Como transformar nossas escolas
Novas formas de ensinar a alunos sempre conectados
José Moran*
Pagamos um alto preço social pela educação deficiente
Pagamos um preço muito alto como sociedade por uma
educação deficiente: milhões de pessoas não desenvolvem suas competências
básicas, sua autonomia, vivem vidas pouco produtivas e realizadoras. A educação
demorou a chegar aos mais pobres e ainda é frágil para a maioria nas questões
mais importantes: poucos sabem interpretar textos complexos, fazer contas,
pensar pela pr cabeça, ir além do que veem na televisão. Temos uma dívida
social de séculos de pouca preocupação com a aprendizagem de qualidade da maior
parte da população.
A educação de qualidade, além de ensinar a pensar,
pode ensinar a viver. Em muitos casos, a escola não está conseguindo ajudar a
pensar críti-
* Doutor em Comunicação pela
USP, professor de Novas Tecnologias na mesma universidade e um dos fundadores
do Projeto Escola do Futuro. É mentor de cursos e projetos híbridos e online
sobre novas metodologias com tecnologias digitais. Publicado no livro Educação 3.0: Novas perspectivas para o
Ensino. CARVALHO, M. (Org). Porto Alegre, Sinepe/RS/Unisinos, 2017
ca e autonomamente; muito menos a
preparar pessoas criativas, empreendedoras e livres. Ela precisa mudar para
encantar e abrir os horizontes de crianças e jovens, a fim de que evoluam
sempre, transformem suas vidas e a sociedade em que vivem.
Trata-se de um trabalho complexo, demorado em um país
imenso. É urgente mudar nosso modelo de ensino, muito focado em conteúdos
prontos, separados, memorizados, e centrar-nos mais no projeto de vida dos
alunos, em seu desenvolvimento cognitivo e socioemocional, na vivência de
valores importantes: saber conviver com as diferenças, aprender sozinhos e em
grupos, e mostrar com projetos, pesquisas e atividades o quanto estão
conseguindo aprender em cada momento.
Muitas escolas conseguem fazer um trabalho digno:
valorizam os estudantes, acolhem-nos, não os deixam para trás. Boas escolas
estabelecem patamares altos de exigência de resultados e cuidam de que todos
aprendam, mesmo que em ritmos diferentes. Muitas outras escolas, no entanto,
com recursos e condições semelhantes, falham no essencial: ensinam de forma
burocrática, desestimulante, ultrapassada.
Sabe-se que temos problemas estruturais graves de
formação, remuneração, infraestrutura, base comum, gestão; mas o problema
essencial é humano: carência de gestores e docentes competentes que conversem
entre si, ajudem-se, apoiem e façam o possível para motivar os alunos e
ajudá-los a crescer e evoluir em todos os momentos.
Escolas medíocres comprometem o futuro de milhares de
crianças, jovens e adultos. Crianças que aprendem de forma autônoma e
colaborativa têm muito mais chance de enfrentar os desafios de cada etapa da
vida, de aprender por sua própria conta, de empreender. Estamos vivendo um
período muito complexo e desafiador, que exigirá realizar mudanças profundas na
forma de ensinar, de aprender e de empreender de todas as organizações e
pessoas.
Professores, gestores e pais precisamos sentar-nos
mais juntos, chegar a acordos nos nossos papéis educativos, compartilhar nossas
responsabilidades mútuas e dar-nos apoio incondicional para conseguir o
objetivo principal: que nossos estudantes aprendam de verdade e se transformem
em pessoas interessantes, produtivas e realizadas.
O cenário mudou profundamente
Nos últimos anos, o cenário se transformou
profundamente. O smartphone é onde
tudo acontece. O tempo todo olhamos para sua tela, teclamos, pesquisamos,
compartilhamos, jogamos, compramos, rimos, nos relacionamos e aprendemos. É o
aparelho que carregamos para todos os lugares, nosso companheiro inseparável, a
pequena tela que aumenta, que integra milhares de aplicativos e soluções antes
soltas. Os assistentes pessoais dialogam com as pessoas, aprendem com elas,
propõem soluções cada vez mais personalizadas e produtivas.
O mundo mudou, e está mudando de forma bastante
imprevisível. A inteligência artificial avança em todos os dispositivos, os
objetos do cotidiano se conectam à rede, a realidade aumentada invade o dia a
dia, os robôs começam a ter inteligência para trabalhar em áreas criativas,
antes próprias só dos humanos. Há robôs ou aplicativos que escrevem histórias,
que desenham novos edifícios, que se adaptam a cada aluno e lhes ensinam
línguas.
O mundo da co-criação, do coworking, da economia criativa, do design colaborativo, da cultura maker,
comprova a força da colaboração, do compartilhamento, da sinergia para
descobrir novas soluções, processos, produtos, organizações. As sociedades mais
dinâmicas são as que incentivam a colaboração, o empreendedorismo e a
criatividade.[1]
No Brasil estamos ainda bastante fechados, guardando
uma atitude defensiva em relação às consequências de um mundo de aprendizagem
sem fronteiras. Exigimos revalidar qualquer certificado feito no exterior por
uma universidade brasileira que, em geral, está mais atrasada na pesquisa de
ponta. Apesar do desemprego alto, ainda temos mão de obra intensiva em muitas
atividades econômicas do cotidiano que outros países enxugaram drasticamente.
