Reinventando as formas de ensinar e de aprender

 José Moran

Educador, pesquisador e designer de ecossistemas inovadores na Educação

Blog Educação Transformadora


Já sabíamos, há muito tempo, que a educação precisava mudar. Agora constatamos o tamanho do desafio que temos pela frente. Percebemos que podemos aprender de múltiplas formas, em diferentes espaços físicos e digitais, síncronos e assíncronos; sozinhos, em grupo e com mentoria. Podemos aprender em espaços formais (como nas escolas) e informais, em redes, comunidades ao longo da vida.

A educação escolar precisa ser desenhada em um mundo muito mais híbrido, conectado. Ela começa pela escola, mas vai muto além dela.  Os modelos curriculares uniformes, de sequência linear não fazem o menor sentido numa sociedade com amplo acesso às informações, às redes sociais e comunidades e em que cada pessoa precisa resolver problemas complexos de forma rápida e eficiente. Hoje podemos redesenhar as melhores combinações possíveis na integração de espaços, tempos, metodologias, para oferecer as melhores experiências de aprendizagem à cada estudante de acordo com suas necessidades e possibilidades.

A separação entre espaços físicos presenciais e digitais diminuiu, se reconfigurou - como em outras áreas da nossa vida - e há um crescente consenso de que construiremos, a partir de agora, muitas propostas diferentes de ensinar e de aprender híbridas, mais flexíveis, personalizadas e participativas, de acordo com a situação, necessidades e possibilidades de cada aprendiz. As arquiteturas pedagógicas serão mais abertas, personalizadas, ativas e colaborativas, com diferentes combinações, arranjos, adaptações num país com realidades muito desiguais.

A educação precisa ser empreendedora, assim como a vida, que nos desafia em todos os campos, a todo momento, em todas as áreas com problemas concretos, complexos e multidisciplinares. Aprender empreendendo é a única saída para viver uma vida com significado e evolução em todos os momentos e em todas as dimensões.  

Podemos pensar em propostas de ensino e de aprendizagem ativas muito mais flexíveis, atraentes, diversificadas, que atendam às necessidades e expectativas de cada participante, dos diversos grupos e da comunidade. Antes o acesso à informação, às tecnologias e especialistas era difícil. Agora, apesar da desigualdade existente, podemos reinventar currículos, metodologias, design de experiências, formas de avaliação.  Tudo está em aberto e em construção. Caminhamos para currículos mais flexíveis, multimodais, integrados, com maior vínculo com a sociedade (famílias, organizações) com incorporação ampla do digital.

Todas as escolas e universidades podem e precisam ser interessantes. Escolas interessantes atraem os estudantes, eles gostam de ir. Sabem que vão encontrar ambientes que estimulam a investigação, o diálogo, a solução de problemas, o jogo, a aprendizagem com diversão e ao mesmo tempo com desafios reaisHá questões estruturais que dependem de políticas públicas continuadas, de formação e valorização de docentes e gestores, boa infraestrutura física e digital, entre tantos fatores. Mas vemos escolas interessantes ao lado de outras pouco atraentes. O que elas têm de diferente?

Escolas interessantes começam com gestores acolhedores, que lideram pelo exemplo, que apoiam docentes, estudantes e famílias. As escolas estão limpas, os ambientes são atraentes e, principalmente, as pessoas são competentes e humanas. Os professores estão motivados, se ajudam, desenham estratégias diversificadas para que os estudantes se engajem, participem, criem, compartilhem. Escolas são vivas e atraentes quando há comunicação, respeito, incentivo. Isso é o básico. Não estamos falando que todas as escolas precisam ter as melhores tecnologias (é ótimo, se for possível), mas o principal é ter um grupo de profissionais que fazem de tudo para encantar crianças e jovens. Sem encantamento não há aprendizagem profunda. Quando os estudantes se encontram em ambientes autoritários, controladores, em que eles só executam tarefas, a aprendizagem é mais superficial e pouco estimulante. Tornar uma escola interessante não depende principalmente de ter uma infraestrutura sofisticada, mas de ter profissionais competentes, abertos, criativos e que se ajudam. Pessoas interessantes e humanas atraem, conquistam, entusiasmam.  Pessoas interessantes gostam de aprender, quando ensinam; são flexíveis para adaptar-se a cada situação, pessoa e turma.

Temos escolas com propostas pedagógicas diferentes, umas com mais ênfase em projetos e a maioria em conteúdo, mas todas deveriam saber motivar, atrair, engajar os estudantes, utilizando toda a expertise acumulada em gestão, docência, avaliação.  Hoje todos nós, os educadores, somos desafiados a incorporar metodologias ativas, competências digitais, trabalhar com a personalização e a aprendizagem em grupos de forma mais integrada, flexível, compartilhada. Precisamos equilibrar informação com experimentação, teoria e prática, materiais analógicos e digitais, espaços físicos e virtuais. Mas o essencial continua igual: educação é o encontro entre pessoas que se ajudam a evoluir em todas as dimensões vitais: ampliar o conhecimento, as competências socioemocionais e o desenvolvimento de valores humanizadores.

