O poder transformador dos docentes inspiradores


das Pessoas, das Escolas e Universidades


Há pessoas que nos inspiram. Esta é uma situação vivida, que me marcou muitos anos atrás. 
Em uma reunião de professores de um colégio importante do Paraná estávamos discutindo, numa roda de conversa, os desafios de ensinar a jovens no Ensino Médio. A maior parte dos professores fez sérias críticas aos seus alunos: chegavam mal preparados, eram mimados pelos pais (sem limites), desinteressados, sempre distraídos nos jogos e nas conversas. A professora de Português, da mesa escola, contou que ela adorava esses mesmos alunos e que era extremamente gratificante trabalhar com eles. Perguntei o que ela fazia para conseguir trabalhar com os estudantes de uma forma tão fácil e gratificante, quando, para muitos dos seus colegas, ensinar era tão complicado.  Ela falou de várias estratégias que utilizava, de uma forma simples e eficiente.
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 1.A primeira “estratégia” é interessar-se, gostar e conhecer os estudantes. Ela pensava neles com afeto antes de começar o curso, criava expectativas positivas sobre eles e sobre o que aconteceria no semestre, enquanto planejava as aulas. Estudava o histórico de cada aluno e dedicava as primeiras aulas a aprofundar o conhecimento de cada um: quais eram seus sonhos, o que sabiam fazer melhor, como ocupavam o tempo livre.  Acolhia os alunos na entrada, cumprimentando-os um a um.  Isso criava uma relação de cumplicidade, de confiança e de aceitação dos alunos pela professora. Ela tinha se interessado por eles, conversava sobre a vida deles. Esse mapeamento ajudava a adaptar o planejamento à realidade dos alunos, às necessidades concretas deles, à diversidade de tempos de aprendizagem.

  1. 2. A segunda estratégia é surpreendê-los, diversificando as técnicas, a forma de trabalhar com os alunos. Evitava a rotina. A professora tinha um bom repertório de metodologias ativas, de técnicas para trabalhar com eles. A diversidade é fundamental para manter a curiosidade, o interesse, atender a alunos diferentes.

3. A terceira estratégia é saber negociar. A professora compartilhava o planejamento, o que ela tinha pensado para eles, principalmente os grandes projetos, que eram explicados, e postos em discussão para que os estudantes dessem suas sugestões e contribuições. Essa negociação era importante para que os estudantes se sentissem coautores das atividades, dos projetos, da avaliação. Os alunos se envolviam mais, a partir de então, nas aulas, nas pesquisas, nas produções.

  1. 4A quarta estratégia é a de valorizar as produções dos estudantes. Os projetos eram apresentados pelos alunos, de forma criativa, muitas vezes, trazendo outros colegas para assistir e também as famílias. Os alunos se sentiam valorizados, tinham que mostrar diversas competências (pesquisa, colaboração, comunicação em público...).

O que mais me chamou a atenção é que são estratégias simples, que fazem todo o sentido e que conseguem criar um clima de confiança, de participação e de intensa colaboração. Para mim foi uma revelação do poder transformador que um bom profissional consegue com estratégias adequadas, adaptadas à sua personalidade, no meio de alunos que trazem dificuldades de anos anteriores, que têm alguns problemas de educação familiar. Nada disso impede de propor estratégias que conseguem modificar um quadro, que outros docentes consideravam difícil de transpor.

Também me impressionou que são estratégias viáveis e que podem ser aplicadas sempre, porque não dependem de grandes projetos institucionais. É ótimo estar em um time alinhado, em que todos colaboram, trabalham juntos, planejam e avaliam juntos. Mas o que este exemplo mostra é que todos podemos fazer um trabalho muito inspirador se somos bons profissionais, dominamos algumas estratégias e temos competências humanas bem desenvolvidas como as de saber acolher, negociar, compartilhar.

Tenho encontrado nas minhas diferentes atividades com docentes da educação básica e superior muitos exemplos de educadores que fazem um trabalho magnífico, aprendendo a cada semestre, desenvolvendo projetos diferentes, utilizando diversas estratégias (com mais ou menos tecnologias), envolvimento da comunidade. Ao mesmo tempo, vejo nos mesmos lugares, colegas se desgastam, lutando para se impor, para conseguir a atenção dos alunos, e terminam as aulas esgotados, desanimados porque não conseguem essa mesma adesão, a não ser pela força, pelas cobranças, pelas ameaças ou pelas notas. Os professores inspiradores enfrentam as dificuldades como oportunidades e procuram caminhos para entender os alunos, comunicar-se com eles, chegar a acordos possíveis e valorizar o que eles produzem. São caminhos simples, que mostram uma grande maturidade emocional e competência intelectual e emocional para tornar-se docentes queridos, inspiradores, realizados.

Sabemos que as soluções na educação precisam ser mais estruturais e com políticas de valorização, formação e envolvimento de todos. Não podemos depender só das soluções individuais.  Mas esses docentes, que ganham o mesmo que seus colegas e que têm os mesmos motivos para reclamar das condições profissionais, decidiram fazer o melhor possível nas condições em que se encontram para conseguir comunicar-se com os estudantes, fazer parcerias com alguns colegas mais interessados, envolver as famílias, experimentar os caminhos mais viáveis e assim conseguir bons resultados. São queridos pelos alunos e sentem que sua dedicação é recompensada pelo envolvimento deles, pelas contribuições que os aprendizes trazem e pela alegria de perceber que o trabalho está sendo inspirador para muitos. São professores inspiradores para todos os demais. Mostram que todos podemos transformar-nos como docentes e como pessoas, mudando nossa atitude, experimentando alguns caminhos viáveis que passam pelo acolhimento, pelo afeto, pelas metodologias ativas e pela arte da negociação e pelo compartilhamento.

Texto disponível no meu blog da USP: http://www2.eca.usp.br/moran/wp-content/uploads/2013/12/poder.pdf

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