Nossos postos de abastecimento de cobustível possuem dezenas de funcionários,
em contraponto aos postos automatizados, com um só funcionário ou mesmo nenhum,
adotados em muitos países. Nossos supermercados possuem nos seus caixas dezenas
de funcionários para pagar e embalar nossas compras, contra um ou dois nas
lojas mais automatizadas fora. E assim poderíamos seguir dando exemplos em toda
a cadeia produtiva. Apesar do desemprego assustador, ainda temos milhões de
empregos formais e subempregos em muitas atividades em que outros países já os
eliminaram.
Olhando para os próximos anos, muitas profissões
sofrerão mudanças drásticas. O que será de milhões de motoristas de caminhões,
ônibus e táxis quando os carros estiverem automatizados e maduros para andar
sozinhos com segurança? Ainda vai demorar, mas sabemos que esse dia vai chegar.
Quantas profissões já se perderam, que eram importantes anos atrás? A
datilógrafa era uma profissão necessária para passar a limpo documentos e
relatórios. Minha tese de doutorado foi redigida em máquina de escrever, com a
última versão realizada por uma datilógrafa, que me pedia para não mexer no
texto final: introduzir um novo parágrafo encarecia muito o resultado, porque a
obrigava a reescrever o restante de um capítulo. Isso aconteceu não faz tanto
tempo: foi em 1987. Em três décadas passamos da máquina de escrever para
programas que entendem, digitam e traduzem o que falamos para outras línguas.
O mundo torna-se mais complexo, evolui rapidamente
para soluções que não imaginávamos e que exigem atualização constante. Antes,
para viajar, precisávamos ir a uma agência de viagens física e comprar com
antecedência um bilhete em papel e imprimi-lo. Hoje, do celular resolvemos
tudo, fazemos o check-in da ida e da
volta antes de viajar, escolhemos em tempo real os assentos que que vamos
ocupar e podemos embarcar diretamente, se não temos malas grandes. Há poucos
anos viajávamos com mapas em papel, que tínhamos de consultar a cada instante
para nos locomovermos em uma cidade ou estrada. Hoje, basta ligar o Waze ou o
Google Maps e escolher as melhores opções entre várias alternativas, em tempo
real.
O Uber, o Airnb, o Netflix, entre tantos outros, são
exemplos de aplicativos e soluções inovadoras que mudam nossos hábitos e exigem
novas competências. Trazem a possibilidade de ampliar escolhas, permitem-me
escolher o que quero na hora que quero. Quebram muitas estruturas
intermediárias, diminuem a dependência de categorias consolidadas e
monopolísticas (taxistas, imobiliárias, redes tradicionais de TV), desregulam o
mercado tradicional e implementam novas visões de negócios. Em todos os campos
estamos pressionados a aprender, a nos adaptar, a evoluir.
Nesse cenário tão dinâmico, a escola parece parada no
tempo. Está off-line em um mundo on-line. O Whatsapp é o aplicativo que
expressa a febre da atualização incessante, ao vivo, em multigrupos, do fluir
incessante de mensagens, vídeos, comentários. A escola parece um museu, um
outro mundo, um espaço de confinamento, quadrado, com tempos marcados para cada
área de conhecimento, para cada atividade, para cada avaliação. A escola parece
fora do lugar em mundo conectado on-line.
Todos os temas que o programa nos pede para explicar
aos alunos estão disponíveis on-line.
Existem milhares de materiais em vídeo, textos, roteiros de aprendizagem,
animações, cursos abertos on-line,
que nos oferecem todos os conteúdos exigidos pelo currículo.
De um lado, precisamos desenvolver competências mais
complexas, saber adaptar-nos a soluções inesperadas e criar novas soluções para
novos problemas. Isso exige uma dinâmica de aprendizagem nova, constante,
desafiadora, criativa, em qualquer lugar, a qualquer hora e ao longo de uma
vida cada vez mais longa. De outro, temos uma escola do século XIX presa a seus
ritos previsíveis, burocráticos, industriais.
Como ensinar em um mundo conectado? Como a escola pode
tornar-se relevante para aprendizado em um mundo tão rápido e desafiador? O que
podemos trazer do dinamismo das transformações digitais, econômicas e sociais
para o ambiente de ensino e aprendizagem mais formal?
Os
processos de aprendizagem são múltiplos, contínuos, híbridos, formais e
informais, organizados e abertos, intencionais e não intencionais. O ensino
regular é um espaço importante, pelo peso institucional, pelos anos de
certificação e pelos investimentos envolvidos, mas convive com inúmeros outros
espaços e formas de aprender mais abertos, sedutores e adaptados às
necessidades de cada um.
A educação é mais complexa porque tem de preparar para
a autonomia, para podermos tomar decisões mais complexas em todos os momentos,
de forma criativa, empreendedora e realizadora. Para preparar para a autonomia,
precisamos de outra proposta de escola, muito mais leve, aberta, flexível,
centrada no aluno, com atividades significativas, metodologias ativas, intenso
uso das tecnologias digitais.
