Avanços e desafios na educação híbrida
José Moran
Educador, pesquisador e designer de ecossistemas inovadores na Educação
Introdução
Apesar das muitas contradições, carências e profunda
desigualdade econômica, tecnológica e educacional, está havendo um crescimento consistente
de projetos pedagógicos interessantes, flexíveis, ativos, com foco no
desenvolvimento de competências e valores.
Percebemos que muitas das atividades que
imaginávamos que só seriam viáveis no presencial (como a aprendizagem por
projetos, em times) podem ser realizadas com bastante qualidade no online,
principalmente com crianças maiores, jovens e adultos. A separação entre
espaços físicos presenciais e digitais será cada vez menor, assim como acontece
com as outras áreas da nossa vida e há um crescente consenso de que veremos, a
partir de agora, muitas propostas diferentes de ensinar e de aprender, mais personalizadas
e participativas, de acordo com a situação, necessidades e possibilidades de
cada aprendiz. Num período tão desafiador como que vivemos atualmente, com empobrecimento,
desemprego e tantos problemas por resolver, podemos aproveitar a crise como uma
oportunidade para avançar em propostas que tragam valor para os estudantes a um
custo acessível: a educação híbrida é um dos caminhos.
Educação ativa híbrida
O ensino híbrido é uma modalidade pedagógica
que mistura possibilidades de combinar atividades em sala de aula com
atividades em espaços digitais para oferecer as melhores experiências de
aprendizagem à cada estudante. No Ensino Híbrido o foco está mais na ação dos
docentes. O conceito de Educação híbrida é mais abrangente, porque olha para as
combinações possíveis de todos os envolvidos no processo de ensino e de
aprendizagem (visão ecossistêmica do híbrido). Hoje podemos redesenhar as
melhores combinações possíveis na integração de espaços, tempos, metodologias, tutoria
para oferecer as melhores experiências de aprendizagem à cada estudante de
acordo com suas necessidades e possibilidades.
Na educação acontecem vários tipos de mistura,
blended ou educação híbrida: de saberes e valores, quando integramos
várias áreas de conhecimento (no modelo disciplinar ou não); mistura de
metodologias, com desafios, atividades, projetos, games, grupais e individuais,
colaborativos e personalizados. Também falamos de tecnologias híbridas, cada
vez mais “inteligentes”, que integram as atividades da sala de aula com as
digitais, as presenciais com as virtuais. Híbrido também pode sinalizar um
currículo mais flexível, que planeje o que é básico e fundamental para todos e
que permita, ao mesmo tempo, caminhos personalizados para atender às
necessidades de cada aluno. Híbrido também abrange a articulação de processos
mais formais de ensino e aprendizagem com os informais, de educação aberta e em
rede. Híbrido implica em misturar e integrar áreas diferentes, profissionais
diferentes e alunos diferentes, em espaços e tempos diferentes.
Mesclar e flexibilizar são conceitos-chave para dar conta dos desafios atuais: Podemos sair de propostas fechadas para
outras mais abertas, os tempos iguais para os tempos combinados, os
itinerários iguais para os personalizados e também intensamente participativos,
dentro de espaços escolares, de espaços digitais e espaços profissionais. Híbrido
implica em repensar o currículo rígido, as metodologias ativas, a adaptação e
diversificação dos espaços, o uso intensivo de tecnologias digitais, a melhoria
da avaliação.
Com o avanço das plataformas digitais
e a facilidade de ver-nos de forma síncrona, as possibilidades de combinação,
integração e personalização se ampliaram de forma muito diversificada e
intensa. Podemos pensar em modelos ativos predominantemente presenciais, em
modelos ativos parcialmente presenciais e digitais, e modelos ativos de ensino
e aprendizagem totalmente online, dependendo das necessidades específicas dos
estudantes (crianças, jovens, adultos), das competências a serem trabalhadas em
cada etapa e área de conhecimento e do grau de maturidade e autonomia de cada
um.
