A culpa não é do online

Contradições na educação evidenciadas pela crise atual
José Moran
Educador e designer de ecossistemas inovadores na Educação

Tenho participado de discussões e ouvido críticas ao ambiente online como espaço inadequado para ensinar e aprender. Muitos professores estão estressados e muitos estudantes continuam insatisfeitos. Há uma nostalgia – em muitos - pela volta para o espaço seguro da sala de aula que garante a aprendizagem plena, enquanto que online seria um espaço precário, incompleto, provisório.

O problema não está em aprendermos ou não em plataformas online. O que está revelando este período é que a maior parte das escolas vem ensinando de uma forma inadequada, muito conteudista, dependente do professor, com pouco envolvimento, participação e criatividade dos estudantes.

O problema não está no online; está na falta de autonomia na formação de cada estudante, na deficiência de domínio das competências básicas (saber pesquisar, analisar, avaliar...) e também na gestão paternalística das aulas, da forma de ensinar: Tudo é dado pronto, como receita fechada, prato feito, com pouca autonomia, participação e envolvimento dos aprendizes.

O online não é solução nem problema, é um ambiente que permite tanto a transmissão como a experimentação, com algumas adaptações. Escolas e universidades que estimulam o protagonismo do aluno, que trabalham com desafios se adaptaram rapidamente ao online, incentivando o aluno-pesquisador, a personalização, atividades em grupo. Mas professores que privilegiam a transmissão de conteúdo, tornam o processo cansativo, insuportável e pouco produtivo para todos.  

O problema não está no online, está em privilegiar a transmissão de informações longas, quando é possível combinar informações curtas, atraentes com desafios, projetos, criatividade.  Escolas e docentes que vinham trabalhando com desafios, experimentação e projetos no presencial tem encontrado plataformas e aplicativos digitais que combinam os itinerários pessoais (com flexibilidade de tempos e escolhas), as atividades diversificadas em grupo e as de compartilhamento síncrono entre todos.

Encontramos também problemas no online. Os laboratórios virtuais 3-D e com realidade aumentada trazem soluções muito poderosas para simulação, imersão, aprendizagem compartilhada a distância, a um custo baixo, mas que precisam ser complementadas com experimentações de campo, com contato físico em muitos campos profissionais para uma efetiva calibração do desenvolvimento de cada um.  Não basta realizar somente exercícios em simuladores de voos; o estudante precisa também de voos reais com instrutores.

Por outro lado, este período longo de ida forçada para o digital revelou que podemos aprender e ensinar de forma muito ativa, diversificada, personalizada, misturada.  As crianças precisam conviver juntas, com tutoria próxima. Mas quem já tem um domínio básico da língua, da escrita, da linguagem dos números e computacional pode aprender com um design curricular mais flexível, híbrido, personalizado, que equilibre as diversas formas de presença física e digital;  espaços, tempos e múltiplas formas de aprender e de avaliação para desenvolver as competências necessárias hoje como autonomia, colaboração, resiliência e criatividade.

Este período escancarou também a extrema desigualdade de acesso ao digital nas escolas e residências e de condições de estudo e pesquisa para os mais pobres. Reforçou a necessidade de termos uma política pública que agilize a infraestrutura digital nas escolas, a formação docente em competências digitais e que o acesso individual e familiar à Internet seja considerado um direito fundamental do século XXI como ter água, esgoto e energia. Ensinar e aprender hoje sem o digital é privar os estudantes de oportunidades ricas para vivenciar dimensões importantes para sua vida pessoal, profissional e social.

É urgente agora o compartilhamento e análise de como integrar todos os ambientes, estratégias de ensino e aprendizagem de forma otimizada em cada etapa da aprendizagem e de acordo com as necessidades de cada um, de cada escola, região. O digital não é uma panaceia, mas um componente fundamental da vida moderna, que afeta todas as dimensões da nossa existência (trabalho remoto, compras online, inserção em redes e comunidades de interesse e de práticas...).