A convergência digital exige mudanças muito mais
profundas que afetem a escola em todas as suas dimensões: infraestrutura,
projeto pedagógico, formação docente, mobilidade. Nestes últimos anos,
aumentaram exponencialmente as ofertas de aprendizagem, formais e informais,
gratuitas e pagas, presenciais, híbridas e on-line.
Cada vez ganha mais importância a aprendizagem aberta, colaborativa, em redes,
em comunidades de aprendizagem e de prática.
Podemos aprender formal e informalmente. Aprendemos
em situações muito diferentes: sozinhos, em contato com inúmeros materiais
disponíveis; aprendemos também com pessoas próximas e distantes (colegas,
grupos presenciais e on-line).
Aprendemos em outros momentos por meio da orientação de pessoas mais
experientes em campos que nos interessam (professores, especialistas).
A escola que os jovens desejam
Uma pesquisa feita na Plataforma Porvir[2]
com 132 mil alunos e ex-alunos de 13 a 21 anos, oriundos de todos os Estados do
Brasil, revelou que a maior parte dos jovens querem uma escola com maior
participação, atividades práticas e tecnologia; querem um currículo mais
flexível, em que possam escolher parte sua da trajetória, em que aprendam mais
com a mão na massa do que só com aulas expositivas; querem não ficar confinados
nas salas de aula e ter espaços mais livres, acolhedores e com menos paredes ou
grades, que lhe permita interagir com o entorno (bairro, cidade, mundo).
A grande maioria das escolas continua muito aquém
desse modelo desejado pelos jovens, mas já há um bom número delas que estão
ousando, evoluindo, propondo modelos interessantes, próximos às necessidades do
mundo atual. O que propõem essas escolas mais inovadoras?
Diferenciais das escolas inovadoras
As escolas e universidades que nos mostram novos
caminhos destacam, no seu projeto político-pedagógico e na sua implementação,
alguns componentes importantes que coincidem no essencial, embora com ênfases
diferentes.
Ambientes institucionais e pessoais abertos e acolhedores
As instituições educacionais inovadoras são espontânea
e acolhedoras, interna e externamente, com gestores, docentes e estudantes
interagindo de forma espontânea e produtiva.
Os estudantes são o centro da escola. A filosofia que
orienta as ações pedagógicas é a de construir diariamente uma “grande escola
para os estudantes”, com a convicção de que estes são capazes de fazer coisas
incríveis, de que são capazes de aprender de verdade, e de que docentes e
gestores utilizarão todas as técnicas e oportunidades possíveis para
consegui-lo.
Os espaços são transparentes, flexíveis, coloridos,
atraentes, diferenciados. Predomina um clima de efervescência, de energia
empreendedora, com estudantes muito ativos, realizando projetos, apresentações,
debates em locais que se reconfiguram rapidamente, dependendo da necessidade.
Os alunos estão ativos, em alguns momentos sozinhos, noutras em grupo;
professores circulam, não estão na frente. Todos se sentem acolhidos e
partícipes, em todos os espaços, momentos e situações, de um projeto comum e
compartilhado, em que podem manifestar-se, interagir, contribuir, questionar.
Os professores conversam muito entre si, planejam os roteiros de aprendizagem e
projetos juntos, e avaliam continuamente o processo e os resultados.[3]
Os espaços arquitetônicos refletem esse grau de
abertura, saindo do espaço retangular fechado convencional. Os espaços físicos
e digitais são abertos, compartilhados (entre todos os participantes: gestores,
professores, alunos – e também com a comunidade externa). Há muitos espaços maker, de experimentação, de
programação, de trabalho com materiais simples e complexos. Divulgam-se as
melhores práticas e contribuições.[4]
São escolas abertas para o bairro, a cidade e o
mundo. Os estudantes têm bastantes atividades externas. Em algumas, desenvolvem
seus sonhos individuais fora da escola durante semanas e trazem as
aprendizagens para compartilhá-las com colegas e docentes posteriormente. Outro
diferencial é a importância do contato uma troca rica com o entorno, não só
para conhecê-lo, mas para contribuir com soluções reais, um contato com a vida,
com a cidade, com o mundo (redes, comunidades), com as áreas profissionais
desde o começo; rico. É a escola-serviço, onde os alunos aprendem em convívio
com a comunidade e desenvolvem projetos que beneficiam essa mesma comunidade.
Não se trata de uma saída apenas para conhecer o mundo, mas também para
modificá-lo.[5]
Currículo por projetos e competências amplas
O
currículo é cada vez mais transdisciplinar, com uma visão humanista e
integradora. Há flexibilidade para que os alunos possam personalizar seu
percurso, total ou parcialmente. Há uma grande integração de áreas, projetos,
problemas, com menos (ou sem) disciplinas.[6]
O currículo é híbrido, blended, com integração de tempos, espaços e atividades presenciais
e on-line, propondo um “continuum” entre modelos mais
presenciais e modelos mais digitais (para alunos com perfis ou situações
diferentes). O currículo é o mesmo, adaptado às necessidades dos alunos,
superando a dicotomia presencial x on-line.[7]
Existe uma ênfase grande no desenvolvimento de
competências amplas, socioemocionais, com destaque para a autonomia
intelectual, emocional (autoestima, resiliência, criatividade). Ganha
importância a formação inicial e continuada de professores em metodologias
ativas, em orientação/ mentoria e em tecnologias presenciais e on-line. Constata-se a importância do compartilhamento de experiências, da orientação por parte dos mais experientes, da aprendizagem por imersão e por “clínicas” com supervisão.