As arquiteturas pedagógicas serão mais
flexíveis, abertas, híbridas, personalizadas, ativas e colaborativas, com
diferentes combinações, arranjos, adaptações num país com realidades muito
desiguais. Estamos começando a sair do modelo mental de identificar
aprendizagem com um professor e 40 alunos em uma sala presencial. O ideal é o
equilíbrio entre a personalização (mais escolhas do aluno, mais autonomia) com
a aprendizagem colaborativa (aprendizagem ativa, entre pares, por projetos), a
tutoria/mentoria, avaliação formativa, oferecendo as melhores condições de
aprendizagem em tempo real (sala de aula, plataformas online, espaços
profissionais) e de forma assíncrona (com itinerários e atividades mais
individualizados).
Esse conceito do híbrido evoluiu
bastante nos últimos tempos pela expertise adquirida com a ida forçada para o
digital. Aumentou a consciência de que as misturas podem ser muito mais amplas:
Espaços, tempos, metodologias ativas, formas de avaliar. Não faz muito sentido
dar aulas expositivas nos encontros presenciais do modelo híbrido, pois a parte
expositiva pode ser planejada melhor no online (onde cada um acessa
os materiais no seu tempo e quantas vezes quiser). Podemos também no espaço
digital estimular a pesquisa, desenvolver projetos de forma assíncrona e
síncrona, discutir casos, compartilhar experiências. Muitas das atividades que
imaginávamos que só seriam viáveis no presencial podem ser realizadas com
bastante qualidade no online, principalmente com crianças maiores, jovens e
adultos. Mas o presencial ainda é
insuperável para um contato mais amplo, para práticas mais reais e imersivas,
para áreas de criação coletiva como teatro, dança e principalmente para desenvolver
vínculos. Mesmo elas podem ser integradas e combinadas com experimentações em
ambientes virtuais imersivos. O avanço e domínio das tecnologias neste período
longo de ida para o digital nos fez experimentar possibilidades que antes
pareciam pouco relevantes.
Os modelos híbridos se combinam, se
integram e ganham relevância com o foco na aprendizagem ativa dos estudantes.
As metodologias ativas envolvem um percurso metodológico que possibilita a ação
do estudante envolvendo-o na aprendizagem por descoberta, por investigação, por
resolução de problemas e por projetos. As metodologias ativas procuram criar
situações de aprendizagem nas quais os aprendizes possam fazer coisas, pensar e
conceituar o que fazem, construir conhecimentos sobre os conteúdos envolvidos
nas atividades, bem como desenvolver a capacidade crítica, refletir sobre as
práticas que realizam, fornecer e receber feedback, aprender a interagir com
colegas e professor, e explorar atitudes e valores pessoais.
Os modelos híbridos favorecem uma
combinação ideal entre personalização, colaboração e tutoria/mentoria. Uma
parte do percurso pode ser feita pelo estudante, dentro do seu ritmo e
circunstâncias, o que implica em calibrar e acompanhar essas atividades para
que todos se envolvam e cheguem aonde professores e escolas planejaram. Outra
parte do percurso é feito em grupos e classes, é mais colaborativo e
supervisionado diretamente pelos docentes. Este percurso tanto pode acontecer
na sala de aula física, na digital ou em ambos os espaços simultaneamente ou de
forma assíncrona. O percurso se completa através da mediação, tutoria e
mentoria do docente, com alguém que faz grandes perguntas, orienta e ajuda a
tornar visível a aprendizagem e o desenvolvimento de competências no percurso.
Um dos benefícios é a possibilidade do
docente dedicar mais tempo às dúvidas e ao acompanhamento mais próximo e
individual dos alunos na aprendizagem. Com o apoio da tecnologia, o professor
também consegue visualizar, coletar e analisar dados sobre as aprendizagens dos
alunos de forma mais simples e precisa.
