Minhas transformações como docente


José Moran
Professor da USP e Pesquisador de processos de transformação da Educação, 
especialmente com Metodologias Ativas, Modelos Híbridos, Tecnologias digitais, Aprendizagem visível, Projeto de Vida e Mentoria- Blog Educação Transformadora


Fui um bom aluno, em escolas convencionais: Estudei bastante, fazia o que os professores pediam; era obediente. Fui também um professor convencional durante mais de 15 anos. Fui encontrando meu estilo de docência, seguindo os exemplos que tive, que viraram fórmulas, repetições, rotinas. As fórmulas facilitaram a vida, mas trouxeram monotonia, cansaço e desgaste. Com o tempo a insatisfação foi mais visível em algumas turmas. As aulas não empolgavam e minha frustração chegou a um nível insuportável. Ensinar virou um suplício.

Há quarenta anos, crianças do nono ano de um Colégio, onde lecionava Análise de Mídias, me desafiaram: “Por que a gente não parte logo para a prática? Queremos fazer um jornal, fazer teatro, um audiovisual”. Cedi a contragosto. Vi logo a empolgação deles, como se organizaram em grupos com propostas concretas. Umas aulas eram dedicadas a planejar, desenvolver e apresentar os projetos práticos e outras a leitura, análise de outras experiências. Percebi que a motivação aumentou e que os resultados foram melhores.

Meus mestres sempre ensinavam primeiro a teoria e depois a prática. Foram as crianças que me mostraram que eles funcionavam melhor ao contrário. Mostraram que a prática os motivava, e que fazia mais sentido trazer depois leituras e realizar análises mais amplas, a partir da experimentação.

Aprendi que negociar os projetos era muito melhor que trazê-los prontos (tanto na educação básica como superior). Apresentava minhas propostas e eles davam sugestões, faziam novas propostas e, depois de chegarmos a acordos, os estudantes se sentiam mais envolvidos nas aulas. Fui evoluindo de um planejamento fechado, previsível para um planejamento mais aberto e compartilhado. Enquanto desenhavam seus projetos, começávamos pelos materiais mais simples – mais ligados ao cotidiano - e depois, os mais complexos ou teóricos. Isso fez muito mais sentido para eles.

Aprendi também a perceber a importância do meu papel de orientador e mentor. Primeiro na orientação dos projetos, depois em ajudar os alunos a irem além dos resultados. Nas apresentações fazia perguntas, como “O que vocês aprenderam”, “O que fariam diferente, se começassem agora o projeto” e isso tornava mais visível todo o processo e os estimulava a pensar de pontos de vista diferentes. Nem sempre os estudantes apreciavam as perguntas, depois das apresentações dos projetos, porque as interpretavam, às vezes, como críticas. Mas aí percebi que eu meu papel não era só aplaudir o resultado dos projetos, mas ajudá-los a ampliar a visão de outros caminhos possíveis e a tornar a aprendizagem mais visível, algo que hoje se enfatiza tanto.

O psicólogo Carl Rogers foi sempre uma grande inspiração para mim. Ele defendia que só educamos em clima de confiança e autonomia. Demorei para conseguir realizar isso como docente. Alguns fracassos e insatisfações com turmas mais difíceis no ensino superior me levaram a tentar mudar a aproximação dos alunos, a perguntar mais, a dialogar, a estimular a participação: tudo que nos parece evidente, depois que conseguirmos realizá-lo. Mas demorei para sentir-me seguro em confiar mais nos alunos. Esse foi, para mim, a maior aprendizagem que tive: sair da zona de conforto do previsível para a experimentação, do monólogo para o diálogo, do planejamento fechado para o aberto.

Rogers também me ensinou a importância da aprendizagem com propósito, ao longo da vida. Quando ele estava com mais de oitenta anos e próximo da sua morte, escreveu: “estou envelhecendo, aprendendo, revendo meus conceitos”. Ali percebi a importância de fazer da vida meu projeto de aprendizagem mais importante, que continua atual na etapa de envelhecimento em que me encontro. Daí veio o interesse pelos estudos sobre o Projeto de Vida, hoje tão em voga. 

A essa base humanista, acrescentei as possibilidades tecnológicas possíveis. Primeiro o uso de vídeos, mais tarde a Internet. Descobri a internet em 1988 na USP. Um ano antes tinha defendido meu doutorado, feito em máquina de escrever. A Internet – mesmo no modo texto, sem imagens nem sons – causou-me um impacto extraordinário. De um lado participei de grupos de estudo e pesquisa sobre essas novas tecnologias que estavam surgindo (e que me levaram a participar do Projeto Escola do Futuro) e, de outro, tentei ver na minha prática docente como utilizar essas tecnologias para promover uma aprendizagem mais motivadora e inovadora.

As tecnologias ampliaram os espaços da sala de aula e me fizeram ver que o mundo é um espaço rico para aprender e ensinar. Comecei os novos temas com pesquisa em tempo real no laboratório com os alunos. Filtrávamos as melhores referências e as estudávamos ao longo de uma semana (aula invertida). Ficavam disponíveis numa página (que hoje é meu blog da USP) e voltávamos para a sala de aula presencial para compartilhar nossas aprendizagens, questões, dúvidas. A síntese da aula também ficava disponível na página web. A combinação de laboratório, ambiente virtual e presencial me levou a dar mais um passo que foi o híbrido, o blended. Liberei os alunos de pós-graduação de algumas aulas presenciais e alternávamos pesquisa online, estudo prévio com os encontros presenciais de aprofundamento. Vi que o híbrido fazia sentido. Gerenciei alguns projetos híbridos (vinte por cento online) e cursos a distância.

Experimentei também na fase mais madura da docência, oferecer mais de uma alternativa de seguir “as aulas” na graduação. Queria que os alunos pudessem realizar escolhas e vir às aulas presenciais não pela presença, mas porque valia a pena. Os alunos podiam escolher fazer atividades personalizadas sem assistir aulas (apresentação de um plano feito a quatro mãos) ou participar regularmente das aulas no formato híbrido. A maioria continuou as aulas presencialmente, e isso me obrigou a ser interessante, a elaborar propostas que fizessem sentido para eles, porque a presença não era obrigatória (eles tinham outras opções).

Fui aprendendo, aos poucos, a ser um docente mais ativo, apesar de ter tido uma formação passiva, na qual ser bom aluno era obedecer. Comecei pela escuta, acolhimento, diálogo, fazendo negociações até chegar a consensos. Depois desenvolvi algumas técnicas de participação, com o apoio das tecnologias disponíveis. Aprendi, aos poucos, a sair do planejamento fechado para um planejamento mais aberto e participativo; a sair do espaço físico da sala de aula e a integrá-la com outros espaços, principalmente os digitais.

Foi um processo demorado, complexo e contraditório, mas muito realizador, porque me tornou uma pessoa mais aberta, atenta à inovação e à experimentação.  Percebi há bastantes anos, que fazia sentido ensinar e aprender de forma menos fechada, mais participativa, flexível, personalizada e colaborativa.  Aprendi as metodologias vendo que funcionavam com os estudantes. 

Em paralelo aprendi também com muitos educadores – Dewey, Freinet, Rogers, Vigotsky, Ausubel, Montessori, Papert e tantos outros – que me serviram como alicerces e guias neste processo tão desafiador como é a arte de aprender a ensinar crianças e jovens tão diferentes num mundo em profunda transformação. 

Agora busco ajudar docentes e gestores a mudar seu mindset e aprofundar de forma sistêmica as formas de ensinar ativamente, desenhando novos ecossistemas educacionais mais compartilhados, caminhando para modelos de comunidades de aprendizagem.

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