As instituições mais inovadoras desenham uma política clara de personalização da aprendizagem em torno do projeto de vida do aluno. A
personalização encontra seu sentido mais profundo quando cada estudante se
conhece melhor e amplia a percepção do próprio potencial em todas as dimensões.
O projeto de vida é um componente curricular transversal importante, que visa a
promover a convergência, de um lado, dos interesses e paixões de cada aluno e,
de outro, de seus talentos, sua história e seu contexto. Estimula-se a busca de
trilhas de uma vida com significado e proveito pessoal e social, ampliando-se,
como consequência, a motivação profunda para aprender e evoluir em todas as
dimensões.
Metodologias ativas com tecnologias digitais
Há uma combinação de caminhos e metodologias de ensino
e aprendizagem, que se integram. Não há um caminho único. São metodologias
ativas, no sentido de o aluno ser mais protagonista, participante, mediante
situações práticas, produções individuais e de grupo, e sistematizações
progressivas.
Ênfase no aprender fazendo, na cultura “maker”: aprender a partir de projetos reais, problemas
significativos, histórias de vida, jogos. Ganham relevância os laboratórios
multifuncionais, os laboratórios “maker”,
onde os alunos testam suas ideias, desenvolvem programas, experimentam soluções
reais, contam histórias, elaboram jogos, entre outras atividades.
As escolas inovadoras combinam três processos de forma
equilibrada: a aprendizagem personalizada (em que cada um pode aprender o
básico por si mesmo – aprendizagem prévia, aula invertida); a aprendizagem com
diferentes grupos (aprendizagem entre pares, em redes); e a aprendizagem
mediada por pessoas mais experientes (professores, orientadores, mentores). A
personalização (aprendizagem adaptada aos ritmos e necessidades de cada pessoa)
é cada vez mais importante e viável. Ela se amplia, potencializa e combina com
a aprendizagem colaborativa, em grupos, em redes (presenciais e on-line). O equilíbrio entre a
aprendizagem individual, a grupal e a orientada por pessoas mais experientes
propicia uma riqueza ímpar de oportunidades, caminhos, possibilidades
(principalmente em cursos de formação e de longa duração).
Uma das técnicas utilizadas é a inversão da forma
tradicional de ensinar, (depois que o aluno adquiriu as competências básicas
mínimas de ler, escrever, contar): o básico o aluno aprende sozinho, no seu
ritmo; o mais avançado, com atividades em grupo e a supervisão de professores.
As plataformas e tecnologias digitais ganham uma
importância estratégica: ampliam as possibilidades de pesquisa, autoria,
compartilhamento, publicação, multiplicação de espaços, de tempos. Professores
e alunos podem ver o progresso individual e grupal de aprendizagem. Os
materiais são atraentes, com muitos recursos típicos dos jogos: fases, desafios,
competição, colaboração, recompensas (plataformas adaptativas, ambientes
imersivos). O design educacional é
cada vez mais decisivo para contar com roteiros cognitivos inteligentes,
atividades individuais, grupais e de avaliação interessantes e desafiadoras. Há
maior ênfase em recursos abertos, compartilhados gratuitamente. Muitos
materiais, aplicativos e experiências em cursos abertos, plataformas digitais
dinâmicas (redes) e em comunidades de prática.
Professores orientadores e mentores competentes
O papel dos professores nos projetos inovadores é
muito mais amplo e avançado: São desenhadores de roteiros pessoais e grupais de
aprendizagem, interlocutores avançados e orientadores/mentor de projetos
profissionais e de vida dos alunos.
Ganha importância a formação inicial e continuada de
professores em metodologias ativas, em orientação/mentoria e em tecnologias
presenciais e on-line. Há um
acompanhamento direto dos docentes novos por mentores mais experientes.
Constata-se a importância do compartilhamento de experiências, da orientação
pelos mais experientes, da aprendizagem por imersão e por “clínicas” com
supervisão.
O processo de avaliação é contínuo, flexível, com feedback permanente de várias formas:
avaliação por pares, autoavaliação e avaliação da produção (portfólios
digitais).
As instituições inovadoras evoluem e reavaliam
continuamente suas propostas. Estamos em uma fase de intensa experimentação, de
aprendizagem entre todos, validando o que funciona melhor.
Esses
modelos inovadores estão em construção e aperfeiçoamento contínuos; mostram
especificidades muito diferentes, mas, no essencial, trazem componentes comuns
que podem inspirar-nos a evoluir para projetos educacionais mais avançados,
estimulantes e importantes para os alunos, os profissionais e a sociedade como
um todo.
Como ensinar em um mundo conectado?
