Como serão as aulas nos próximos anos
Desde que a Internet entrou na educação, tenho escrito sobre os cenários da escola no futuro. As tecnologias trariam maior flexibilidade de tempo, de lugar, de formas de aprender. Poderíamos aprender de forma mais criativa, personalizada, colaborativa e com mentoria, tanto estando física juntos como estando conectados. Temos avançado, de forma muito desigual, nesta direção mais flexível, ativa e inclusiva e há um abismo enorme para que todos tenham acesso de todos aos recursos disponíveis.
Com os avanços impressionantes na Inteligência
artificial, na realidade virtual e aumentada, como serão as aulas para jovens e
adultos nos próximos anos? As
tecnologias estão convergindo, se integram mais profundamente e apresentam
ambientes muito atraentes e imersivos para ensinar e aprender em qualquer lugar,
a qualquer fora e de múltiplas formas.
A sensação de presença virtual é muito real, muito
próxima à do presencial. Alunos e professores que estão
perto e online se sentem juntos, no mesmo espaço, na mesma sala, compartilhando
as mesmas ferramentas. A sensação de estar ao lado, de tocar-se, mesmo
distantes é fascinante. Todos conseguem falar, dialogar, e participar de
projetos criativos, contribuir, mexer na mesma máquina, objeto, jogo, experiência.
Alunos de medicina e enfermagem tocam, mexem e operam virtualmente, com
simulações bem realistas.
Cada aluno e professor tem seu agente
inteligente, um assistente, que o ajuda em todas as atividades:
O ajuda nas pesquisas, no planejamento, nas dúvidas, nas suas necessidades e
tempos específicos. O conteúdo é interativo e imersivo. Uma aula de história
dos romanos acontece no cenário da Roma Antiga: cada aluno passeia pelo Coliseu;
revive e interage com lutadores, animais e espectadores nas cenas de lutas e
jogos. A aprendizagem de línguas se dá também em cenários reais, com conversas
fluentes com os assistentes virtuais, com colegas da mesma e de outras escolas
ou países.
Os ambientes digitais são sedutores, imersivos,
realistas, interativos, muito próximos dos presenciais. O
desenho de um módulo ou componente começa com percursos personalizados de cada
estudante, com roteiros de pesquisa e atividades prévias. Cada aluno
interage com seu assistente virtual nas dúvidas e questões que vão surgindo
e consegue monitorar sua própria evolução. Num segundo momento os alunos participam de projetos criativos, de jogos em
pequenos grupos, desenhando soluções, com apoio dos mesmos assistentes virtuais
e dos professores que gerenciam as questões e feedbacks mais complexos. Os
alunos investigam, exploram, interagem, desenvolvem soluções e as compartilham.
Os docentes os ajudam e orientam. Num terceiro momento os professores agem
como tutores para problematizar, contextualizar e sintetizar as aprendizagens e
avaliar as competências desenvolvidas.
Os professores são designers -individualmente ou com
colegas - de experiências e processos criativos. Esse design é aberto,
compartilhado e consensuado com os alunos. Os docentes visualizam o percurso de cada
aluno, seus avanços e dificuldades. Dão feedbacks específicos. São tutores
avançados para questões mais complexas, para análises mais contextualizadas,
para discussões mais profundas, para uma avaliação por competências. O conteúdo
é gamificado, engajador e trabalhado com os assistentes virtuais. Professores cuidam
mais de acompanhar cada aluno no seu percurso e dos vários ritmos e tempos de
várias turmas diferentes. Atendem muitos alunos em tempos pontuais. Os tempos
de encontros síncronos ou presenciais são menos numerosos, mas mais intensos.
Na educação básica a presença física será dominante,
mesmo com o permanente diálogo com os agentes virtuais de apoio à aprendizagem.
Já no Ensino Superior, o currículo será mais flexível, com um número menor de
professores, muito mais experientes no conhecimento técnico e nas competências
sociais e digitais relevantes. Quanto mais sofisticados ficarem os assistentes
virtuais, mais qualificados precisarão ser os professores para interagir com
esses ambientes virtuais e com os estudantes nas dimensões mais humanas e
criativas (acolhimento, comunicação profunda, com o acolhimento, experimentação
dos encontros humanos.
Teremos modelos flexíveis de oferta curricular.
Aulas presenciais síncronas com virtuais, tempos de aulas virtuais síncronas e
assíncronas, alguns encontros presenciais. A ida a um campus será menos
frequente, mas para atividades de experimentação, discussão e
aprofundamento mais relevantes. O presencial será para momentos importantes,
a cereja do bolo, não o default. A ida para o presencial é para experiências
relevantes e para criar conexões sociais, porque para aprender não há muita
diferença entre estar juntos fisicamente e estar juntos virtualmente.
A oferta curricular será muito flexível, para que o
aluno vá e volte sempre que precisar ao longo da vida, de acordo com sua
necessidade. O design curricular será como mapa de um sistema de transporte
público integrado (metrô, ônibus, trem) que atende necessidades e percursos
diferentes, com entradas em tempos diferentes e percursos ao menos parcialmente
personalizados. As certificações serão mais curtas, valorizam cada etapa,
mantendo os alunos mais engajados e permitem maior personalização e formas de
integralização do currículo.
Estes cenários não serão uniformes; mudarão
de uma escola e IES para outra no ritmo e na qualidade. Teremos instituições
sérias com designs pedagógicos avançados, outras com avanços mais cuidadosos e uma
parte oferecendo propostas com baixa qualidade e muito marketing. O grande problema é a desigualdade e a inclusão de todos neste mundo que está muito digital.
Quanto mais avanços tecnológicos e nos projetos
híbridos e digitais, mais importante se torna a ênfase na aprendizagem crítica
e humanizadora. Com a riqueza de plataformas e aplicativos já poderíamos ter
evoluído muito mais. Se não o fizemos é porque temos deficiências
organizacionais e pessoais nos valores, em trabalhar juntos, em entender-nos,
em conviver de forma mais aberta e efetiva, em manter a coerência entre a visão
e as ações.
Há, com frequência, bastante diferença entre o
discurso pedagógico, os documentos institucionais e a prática efetiva;
entre o que se fala e o que se faz; entre as aparências e a realidade. Educação
é o encontro entre pessoas que aprendem juntas. Esse encontro é hoje mediado
por plataformas digitais, mas é a valorização do humano que torna as
instituições educacionais relevantes. Temos todas as condições de aprender de
forma engajadora, profunda, crítica e criativa. O problema está no descompasso
entre os avanços tecnológicos e os avanços institucionais e humanos, ainda
muito contraditórios.
José Moran
Professor, escritor
e pesquisador de projetos educacionais inovadores
Autor do blog Educação Transformadora moran.eca.usp.br
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