um dos caminhos auxiliares para aprender com as dificuldades é tornar conscientes os desafios que acontecem nos jogos: eles dão ferramentas para ir pela vida como criar, ser resilientes, trabalhar em equipo e lidar com a frustração.

Temos avançado na educação de crianças e adolescentes. Cada geração tenta fazer o melhor que sabe. Mas não é fácil equilibrar as inúmeras demandas pessoais e profissionais com as familiares, num período de grandes transformações sociais.

 

José Moran

Professor, escritor, pai e pesquisador de projetos educacionais inovadores

Autor do blog Educação Transformadora  moran.eca.usp.br

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