A maior parte das escolas está ainda muito distante
desses modelos inovadores, presa a currículos disciplinares, a tempos muito
definidos, a privilegiar o conhecimento intelectual, o conteúdo, a prova. Como
podemos ensinar de forma inovadora mesmo em escolas convencionais? E como ir
preparando as mudanças de forma mais profunda, envolvendo currículo,
metodologias, avaliação? Por onde começar?
Primeiro passo é engajar muitos professores e gestores
na promoção de mudanças significativas nas suas práticas pedagógicas, no
relacionamento com os alunos, nas metodologias utilizadas, na avaliação, no
diálogo constante com as tecnologias digitais.
Os professores podem desenvolver práticas muito
estimulantes para envolver os alunos, torná-los muito mais participativos,
mesmo no sistema convencional.
Podemos explicar a alunos, pais e colegas por que faz
sentido mudar a cultura tradicional da escola, as formas convencionais de
ensinar. Explicar as razões e o que vamos implementar em um primeiro momento:
metodologias ativas, aula invertida, trabalho com projetos, criação de
portfólios digitais pelos alunos, avaliação no processo, e não só no final.
Explicar o modelo proposto é fundamental para que todos saibamos onde estamos e
possamos avaliar cada passo dado.
Algumas propostas continuam valendo, com ênfase
diferente: temos que mostrar ao aluno que o que estamos querendo que aprenda
faz sentido para ele, tem a ver com a vida dele, vai ser muito interessante
para ele. Motivar, mostrar cenários, inspirar, descobrir possibilidades que o
aluno ainda não percebe é fundamental para que ele se engaje em uma
aprendizagem significativa.
Continua também importante conhecer os alunos, sua
realidade fora da escola, suas expectativas, seus sonhos, para poder aproximar
as atividades previstas com os interesses deles. Conhecê-los e acolhê-los,
olhá-los nos olhos, mostrar-lhes simpatia, valorizar o que fazem bem. A
combinação de roteiros semiestruturados e abertos, relacionando sempre o que
consideramos socialmente importante (currículo) com a vida, os interesses, as
necessidades de cada estudante, é decisiva para o sucesso na educação, para
sermos relevantes como docentes e como escolas.
Podemos, mesmo no modelo disciplinar, passar daquela
mesma aula igual para todos a aulas com várias atividades propostas, vários
ritmos de execução possíveis, com integração entre tempos de conhecimento
prévio (aula invertida) e tempos de aprofundamento diferenciado em sala.
Podemos sair do modelo babá, em que damos tudo
pronto, resumido em tópicos em um PowerPoint, para propor atividades mais
problematizadoras, fazer perguntas mais relevantes, a fim de que os alunos se
tornem pesquisadores.
Metodologias ativas, modelos híbridos e competências digitais
Três conceitos são especialmente poderosos para a
aprendizagem hoje: metodologias ativas, modelos híbridos e competências
digitais. As metodologias ativas dão ênfase ao papel protagonista do aluno, ao
seu envolvimento direto, participativo e reflexivo em todas as etapas do
processo de aprendizagem, experimentando, desenhando, criando, com orientação
do professor; o modelo híbrido destaca a flexibilidade, a mistura e o
compartilhamento de espaços, tempos, atividades, materiais, técnicas e
tecnologias que compõem esse processo ativo. A aprendizagem híbrida hoje tem
uma mediação tecnológica forte: físico-digital, móvel, ubíqua, realidade física
e aumentada, elementos que trazem inúmeras possibilidades de combinações,
arranjos, itinerários, atividades.[8]
As aprendizagens por experimentação, por design, a aprendizagem maker são expressões atuais da
aprendizagem ativa, personalizada, compartilhada. A ênfase na palavra ativa
precisa sempre estar associada à aprendizagem reflexiva, para tornar visíveis
os processos, os conhecimentos e as competências do que estamos aprendendo com
cada atividade. Aí é que o bom professor, orientador, mentor se mostra
decisivo.
Metodologias ativas são estratégias de ensino
centradas na participação efetiva dos estudantes na construção do processo de
aprendizagem, processo que se dá de forma flexível, interligada, híbrida. As
metodologias ativas em um mundo conectado e digital se expressam por modelos de
ensino híbridos, com muitas possíveis combinações. A junção de metodologias
ativas com modelos flexíveis, híbridos, traz contribuições importantes ao
desenho de soluções atuais para os aprendizes de hoje.[9]
O professor é um gestor de diferentes espaços, tempos
e etapas de aprendizagem dos seus alunos. E de especial importância a atuação do
documento no início e no fim do processo: no início, para mostrar o sentido
profundo, a relação com a vida, para abrir horizontes, mostrar cenários. No
fim, para ajudar a entender o contexto, a coordenar as apresentações dos
estudantes, a problematizar as certezas, a contribuir para sínteses
provisórias.
Ganha importância na educação formal o contato com
entornos reais, com problemas concretos da comunidade, não só para conhecê-los,
mas para procurar contribuir com soluções reais, a partir de processos de
empatia, de aproximação, de escuta e de compartilhamento. É a
aprendizagem-serviço, em que professores, alunos e a instituição aprendem
interagindo com diversos contextos reais, abrindo-se para o mundo e ajudando a
modificá-lo.