Isso pressupõe ter uma boa plataforma digital
com inteligência para fornecer análises de dados relevantes e atualizados para
docentes, estudantes, gestores e pais. Tudo isto traz uma série de desafios
novos para docentes, discentes, para as escolas e famílias.
Modelos híbridos
integrados na Educação Básica
Na Educação Básica os modelos continuarão
sendo de maior predominância do encontro em espaços comuns (salas de aula
enriquecidas com tecnologias) com diversas formas de integração entre o
presencial e o digital, que vem sendo testadas principalmente a partir das
publicações do Horn & Staker, 2015[1] :
aula invertida, rotação por estações, rotação individual. e que incluirão alguns modelos mais
personalizados e online, como os modelos flex (roteiros personalizados
online com o professor por perto), a la carte (fazer um, ou mais módulos
online) ou virtual enriquecido (parte presencial, parte online). A hibridização
será progressiva, de acordo com a idade e o avanço do estudante no currículo.
Avançaremos na
oferta de diferentes modelos híbridos integrados:
Modelos híbridos
predominantemente presenciais
Parte das atividades em espaços
físicos e parte em espaços digitais-online, com combinações diferentes
dependendo da idade dos estudantes, da autonomia do estudante e da
flexibilidade do currículo. As atividades digitais podem acontecer
dentro do espaço da escola ou fora dele; de forma alternada ou simultânea; síncrona
ou assíncrona (em situações em que professores e alunos trabalham juntos num
horário pré-definido, ou em horários mais flexíveis; cada estudante no seu
ritmo com tempos em que todos estão juntos com o professor).
· O modelo mais praticado é o da aula invertida,
que combina a aprendizagem presencial com a digital para obter uma maior
eficiência. Os alunos estudam os
materiais individualmente online antes (em casa ou na escola) e os discutem,
aprofundam e aplicam em grupos e coletivamente na sala de aula. Os momentos
presenciais podem ser para realizar atividades diferentes, de discussão,
elaboração de projetos, aprofundamento de conteúdo e dúvidas. Uma combinação
bastante utilizada na educação básica é a aula invertida combinada com
atividades em grupos (rotação por estações) ou atividades em times. Esse modelo foi adaptado durante a pandemia
para o ensino online, combinando atividades pedagógicas assíncronas (de
preparação individual) com as síncronas (atividades mediadas pelo docente e com
participação dos estudantes). Comprovamos nestes últimos meses que podemos
realizar também no online muitas das atividades que até então só vivenciávamos
na sala de aula: podemos desenhar projetos de design thinking, trabalhar em
times, realizar debates online através de plataformas que antes não se
destacavam tanto pelas atividades participativas síncronas.
O modelo
híbrido parcial pode começar no ensino fundamental e ir evoluindo no ensino
médio e ser plenamente implementado de forma mais flexível no ensino superior. Há uma diversidade de combinações possíveis:
Leituras, pesquisas e atividades individuais assíncronas e/ou em grupo (aula
invertida) integradas com projetos, rodas de conversa, atividades em times em
sala de aula presencial e/ou laboratório.
•
Modelos de
integração síncrona, com várias
combinações: parte da classe em sala de aula + parte em encontros síncronos. Serão
bastante comuns na saída da pandemia e já vem sendo utilizados no ensino
superior para permitir flexibilidade de atender a estudantes que trabalham ou
moram em lugares distantes do campus. A partir de agora esses modelos serão
mais adotados, ao combinar a personalização com a flexibilidade de tempo e
lugar.
Currículo mais híbrido
•
Módulos online
com momentos específicos de presencialidade física (Virtual enriquecido ou
aprimorado)
Nesse
modelo, os estudantes realizam os estudos sobre todos os componentes
curriculares no formato online, e frequentam a escola para sessões presenciais
com um ou mais professores, uma ou mais vezes por semana. É um formato que se
combina com a Aula invertida. As
propostas online podem acontecer por meio de vídeos para explicação de
conceitos, textos para leitura, pesquisas individuais em grupo, projetos
desenvolvidos individualmente ou em pequenos grupos online, com produções
previstas (quizzes, relatórios, projetos, narrativas online, e portfólios) que
vão mostrando o avanço de cada um, geram engajamento e dão subsídios ao docente
para o desenho das atividades presenciais. Os encontros presenciais são para
aprofundar os conceitos previamente estudados, para dúvidas, debates,
aplicações práticas, tutoria mais personalizada e para encaminhar as próximas
etapas.