Sabemos que é complicado falar de transformações na educação em um país com uma desigualdade estrutural em todas as dimensões e escolas com realidades tão diferentes. Temos consciência de que as transformações também dependem de políticas públicas com diretrizes coerentes, consensuadas, continuadas e investimentos maiores e melhores na gestão, docência e infraestrutura física e digital. Os desafios, apesar dos avanços, ainda são gigantescos.

Alguns caminhos contribuem para tornar a aprendizagem mais atraente: abrir a escola para que os estudantes e pais participem das decisões importantes; abrir a escola para a comunidade; convidar pais e pessoas da comunidade a compartilhar sua experiência profissional com palestras, oficinas ou a “adotar” alguns estudantes que precisem de maior apoio pedagógico ou socioemocional.

Outro caminho importante é a formação docente em metodologias ativas, com apoio de tecnologias digitais.  Realizar formações ativas, imersivas com metodologias ágeis para acelerar as mudanças mentais, na forma de pensar, ensinar e de agir.  O propósito é acelerar a transformação do mindset das pessoas; que passem da mentalidade focada na certeza, no medo de falhar para a de arriscar, de estimular a experimentação, o erro, a criatividade, o desafio.

É importante também a formação ativa dos estudantes para que saiam da atitude passiva de esperar que o professor decida tudo por eles para a de perceber que quanto mais se envolvam, pesquisem e resolvam problemas mais eles evoluirão.  A formação precisa chegar também às famílias para que compreendam, vivenciem e apoiem as mudanças curriculares, metodológicas, avaliativas e participem ativamente de todo o processo.

Escolas interessantes fomentam o clima de transparência, de acolhimento, de diálogo, de compartilhamento de práticas e de envolvimento na tomada de decisões estratégicas de todos os setores da comunidade. O desenho curricular também pode ser mais flexível. Uma parte do percurso é feita pelo estudante, dentro do seu ritmo e circunstâncias e através de escolhas diferentes. Outra parte é realizada em grupo, de forma mais colaborativa, experiencial e reflexiva com a supervisão e mediação dos docentes nos espaços presenciais e digitais, de forma síncrona ou assíncrona. O percurso se amplia com atividades de tutoria e mentoria para o desenvolvimento dos projetos pessoais e de vida de cada estudante. As escolas mais inovadoras são comunidades vivas, com gestores e docentes criativos, humanos e empreendedores, que estão redesenhando os espaços, currículos, metodologias, tecnologias e avaliação de uma forma flexível, contínua e sistêmica.  

Escolas e IES estão se transformando também digitalmente. O digital é um ambiente essencial para integrar todas as áreas, pessoas e serviços e oferecer experiências ricas e diferenciadas de aprendizagem, pesquisa, parcerias. São multiplataformas com inteligência artificial que integram todos os setores, atividades, participantes, onde tudo fica visível, fácil de interagir, de prever, de avaliar. Isso abre inúmeras possibilidades de parcerias, de novos produtos, de novos mercados, atendendo a todo tipo de pessoas ao longo da vida.

Ninguém ensina o que não tem. Ensinar por competências e valores pressupõe que estes tenham sido desenvolvidos em grau avançado na formação e na prática docente. Isso não é fácil e rápido. O desenvolvimento de competências amplas e a mudança de mentalidade são difíceis, lentos e de longo prazo (exigem perseverança, continuidade, resiliência). Ao mesmo tempo, a formação nos instrumenta em como mobilizar os estudantes para que encontrem ressonância e significado nos projetos que desenhamos, nos materiais que curamos, nas estratégias individuais e grupais, nas mediações e avaliações ao longo do processo. Esses projetos devem estar inseridos em um currículo mais enxuto, que distingue o que é essencial, imprescindível do que é desejável (importante, mas mais flexível).

Os modelos educacionais inovadores podem ser diferentes. Cada instituição tem sua história, trajetória, cultura, currículo, público. Mas todos os currículos precisam ser atualizados, redesenhados para conseguir ser relevantes e diminuir a distância entre escolas inovadoras e escolas que estão ficando defasadas. As escolas (básicas e superiores) precisam trabalhar em dois planos, o de curto e o de médio prazo. Há mudanças que são viáveis no curto prazo e outras que precisam ser cuidadosamente preparadas para serem bem-sucedidas, evitando possíveis retrocessos e reviravoltas. A inovação pode começar em pequena escala, em uma área que não comprometa a instituição como um todo e que permita uma avalição cuidadosa, antes de ampliá-la para todos.

Os desafios são muitos e fascinantes tanto no campo pessoal como no institucional: todos estamos participando de um processo histórico de reinvenção das formas de ensinar e aprender para todas as idades e em todas as dimensões.

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Texto introdutório ao meu Seminário "Como transformar a educação com modelos flexíveis" que acontecerá em julho próximo. Mais informações e inscrições em bit.ly/seminariomoran4

Comentários

Unknown disse…
Como a avaliação procede? Se independente de ser hibrida ou não, quando todos estão na mesma situação, avaliar quando estamos no momento único tambem de apreender e usar o senso de avaliação com equidade? Parece que temos carateristica de assumar cada situação muito rapido, sem querer ser critico, mas tentar entender sem desconsiderar os especialistas.

Edson L.

José Moran disse…
Edson: Avaliar para aprender, comos recursos possíveis para atender à cada aluno de acordo com sua realidade concreta. Não há umúnico caminho. Abraço. Moran.

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