Na aprendizagem por projetos, os alunos se envolvem
com tarefas e desafios para resolver um problema ou desenvolver um projeto que
também tenha ligação com sua vida fora da sala de aula. Nesse processo, eles
lidam com questões interdisciplinares, tomam decisões e agem sozinhos e em
equipe. Por meio dos projetos, são trabalhadas também suas habilidades de
pensamento crítico, criativo, e a percepção de que existem várias maneiras para
a realização de uma tarefa, aspectos esses tidos como competências necessárias
para o século XXI. Os alunos são avaliados de acordo com seu desempenho durante
e na entrega dos projetos.
Os projetos de aprendizagem também preveem paradas
para reflexão, feedback,
autoavaliação e avaliação de pares, discussão com outros grupos e atividades
para “melhoria de ideias”. Diferentemente de uma sequência didática, em um
projeto de aprendizagem há preocupação em gerar um produto. Porém, esse produto
não precisa ser um objeto concreto. Pode ser uma ideia, uma campanha, uma
teoria, etc. A grande vantagem de gerar esse produto é criar oportunidades para
o aluno aplicar o que está aprendendo e também desenvolver algumas habilidades
e competências.[10]
Aprendizagem por histórias, jogos e programação
Uma das formas mais eficientes de aprendizagem desde
sempre se dá por meio de histórias contadas (narrativas) e histórias em ação
(histórias vividas e compartilhadas).
Contar, criar e compartilhar histórias é muito fácil
hoje. Podemos fazê-lo a partir de livros, da internet, de qualquer dispositivo
móvel. Crianças e jovens gostam e são capazes de produzir vídeos e animações e
postá-los imediatamente na rede. Existem aplicativos fáceis de edição nos smartphones. As narrativas são elementos
poderosos de motivação e produção de conhecimento.
Os
jogos e as aulas roteirizadas com a linguagem de jogos (gameficação) estão cada vez mais presentes na escola e são
estratégias importantes de encantamento e motivação para uma aprendizagem mais
rápida e próxima da vida real. Os jogos mais interessantes para a educação
ajudam os estudantes a enfrentar desafios, fases, dificuldades, fracassos, bem
como a correr riscos com segurança. Jogos de construção aberta como o Minecraft
são excelentes para despertar a criatividade, a fantasia e a curiosidade. [11]
Plataformas adaptativas como o Duolingo são atraentes
porque utilizam todos os recursos de atratividade para quem quer aprender: cada
um escolhe o ritmo de aprendizagem, vê o avanço dos seus colegas, ganha
recompensas. Na versão educacional, os docentes podem acompanhar o desempenho
dos seus alunos e propor atividades para as diversas fases da aprendizagem,
incluindo a avaliação[12].
A Plataforma Khan segue a mesma lógica do ensino personalizado no ensino de
Matemática ou Ciências[13].
Para gerações acostumadas a jogar, a linguagem de
desafios, recompensas, competição e cooperação é atraente e fácil de perceber.
Os jogos colaborativos e individuais, de competição e colaboração, de
estratégia, com etapas e habilidades bem definidas, tornam-se cada vez mais
presentes nas diversas áreas de conhecimento e níveis de ensino.
É importante utilizar narrativas, histórias,
simulações, imersões e contos de fantasia sempre que possível, com ou sem
recursos tecnológicos (ex: tribunal de júri).
Um dos programas mais utilizados para aprender por
meio de programão lúdica é o Scratch. Foi desenvolvido por Michel Resnick no
MIT, com o objetivo de incentivar a aprendizagem da programação de forma
intuitiva, por meio da montagem de blocos de comandos. Permite a busca de
soluções de problemas mediante a criação de jogos, animações e também histórias
interativas (Bressan & Amaral, 2015). Aprender a programar é uma das novas
habilidades importantes para crianças e jovens em um mundo digital móvel, que
lhes permite executar os projetos que planejam, torna-los visíveis e desenvolver
novas formas de produção. As competências digitais mais importantes hoje, além
de programar, são: saber pesquisar, avaliar as múltiplas informações,
comunicar-se, fazer sínteses, compartilhar on-line.[14]
Inverter a forma de ensinar
No ensino convencional, os professores procuram
garantir que todos os alunos aprendam o mínimo esperado. Para isso, explicam os
conceitos básicos e pedem-lhes que depois os estudem e aprofundem mediante
leituras e atividades. Por que inverter esse processo? Porque as informações básicas
o aluno pode acessar no seu ritmo, o que permite ao professor desenhar
atividades de aprofundamento mais específicas, sob sua supervisão presencial.
Hoje, depois que os estudantes tenham desenvolvido o
domínio básico de leitura e escrita, nos primeiros anos do ensino fundamental,
podemos inverter o processo: as informações básicas sobre um tema ou problema
podem ser pesquisadas pelo aluno para iniciar-se no assunto, partindo dos seus
conhecimentos prévios e ampliando-os com as referências dadas pelo professor
(curadoria) e as que ele próprio descobre nas inúmeras oportunidades
informativas de que dispõe, para depois compartilhar seu nível de compreensão
desse tema com colegas e professor, em níveis de interação e ampliação
progressivos e mais profundos, com participações em dinâmicas grupais,
projetos, discussões e sínteses, em momentos posteriores que podem ser
híbridos, presenciais e on-line,
combinados.