- Módulos totalmente online (à la carte)
No
modelo à la carte, de acordo com a definição dos autores (Horn
e Staker, 2015), a aprendizagem de algumas disciplinas ou módulos é feita no
modelo online, com ênfase na aprendizagem ativa e tutorial.
Esse
modelo poderia ser introduzido, por exemplo, no Novo Currículo do Ensino Médio,
principalmente para personalizar os itinerários formativos. No Ensino Superior
os modelos híbridos podem partir destes modelos mostrados na educação básica e
avançar para maior flexibilidade, personalização e integração, de acordo com
cada área de conhecimento.
Educação flexível
no Ensino Superior
No Ensino
Superior e na Educação continuada
há uma clara consciência da necessidade de tornar os modelos mais flexíveis,
personalizados, com maior vínculo com o mundo real, do trabalho, do
empreendedorismo. A longa permanência só no online trouxe questões que
antes permaneciam menos evidentes: O que é insubstituível no presencial e o que
pode realizar-se com qualidade no online? o que, como e até onde o aluno pode
aprender ativamente sozinho? Quando e como trabalhar em times, em projetos de
curta e longa duração, em projetos complexos, inter ou transdisciplinares? Como
integrar a aprendizagem mais acadêmica com a profissional em todas as áreas de
conhecimento e com a maior flexibilidade possível? A complexidade da docência
pessoal e compartilhada: professores como designers de experiências relevantes,
gestores de pessoas, tutores/mentores com amplo domínio das competências
digitais?
No Ensino Superior é onde encontraremos os
maiores avanços nos modelos híbridos e simultaneamente também propostas de
baixa qualidade. Os cursos presenciais cada vez mais se tornarão híbridos e
haverá uma sinergia e integração também os cursos online (os até agora chamados
cursos a distância). Haverá um avanço na personalização (atendimento a demandas
e necessidades diferentes). Todas as disciplinas ou módulos podem ser parcialmente
ou totalmente online, com metodologias ativas, tempos e atividades
assíncronos e síncronos, com grande flexibilidade e adaptação às necessidades
de cada área de conhecimento, dos estudantes e da instituição. O currículo
híbrido será o modelo predominante no Ensino Superior.
Teremos os modelos híbridos mais
básicos, mais roteirizados, com aula invertida, atividades mais previsíveis,
apoio de professores/tutores presenciais e outros modelos mais avançados,
personalizados e colaborativos, com mais escolhas dos estudantes. Nos cursos
online também teremos modelos equivalentes, mais básicos e avançados, com
propostas semelhantes aos híbridos, que permitem que os estudantes possam
combinar os híbridos com os totalmente online, de acordo com suas necessidades
específicas[2].
Predominarão a Aula Invertida, os
modelos híbridos que integram parte do currículo online e parte presencial
(adaptado às necessidades de cada área de conhecimento). Destaco duas dimensões de avanços mais
específicos:
•
Modelos ativos
online. Houve um avanço notável com a pandemia
na percepção de que o online pode ser muito mais híbrido, combinando os modelos
assíncronos, que sempre predominaram com a riqueza de interações que as
plataformas síncronas nos oferecem atualmente. Podemos aprender em qualquer
lugar, a qualquer hora, de forma personalizada e colaborativa, sem a
presencialidade física, para a maior parte das áreas de conhecimento.
