Avanços e desafios na educação, neste momento
José Moran
O cenário educacional atual é mais complexo do que parecia
há pouco tempo. Imaginei que hoje, depois da pandemia, estaríamos mais felizes
e preparados, ao voltar para as salas de aula, por termos superado um período tão
longo e difícil no online compulsório. Tenho percebido que há muitas tensões, ansiedades
e cobranças, principalmente sobre os docentes, vindas de dentro e fora todos os
lados (dirigentes, estudantes, pais...). Não é fácil manter os estudantes
atentos e interessados neste novo cenário fi-digital (físico-digital) . Muitos
professores estão estressados, tentando atender às demandas de “recuperar
perdas” no currículo, gerenciar grupos de alunos com níveis diferentes de
conhecimento, enquanto veem uma parte dos colegas desatualizados e desmotivados.
As tensões na educação são um reflexo das que vivemos como cidadãos.
Os níveis de ansiedade e angústia são elevados, pelo
impacto da pandemia nas nossas vidas, agravado pela deterioração da economia, incertezas no cenário político e pelo aumento da desigualdade social.
Vivemos eu um país com baixíssimo índice de confiança
social. Menos de 5% das pessoas confiam nas outras. Ambientes de confiança são
importantes para manter o bem-estar pessoal, melhorar os relacionamentos, avançar nas aprendizagens e diminuir a desigualdade.
Um dos principais desafios, neste momento, é aprender a manter
o equilíbrio emocional e a coerência possíveis na vida pessoal, familiar, profissional e
social. É importante oferecer apoio aos que nos procuram e buscá-lo, também, sempre que necessário.
Na educação Básica e Superior, muitos gestores e docentes estão acolhendo os estudantes que apresentam maiores dificuldades socioemocionais e de aprendizagem. Estamos avançando na capacidade de empatia, fortalecendo vínculos e ampliando as redes de solidariedade e de cuidado.
Ao mesmo tempo, há uma nova percepção de que se
aceleram as mudanças em todos os campos da vida e, especificamente, na educação,
há uma pressão para que as escolas sejam mais interessantes, que a aprendizagem
seja mais ativa, flexível e diversificada.
Alguns avanços atuais
As crises
trazem consequências muito diferentes em todos os campos, porque as pessoas
reagem a elas de formas bastante diferentes. Alguns aprendem rapidamente,
experimentam, enxergam novas oportunidades (modificam sua mentalidade mais
profundamente); outros fazem só alguns ajustes, se adaptam para sobreviver, (realizam
mudanças parciais). Um terceiro grupo de pessoas permanece na defensiva, só
enxergando perdas e problemas (e só muda tardiamente e a contragosto).
Estamos
aprendendo a ser um pouco mais humanos, a ter empatia conosco e com os demais,
a sermos mais acolhedores, a lidar melhor com a ansiedade e dificuldades. Aprendemos
o valor do encontro, do estarmos juntos de várias formas, de ser mais flexíveis
na vida profissional, familiar e pessoal. Aprendemos que a vida é curta e cheia
de surpresas e que não vale a pena perdê-la em discussões inúteis, em brigas
desgastantes, em relacionamentos controladores e abusivos.
Percebemos
que podemos aprender de múltiplas formas, em diferentes espaços físicos e
digitais, síncronos e assíncronos; sozinhos, em grupo e com mentoria. Podemos
aprender em espaços formais (como nas escolas) e informais, em redes e
comunidades ao longo da vida.
Estamos
evoluindo (embora de forma desigual) no
desenvolvimento das competências digitais, na calibragem e diversificação das estratégias
didáticas (metodologias ativas também no online -aprendizagem por projetos, problemas,
jogos, times). Confirmamos que as aulas
têm que ser experiências desafiadoras, surpreendentes, ricas de questões
vinculadas com a vida e de aplicações seja no presencial ou no online, com
professores inspiradores e com intenso envolvimento dos estudantes. O contato
com cada professor tem que trazer a riqueza da vida, o encontro de
personalidades que se completam. O docente precisa ser um grande provocador,
interlocutor, orientador de pesquisa e caminhos, de abertura de novas trilhas e
desafios.