A partir de agora os modelos híbridos se tornarão muito mais fortes, com maior integração entre a presença física e a digital, momentos síncronos e assíncronos. Precisamos ampliar a discussão e divulgação das formas de visibilizar a aprendizagem também nos espaços digitais, com as possibilidades que as plataformas oferecem - principalmente os e-portfólios- de registro, compartilhamento, observação da avaliação de cada estudante, avaliação entre pares e autoavaliação. A inteligência artificial começa a contribuir para conhecer as características de como cada estudante aprende, ajudar no desenho de itinerários formativos e sugerir alternativas personalizadas

São muitos os desafios na educação, em ambientes presenciais e digitais, num cenário tão complexo e carregado de incertezas.  É prioritário dar ênfase e vivenciar valores humanos fundamentais.  Educadores, gestores, estudantes e famílias precisam insistir em construir relações inclusivas, de afeto, de conhecimento, abertas ao diálogo, a partir de questões reais, de experimentação, pesquisa, de projetos socialmente relevantes onde os estudantes sejam protagonistas e utilizem todos os meios e tecnologias possíveis.

Temos que rever o currículo neste período, com maior autonomia docente e intenso compartilhamento de experiências, dificuldades, formas de engajar os estudantes através das diversas plataformas e aplicativos digitais, mas também da criatividade em chegar aos mais carentes com roteiros ativos e criativos impressos, sonoros e audiovisuais adequados para cada necessidade.

Num horizonte de crises em todos os campos, que tendem a se agravar, é de capital importância que educadores e gestores sejam os impulsionadores da esperança, de valores humanos, de caminhos que inspirem projetos relevantes. Todo o conteúdo precisa ser relevante, ligado à vida, trabalhado em relação estreita com atividades criativas e empreendedoras. Vai ficando cada vez mais evidente que podemos aprender de múltiplas formas, em todos os espaços e em tempos diferentes.

Precisamos avançar rapidamente no redesenho de projetos educacionais que sejam flexíveis, de qualidade, de custo menor e de resultados mais rápidos e ágeis. Ao mesmo tempo que fazemos as mudanças possíveis agora, neste período de transição, é importante definir um projeto estratégico de transformação no médio prazo das escolas e instituições de ensino superior para que realmente sejam modernas, atraentes, envolvente e relevantes nos próximos anos.

PS. Estes temas serão debatidos e aprofundados por mim no Seminário Online sobre Como acelerar as transformações na Educação com quatro encontros em julho. Mais informações em:

Comentários

Enilton disse…
Lendo esta excelente reflexão do Moran, fico aqui me perguntando: o que estávamos fazendo nos últimos 10 anos antes da pandemia?

Por que pontos e contrapontos destacados neste texto ainda incomodam a maioria dos professores e alunos brasileiros?

Será que a fragilidade das práticas educacionais vigentes escancarada pela pandemia servirá como última oportunidade de mudança drástica na concepção curricular e na formação de pessoas para um novo começar de uma ação docente “emergente”?

Estamos diante de uma ruptura ou de mais uma interrupção para otimizar o acentuado modelo de acomodação que se instalou há décadas no ensino básico e no superior?

Se “a culpa não é do online”

“O problema não está no online; está na falta de autonomia na formação de cada estudante, na deficiência de domínio das competências básicas (saber pesquisar, analisar, avaliar...) e também na gestão paternalística das aulas, da forma de ensinar: Tudo é dado pronto, como receita fechada, prato feito, com pouca autonomia, participação e envolvimento dos aprendizes.”

Por onde começar?

Pela urgente revisão curricular de formação de professores, pedagogos e da licenciatura?

Pela qualificação de professores e gestores no campo da interpretação de indicadores de ensino e aprendizagem e da ação docente para a convivência harmônica na aprendizagem e na gestão personalizadas (diferente da gestão individualista acadêmica)?

Pela introdução de políticas de e-governança, no plano estratégico de IES e de escolas do ensino básico, baseadas em analytics de dados, com atenção especial para tendências, desvios e alertas sobre questões de ordem socioeconômicas, humanistas e de gestão de conflitos provocados pela educação híbrido-inovadora?

Enfim, resta-nos refletir sobre este status quo ou transformá-lo para sobrevivermos ao que vem por aí depois da pandemia?