•
Modelos flexíveis
profissionais: aulas
presenciais/online + atividades profissionais realizadas em empresas parceiras
das intuições educacionais (modelos híbridos duais). São modelos de grande
tradição em países como a Alemanha e a Dinamarca (entre outros) e que podem
combinar o melhor do híbrido (presencial-online) com a inserção profissional e
que devem crescer bastante no país, seguindo os passos da Uniamérica de Foz de
Iguaçu[3]
Benefícios
e desafios da educação ativa híbrida
A educação híbrida ativa traz importantes
benefícios e desafios para os estudantes, porque eles têm acesso personalizado
aos conteúdos, materiais, pesquisas e desafios a qualquer hora, por qualquer
aparelho e no ritmo desejado. Desenvolvem também maior autonomia pela
possibilidade de escolher percursos mais adaptados às suas necessidades e
expectativas. Ao mesmo tempo desenvolvem as competências comunicacionais e
avaliativas pela riqueza e diversidade de atividades e projetos com diferentes
grupos dentro e fora do espaço escolar, nos espaços presenciais e digitais, em
momentos síncronos e assíncronos.
Pesquisadores como Borup e Walters confirmam
a visão positiva dos estudantes do ensino médio sobre os modelos híbridos em
que puderam interagir e aprender com seus colegas no ambiente virtual. Um dos
benefícios relatados pelos estudantes é o apoio entre eles mesmos para compreender melhor o material e realizar
as atividades, antes de falar com o professor. Outro benefício foi a motivação
dos estudantes através do incentivo mútuo, dando-se apoio, confiança para que
os que se sentiam inseguros, o que os levava a aprimorar seus trabalhos antes
de apresentá-los aos demais colegas e ao professor[4].
Uma outra vantagem relatada pelos
estudantes é a colaboração entre os pares, ajudando-se no desenvolvimento de
projetos, em modelos mais complexos como o virtual aprimorado ou o flex, que
exigem maior participação em todos os momentos, tanto nos de autoestudo como
nos momentos presenciais.
Escolas e IES estão se transformando
também digitalmente. O digital é um ambiente essencial para integrar todas as áreas,
pessoas e serviços e poder oferecer experiências ricas e diferenciadas de
aprendizagem, pesquisa, parcerias. São multiplataformas com inteligência
artificial que integram todos os setores, atividades, participantes, onde tudo
fica visível, fácil de interagir, de prever, de avaliar. Isso abre inúmeras
possibilidades de parcerias, de novos produtos, de novos mercados, atendendo a
todo tipo de pessoas ao longo da vida.
O ensino híbrido traz alguns desafios
para os docentes. Os papéis se ampliam e modificam bastante, porque todo o
processo de ensinar e de aprender é mais flexível e está mais centrado nos
estudantes. Os professores concentram sua energia no desenho de atividades
significativas, (designers) para o desenvolvimento de competências; na curadoria
de materiais significativos; na tutoria e acompanhamento individual, dos
diferentes grupos e da classe nos espaços presenciais e digitais, síncronos e
assíncronos e na ampliação das formas de avaliação dos estudantes. Esse
planejamento é mais complexo se vários docentes desenham, acompanham e avaliam,
juntos, projetos e atividades integradores de diversas áreas de conhecimento
(projetos STEAM, por exemplo). Outro papel docente que ganha cada
vez mais relevância é o de mentor de projetos pessoais, profissionais e de vida
dos estudantes.
Muitos docentes também não se
encontram em condições profissionais ideais para planejar e desenvolver modelos
híbridos interessantes: trabalham em mais de uma escola ou sistema de ensino,
dão muitas classes, tem muitos alunos e isso dificulta sobremaneira a
realização de um bom trabalho. Sem condições objetivas, é heroico pedir que os
docentes sejam inovadores.
Os modelos híbridos precisam ser
planejados levando em consideração a diversidade de condições de acesso muito
diferentes de cada estudante fora da escola. Em muitas instituições
educacionais, os docentes precisam planejar atividades para os que têm acesso
regular ao digital, para os que têm acesso parcial e para os que dificilmente
têm ou não têm acesso ao digital. Isto implica desenhar, a partir do
conhecimento da situação de cada estudante, roteiros que mantenham o essencial:
a aprendizagem ativa em contextos híbridos diferentes para níveis de acesso
diferentes.