A aula invertida é uma estratégia ativa e um modelo
híbrido, que otimiza o tempo da aprendizagem e docente. O conhecimento básico
fica a cargo do aluno – com curadoria do professor –, e os estágios mais
avançados sofrem interferência do professor, com forte componente grupal
também. Bergmann & Sams (2016) foram os primeiros divulgadores de algumas
técnicas da aula invertida, principalmente utilizando o vídeo como material
inicial para estudo prévio, com a vantagem de que cada aluno pode assistir a
ele no seu ritmo, quantas vezes precisar e solicitando, se necessário, a
colaboração dos pais ou colegas. Depois, o professor pode orientar atividades
de acordo com a situação de cada aluno, com suas necessidades específicas.
A aula invertida tem sido vista, de uma forma
reducionista, como assistir a vídeos antes e a atividades presenciais depois.
Essa é apenas uma das formas de inversão. O aluno também pode partir de
pesquisas, projetos, produções, para iniciar-se em um assunto, e aprofundar seu
conhecimento e competências, a seguir, em diversas atividades supervisionadas.[15]
Pesquisas sobre formas diferentes de aula invertida
mostraram que, quando se começa com atividades, projetos, experimentação, o
avanço é maior do que aquele obtido com materiais prontos (textos, vídeos).[16]
As regras básicas para inverter a sala de aula,
segundo o relatório Flipped Classroom Field Guide, são: 1) as atividades em
sala de aula envolvem uma quantidade significativa de questionamento, resolução
de problemas e outras atividades de aprendizagem ativa, obrigando o aluno a
recuperar, aplicar e ampliar o material aprendido on-line; 2) os alunos recebem feedback
imediatamente após a realização das atividades presenciais; 3) os alunos são
incentivados a participar das atividades on-line
e das presenciais, as quais são computadas na avaliação formal do aluno, ou
seja, valem nota; 4) tanto o material a ser utilizado on-line quanto os ambientes de aprendizagem em sala de aula são
altamente estruturados e bem planejados.19
Há muitas formas de inverter esse processo. Pode-se
começar por projetos, pesquisa, leituras prévias, produções dos alunos, e
depois passar a aprofundamentos em classe, com a orientação do professor. O
curso Ensino Híbrido, Personalização e Tecnologia oferece vídeos e materiais produzidos
por professores brasileiros e norte-americanos sobre os diversos aspectos do
ensino híbrido, na visão do professor, do aluno, do currículo, da tecnologia,
da avaliação, da gestão, da mudança de cultura. Vale a pena ler o livro sobre o
mesmo tema (Bacich, Tanzi & Trevisani, 2015).
Há algumas condições para o sucesso da aula invertida:
a mudança cultural de professores, alunos e pais para aceitar a nova proposta;
a escolha de bons materiais, vídeos para uma aprendizagem básica importante e a
gestão de todo o processo, dos alunos que não fazem a análise antes de ir para
o encontro presencial.
A personalização, do ponto de vista do educador e da
escola, é o movimento de ir ao encontro das necessidades e interesses dos
estudantes e de ajudá-los a desenvolver todo o seu potencial, a motivá-los, a
engajá-los em projetos significativos, na construção de conhecimentos mais
profundos e no desenvolvimento de competências mais amplas.
Há diversas formas e modelos de personalização. Um
primeiro modelo de personalização consiste em planejar atividades diferentes
para que os alunos aprendam de várias formas (rotação por estações, por
exemplo). Outro modelo envolve desenhar um mesmo roteiro básico para todos os
alunos e permitir que eles possam executá-lo no seu próprio ritmo, realizando a
avaliação quando se sentirem prontos e podendo refazer o percurso sempre que
necessário.[17]
Outra forma de personalização é colocar os alunos em uma plataforma adaptativa
(p. ex.: a Khan, em Matemática) e acompanhar suas atividades on-line, percebendo o grau de domínio de
alguns temas em relação a outros, e organizando algumas atividades de apoio de
acordo com as necessidades observadas na visualização on-line.[18]
Há modelos de personalização mais avançados, nos quais os estudantes podem escolher
parcial (algumas disciplinas ou temas) ou totalmente seu percurso. Essa última
opção acontece em alguns projetos educacionais mais inovadores. (Barrera
Gouveia, 2016).[19]
A combinação de metodologias ativas com tecnologias
digitais móveis hoje é estratégica para a inovação pedagógica. As tecnologias
ampliam as possibilidades de pesquisa, autoria, comunicação e compartilhamento
em rede, publicação, multiplicação de espaços, de tempos; monitoram cada etapa
do processo, visibilizam os resultados, os avanços e dificuldades. As
tecnologias digitais diluem, ampliam e redefinem a troca entre os espaços
formais e informais através de redes sociais e ambientes abertos de
compartilhamento e coautoria
A convergência digital exige mudanças muito mais
profundas que afetam a escola em todas as suas dimensões: infraestrutura,
projeto pedagógico, formação docente, mobilidade. A chegada das tecnologias
móveis à sala de aula traz tensões, novas possibilidades e grandes desafios.