Estamos mais
convencidos que que os currículos uniformes, de sequência linear igual para
todos começam a tornar-se mais flexíveis,
com mais autonomia nos itinerários e ênfase na resolução de problemas.
Algumas mudanças mais imediatas
Estamos em
um período de fortes ajustes em todos os campos pelo empobrecimento de boa
parte da população, pelas graves tensões políticas, pela necessidade de baixar
custos, de buscar novas receitas, de oferecer um serviço educacional que faça
sentido para os diversos tipos de estudantes ao longo da vida.
Hoje começamos a ter um olhar um pouco mais atento aos estudantes, uma
escuta mais ativa, dialogando mais, não só pressupondo; descobrindo o que já
conhecem e o que almejam. O planejamento também tende a ser mais aberto,
compartilhado e modificado durante todo o percurso.
A aprendizagem acontece de forma mais profunda quando conseguimos
interagir e experimentar em ambientes de confiança, de acolhimento e de
compartilhamento amplos, “fidigitais”. Estamos
começando a redesenhar currículos mais flexíveis, híbridos, humanizadores, com
trilhas mais personalizadas, aprendizagem por pares, com apoio de plataformas
digitais avançadas; com docentes como designers e mediadores confiáveis e
competentes e também com alguns mentores mais experientes. Também vemos avanços
na inclusão das famílias e na abertura das escolas para o entorno próximo, para
a cidade e para o mundo (embora ainda temos um longo caminho a percorrer).
Os modelos
de gestão e acadêmicos começam a ser mais enxutos, personalizados, com economia
de escala e incorporação ampla do digital. Levam vantagem as Instituições que
avançam na gestão, com currículos mais integrados, personalizados e flexíveis e
fortemente digitais, focados em competências, certificações em módulos menores.
Aumentam as parcerias estratégicas para diluição de custos e integração de serviços.
Infelizmente também estamos vendo a aplicação de modelos “híbridos” de baixo
custo de forma preocupante, muito mais focados em conteúdo pronto do que em
desafios, com aumento desproporcional do número de alunos para cada professor e
salários mais baixos (trocando docentes mais experientes por professores/tutores
de custo menor).
A partir de
agora, nossas escolas – em todos os níveis educacionais - serão cada vez mais
interessantes, criativas, empreendedoras, humanas. Abre-se um mundo de
possibilidades. Há limites que são do nosso precário desenvolvimento humano,
nossa dificuldade de entender-nos, de trabalhar juntos, de evoluir em todas as
dimensões. Há, entretanto, condições
estruturais que dificultam a mudança e que são essenciais para uma
transformação mais consistente, sistemática na educação do país: políticas
públicas coerentes, integradas, inclusivas e com visão de longo prazo; docentes
e gestores mais valorizados e capacitados; investimentos contínuos em
infraestrutura física e digital.
São muitos os desafios, assim como as oportunidades. Como a educação é o
setor mais estratégico para a transformação de qualquer país e ela se estende
ao longo da vida de todas as pessoas, haverá cada vez mais oportunidades para que
profissionais e organizações contribuam para a reengenharia profunda que
implica a transformação de todo o sistema educacional (formal e não formal), o
atendimento a novas demandas, a descoberta de nichos específicos, as ações para
educar a cada pessoa desde que nasce e ao longo das diferentes etapas da vida
sua vida. Apesar dos avanços apontados, os desafios a nossa frente são imensos, complexos e
fascinantes.
PS. Estes
temas serão aprofundados no Seminário que realizarei agora,em julho. Veja no meu
blog: https://moran10.blogspot.com/2022/05/grandes-temas-da-educacao-atual.html
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