Linkedin: https://www.linkedin.com/in/eniltonfrocha/
José Moran disse…
Caro Enilton: Muito pertinentes seus comentários, que complementam e ampliam minhas reflexões. Muito obrigado. Abraço. Moran.
Edison disse…
Professor, gostaria de contrata-lo para uma palestra. Gentileza entrar em contato, obrigado. edison.scorciapino@light360.com.br ou (11) 96323-9490
José Moran disse…
Obrigado, Edison pelo interesse. Entro em contato. Abraço. Moran
Unknown disse…
Assunto muito importante para todos
Unknown disse…
excelente matéria!
Unknown disse…
Excelente reflexão!
Unknown disse…
Muito boa leitura e reflexão. Muito para pensar e rever em nossas aulas e com as famílias envolvidas. Não é uma missão fácil e não depende somente do professor.
Diversidade.com disse…
Temos muito que refletir. Muitas mudanças e adaptações do currículo. Escola, alunos e família.
Unknown disse…
Tema muito importante para nós professores.
Unknown disse…
Excelente reflexão!
Luciana Kessler disse…
Ótima reflexão!
Este assunto é muito importante neste momento difícil.
Obrigada
sara disse…
Boa reflexão !!!!
Ana disse…
Realmente é bem interessante esse tema. Todos nos encontramos com certas dificuldades, mas também devemos saber que é importante nós termos essas ferramentas a nosso favor. Deve se procurar tirar suas dúvidas e buscar aprender cada vez mais sobre esse tema.
Unknown disse…
O tema é extremamente relevante quanto a necessidade de todos docentes se atualizarem para um novo modelo as atualizações tenologicas
Unknown disse…
Muito bom!! Ótima reflexão!!
Unknown disse…
Boa reflexão. Porém fomos pegos de surpresa. Não estávamos preparados mas vamos lá.
Unknown disse…
Ótima reflexão!
Unknown disse…
realmente são muitos os desafios da educação,texto muito bom, reflexivo. Temos dificuldades mas não podemos desistir.
Texto reflexivo, muito bom. Temos muitos desafios na educação, mas senão tivermos uma política pública seria, comprometida realmente com a educação, as desigualdades sociais e tecnológicas dos alunos e professores irá se acirrar muito mais
Isabel Iserhard disse…
Excelente reflexão. O caminho da educação é este. Precisamos reformular as nossas didáticas. E o estudante precisa aprender a estudar de outra forma. Sabendo pesquisar, avaliar, discernir o que é necessário a ele. Estamos em transformação.
Muito bom! Ótima reflexão!
Unknown disse…
Excelente reflexão. É importante que todos os docente se atualizem com relação a essas novas tecnologias.
Uma reflexão que nos leva a mudar de paradigmas.
Unknown disse…
Eu penso que nosso aluno lia e lê pouco, então agora será um bom treino para a leitura.Tambem penso que a maioria dos profissionais da educação subestimam o aprender Penso que deveria fazer com que o aluno precisasse viajar mais nos conteúdos. Tudo não pode, tudo tem que ser só sobre estritamente o que tu passou naquele trimestres. Não concordo, tem que ser abrangente...
Valana Severo disse…
Realmente temos que estar sempre refletindo e verificando nosso fazer pedagógico. Tornarmos nossas aulas mais interessantes e produtivas. Todos devem fazer a sua parte , professores e alunos. Porque para aprender e ensinar é preciso querer , estar motivado.
Muito interessante o texto:A culpa não é do online, de José Moram. São levantados vários pontos que merecem ser destacados. Um dos casos é como a Escola ensina. Isto acontece de forma inadequada, muito conteudista dependente do professor. Realmente percebo pouco envolvimento e participação do aluno.
Aulas online são um desafio para vencermos!! A busca de novas ferramentas digitais para o apoio pedagógica é fundamental para que as aulas alcancem seu objetivo que é o aprendizado.
Unknown disse…
Tema muito pertinente.
Unknown disse…
Ótima reflexão.
Gleni disse…
Muito bom o texto.
A busca de conhecimento é a base de um bom professor e as novas tecnologias irão promover uma revolução na educação. O tempo é agora!
´Boa reflexão! O professor trabalhando ONLINE proporciona ao estudante autonomia e desenvolve as competências básicas: SABER, PESQUISAR, ANALISAR e AVALIAR.
Denise Baierle disse…