O planejamento torna-se mais complexo
porque as condições dos estudantes não são iguais, tanto em acesso como
em domínio pedagógico e digital. O docente planeja o antes (preparação do
estudante, o que cada um consegue avançar), o durante (momentos síncronos:
atividades em grupo e com a classe presenciais e/ou digitais síncronas) e o pós
(aplicação, conclusão, avaliação), atendendo a diversas possibilidades e
realidades. O planejamento é também diversificado, com repertório de
estratégias diferentes e também de aplicativos para cada etapa. O planejamento,
o desenvolvimento e a avaliação são abertos para poder incorporar e dialogar
com as diferenças propostas e situações pessoais, grupais e de classes nos
diversos tipos de encontros, plataformas, redes sociais. Os modelos híbridos
pressupõem um acesso dos estudantes de lugares diferentes. Isto ainda está
longe de ser viável para a maioria, em pouco tempo. São muitos os gargalos
econômicos e tecnológicos. Teremos para uma parte da população realmente
modelos híbridos com ótimas condições de implementação e para a grande maioria,
modelos híbridos deficientes, com pouca interação síncrona e muito mais focados
em atividades assíncronas.
Outros desafios do híbrido: mudar a
cultura tradicional do docente (transmissor) e do aluno (que obedece) para
um modelo ativo mais participativo. É um
processo mais complexo, que exige mais tempo e dedicação ao planejamento ativo
(online-offline), ao acompanhamento personalizado e à avaliação mais
participativa. Outro grande desafio é a precariedade da infraestrutura (acesso,
equipamentos) em muitas escolas e residências e a fragilidade no
desenvolvimento das competências digitais de uma parte dos docentes, discentes
e também das famílias. Essa desigualdade inviabiliza que tenhamos projetos de
educação híbrida em larga escola para a maioria dos estudantes, que são pobres
e não tem condições objetivas de estudar remotamente em casa. Por enquanto os
modelos híbridos contemplam uma parte da população, que tem melhores condições
econômicas, acesso tecnológico e domínio digital mais desenvolvidos.
Num período de crise tão prolongada
vemos que uma parte das instituições, infelizmente, utilizam o híbrido de
uma forma bastante precária e pouco atraente: Desenham um modelo básico, muito
conteudista, com um número excessivo de alunos para cada professor. E também permitem
a entrada de estudantes em qualquer momento do ano letivo, sem o devido
acompanhamento e avaliação.
Muitas escolas se encontram em um
estágio inicial na utilização dos modelos híbridos e das metodologias ativas: só
de forma pontual, isolada, dependendo da iniciativa de alguns docentes e
gestores, sem uma discussão mais institucional. Outras escolas avançam de forma
um pouco mais articulada, com grupos de docentes desenvolvendo projetos
integrados, aula invertida e um maior avanço do uso de plataformas e recursos
digitais no presencial e no online. Um terceiro grupo redesenha a escola de
forma inovadora, onde o híbrido é pensado para apoiar um currículo que é
organizado por projetos e competências, em espaços e tempos flexíveis.
Os modelos ativos híbridos e
totalmente online fazem mais sentido quando são organizados com políticas
públicas sólidas, coerentes e com visão de longo prazo, (o que não vemos
atualmente). Eles fazem mais sentido quando estão planejados institucionalmente
e de forma sistêmica, como componentes importantes de reorganização do
currículo por competências e projetos, de forma flexível, com diversas
combinações de acordo com as necessidades do estudante (personalização),
intenso trabalho ativo em equipes, tutoria/mentoria (projeto de vida) com
suporte de multiplataformas digitais integradas.