Gostei muito do artigo, reitera o fato de que a atual situação trouxe à tona "velhos problemas" da nossa "velha educação". Além do fato de que "estar online" muitas vezes gera uma ideia de estar conectado a informação, fato que não torna as pessoas mais inteligentes ou conscientes da realidade.
Unknown disse…
Tema ótimo. muito bom.
Unknown disse…
A tecnologia está sendo usada na educação, o que nos traz muitos desafios. Concordo com a não equidade, estamos com grande dificuldade neste importante ponto. Qualidade na preparação do presente e futuro dentro de estratégias e planos onde o aluno seja o protagonista do ensino. A conscientização de professores e sociedade está muito aquém do esperado. É necessário a formação dos professores, pois entre nós, também há desigualdade de conhecimentos tecnológicos, a atenção à individualidade de cada aluno evitando o aumento da desigualdade, também se faz necessária. É um momento que não conhecíamos. Tornou-se uma época de aprendizagem diária.
Boa reflexão, tema pertinente.
Unknown disse…
Muito boa a reflexão. Todos os docentes devem se atualizar, através de leituras.
ANA CLÉIA disse…
Realmente!!Muito boa reflexão
Adriana disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Adriana disse…
A leitura é fundamental na nossa vida.Trabalhando online com os alunos estamos disponibilizando diferentes leituras.
CLARI MATTES disse…
Muito boa reflexão! Estamos nos redescobrindo com a leitura e a situação!
Penso ser de fundamental importância uma metodologia inovadora que atenda as diferentes realidades mas, que também seja adequada ao acesso tecnológico disponível que os estudantes possuem.
Excelente reflexão, muito importante que todos nós educadores estejamos atualizados, atendendo as necessidades do momento tão diferente que estamos vivendo.
Muito boa essa reflexão!
Mari disse…
Ótimo tema para reflexão.
Unknown disse…
Texto reflexivo para o momento que estamos vivenciando
Delzia disse…
Muito interessante.Precisamos aprender usar corretamente as tecnologias digitais para oferecer ao aluno uma aula interessante e significativa pra ele.
RSS disse…
No caso, estou tendo acesso a esse texto, através de uma formação online disponibilizada aos professores, exatamente após seis meses de exaustivo trabalho a distância com os alunos de Ensino Fundamental, em uma Escola situada em uma Vila ,com recursos bem limitados. Reconheço que tem muita verdade no texto e que sim, falta bastante para as Escolas se apropriarem das tecnologias. No entanto, senti falta do reconhecimento ao PROFESSOR, seja de qual for a instituição ou esfera de ensino; todos, sem distinção, foram pegos de surpresa e estão fazendo o possível para manter o aluno com vínculo com a Escola, para resgatá-lo todos os dias, com ou sem acesso à internet . Valeu a reflexão, eu uso as ferramentas digitais, o online não é o problema, mas a falta de acesso a ele é sim. No entanto, os professores estão se reinventando e provando uma inesgotável capacidade.
Luciane Leal disse…
Excelente abordagem para um momento único no qual estamos vivendo. A adaptação educacional não pode ser rotulada como "educação a distância", apenas uma remontagem do presencial para o online. Penso que as mudanças devem começar na formação do corpo docente para uma nova educação hibrida.
Abraços
ótima reflexão! Valei muito a leitura.
Unknown disse…
Uma consistente reflexão que colabora com a qualificação de nossas ações docentes cotidianas.
Unknown disse…
Momentos de grandes mudanças forçadas devido a pandemia,porém necessárias.
Desculpa a pergunta. Quero citar esse texto, como faço em relação a página? Como fica no corpo do texto e como fica nas referências?
Unknown disse…
Um dos grandes problemas evidenciados com a pandemia é: Nós professores somos cobrados por todos os lados a darmos soluções à educação, mas onde ficam a família, o poder público (que agora nos coloca um novo ensino médio), a educação está politizada, não importa se os estudantes vão aprender, mas se vão tirar boas notas em programas reguladores, aos quais estão ligados os captadores financeiros.
A "educação" está ligado a captação financeira e não ao aprender, ao saber.

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