Conclusão
Os modelos híbridos com metodologias
ativas estão em um movimento ascendente, com várias combinações e desenhos
didáticos e impactarão profundamente a educação em todos os níveis nos próximos
anos.
Há condições
estruturais que dificultam a mudança e que são essenciais para uma
transformação mais consistente, sistemática na educação do país: políticas
públicas coerentes, integradas e com visão de longo prazo; docentes e gestores
mais valorizados, capacitados, criativos, empreendedores e humanos (entre
tantos outros fatores). Podemos avançar mais
aceleradamente no redesenho de projetos educacionais que sejam flexíveis, de
qualidade, de custo menor e de resultados mais rápidos e ágeis. As escolas
(básicas e superiores) precisam trabalhar em dois planos, o de curto e o de
médio prazo. Há mudanças que são mais facilmente implementáveis em um ou dois
anos, enquanto outras precisam ser cuidadosamente preparadas para serem
bem-sucedidas, evitando possíveis retrocessos e reviravoltas. Ao mesmo tempo
que fazemos as mudanças possíveis agora, neste período de transição, é
importante definir um projeto estratégico de transformação no médio prazo das
escolas e instituições de ensino superior para que realmente sejam modernas,
atraentes, envolvente e relevantes nos próximos anos.
A educação híbrida, ativa,
personalizada, flexível e colaborativa traz novas possibilidades de contribuir
para transformar a forma de ensinar e de aprender. É um processo complexo,
ainda desigual, com inúmeras contradições estruturais e conjunturais, mas
extremamente importante para que cada um consiga avançar no seu ritmo e para
que todos aprendam juntos, em todos os espaços, tempos e de múltiplas maneiras.
É um caminho sem volta e que tende se aprofundar em todos os níveis de ensino
de agora em diante e nos traz imensas oportunidades de avançar para termos uma
educação mais humana, criativa, de qualidade, para todos.
Para
saber mais:
ALEXANDER,
Beth. Hybrid Learning Model. The Linden School. https://bit.ly/39ylxd4
BACICH, Lilian; TANZI
NETO, Adolfo; TREVISANI, Fernando de Mello (org). Ensino Híbrido: personalização e Tecnologia na Educação. Porto
Alegre: Penso, 2015.
BORUP,
Jered; WALTERS, Shea; CALL-CUMMINGS, Meagan. Student Perceptions of Their
Interactions with Peers at a Cyber Charter High School. Online Learning, v. 24, n. 2, p.
207-224, 2020.
HORN, M. & STAKER, H. Blended: usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação. Porto Alegre: Penso, 2015
Integración de Flipped learning en un modelo semipresencial universitario - https://www.theflippedclassroom.es/integracion-de-flipped-learning-en-un-modelo-semipresencial-universitario/
SPENCER, John - 5 Models for Making the Most Out of Hybrid Learning –http://www.spencerauthor.com/5-hybrid-models/
TEACHTHOUGHT
STAFF - 12 Of The Most Common Types
Of Blended Learning - https://www.teachthought.com/learning/12-types-of-blended-learning/
[1]
Ensino híbrido: uma inovação disruptiva? https://www.christenseninstitute.org/publications/ensino-hibrido/
[2] Em
algumas universidades espanholas, como a da Rioja, cada disciplina no modelo
híbrido está organizada em três tipos de atividades: aulas presenciais no
campus, sessões on-line assíncronas e sessões on-line síncronas. As sessões
on-line assíncronas focam mais o conteúdo, as aulas presenciais mais os
projetos e práticas e as sessões on-line síncronas servem para integrar a teoria
e a prática. Esse modelo pode servir de ponto de partida para adaptá-lo à
realidade de cada instituição, principalmente superior. https://www.theflippedclassroom.es/integracion-de-flipped-learning-en-un-modelo-semipresencial-universitario/
[3] A Uniamérica estava preparada para a pandemia. O segredo? Ensino híbrido. https://desafiosdaeducacao.grupoa.com.br/uniamerica-ensino-hibrido-pandemia/
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