São cada vez mais fáceis de usar, permitem a colaboração entre pessoas próximas
e distantes, ampliam a noção de espaço escolar, integrando alunos e professores
de países, línguas e culturas diferentes. E todos, para além da aprendizagem
formal, têm a oportunidade de se engajar, aprender e desenvolver relações
duradouras para suas vidas.
É possível e conveniente priorizar a utilização de
aplicativos e recursos gratuitos, on-line,
colaborativos e sociais. Também há inúmeros materiais abertos disponíveis para
todas as áreas de conhecimento e níveis de ensino.[20]
Também é importante desenvolver a cultura de
compartilhar melhores práticas entre os docentes em um espaço digital, para
avançar mais rapidamente. A aprendizagem compartilhada e colaborativa é um
caminho importante de aceleração da aprendizagem institucional.
Novas formas de avaliação
A avaliação, no contexto da aprendizagem ativa, é um
processo contínuo, flexível, que acontece sob várias formas: avaliação
diagnóstica, formativa, mediadora; avaliação da produção (do percurso –
portfólios digitais, narrativas, relatórios, observação); avaliação por
rubricas – competências pessoais, cognitivas, relacionais, produtivas;
avaliação dialógica; avaliação por pares; autoavaliação; avaliação on-line; avaliação integradora; entre
outras. Os alunos precisam mostrar na prática o que aprenderam com produções
criativas, socialmente relevantes, que explicitem a evolução e o percurso
realizado. É importante avaliar e dar feedback
frequente aos estudantes, acompanhando inteiramente seu progresso, tanto
individual como coletivo.
Toda avaliação deveria ser com consulta. Em um mundo
em que temos as informações sempre à mão, por que precisamos apelar tanto para
nossa memória?. Em um mundo em que temos o Waze, por que precisamos decorar os
nomes das ruas como os taxistas de Londres?. O importante não é decorar, mas
saber interpretar, avaliar e aplicar o que aprendemos.
O portfólio digital com todo o percurso do aluno é o
instrumento mais forte da avaliação, mais do que a prova tradicional, porque
avalia o processo em vários momentos, dá feedbacks
quando há tempo para correção de rumo e permite que cada aluno produza dentro
do seu próprio ritmo e torna visíveis para todos o processo e os resultados
(compartilhamento em tempo real para todos). A avaliação entre pares também tem
muito importância, pois permite a ampliação dos pontos de vista e o
desenvolvimento da maturidade para exercitar um julgamento justo. Como tudo
fica visível, a combinação de portfólio, aprendizagem por pares e autoavaliação
é poderosa, estimulante e socialmente relevante.
A transição dos modelos convencionais para os inovadores
Como fazer essas mudanças na prática? Não há uma
resposta única, mas há alguns caminhos que fazem mais sentido, dependendo de
cada instituição, de onde se encontra, do percurso de mudança que já trilhou e
da opção por mudanças mais rápidas ou lentas, mais superficiais ou mais
profundas.
Mudanças progressivas
Para a maioria das instituições educacionais que já
têm uma cultura, história e processos definidos há tempos, as mudanças mais
viáveis são as progressivas. Partem dos modelos disciplinares para níveis de
interligação cada vez mais amplos.
A primeira mudança se dá dentro de cada disciplina,
introduzindo metodologias ativas, principalmente a aula invertida. Isso já
permite avanços rápidos, com o professor orientando mais atividades de
aprofundamento.
O
caminho para avançar na integração é organizar algumas atividades comuns a mais
de uma disciplina: projetos comuns, atividades integradoras, ampliando as
metodologias ativas e os modelos híbridos. A instituição pode propor o projeto
de vida de forma transversal, ao longo do curso. Esse eixo é importante para o
aluno desenvolver uma visão mais ampla do seu papel no presente e no futuro.
O nível seguinte é o da integração entre as diversas
disciplinas por meio de um projeto mais amplo e outras atividades que façam
sentido. Essa integração também pode ser vertical, por áreas de conhecimento
semelhantes: alunos de semestres diferentes se juntam em algumas atividades
comuns, em que os mais veteranos podem tornar-se tutores. A hibridização também
aumenta com uma maior inserção do digital.
A partir daí, a instituição já estará mais preparada
para implementar um currículo muito mais integrador, flexível, com foco em
projetos, desafios, no aprender fazendo, e terá tido tempo de acompanhar outras
instituições que já implantaram currículos mais ousados e que terão uma
avaliação mais precisa do que vale a pena trazer para a própria instituição.
Mudanças simultâneas
Uma forma de acelerar as mudanças sem pôr em risco a
cultura da instituição é começar a inovação em pequena escala, em uma área que
tenha maior abertura, com gestores e professores mais empreendedores. Esses
projetos são acompanhados por todos, avaliados para depois incorporar mais rapidamente
os demais cursos. Ir da experiência focada e avaliada para a estrutural é um
caminho que tem muitas vantagens: todos aprendem com o grupo experimental e se
preparam melhor para implementar um novo projeto mais ousado.
O importante nesse processo é que a discussão do
projeto inovador seja feita por toda a comunidade antes e seja ele acompanhado
de verdade durante a sua implantação.
Um exemplo atual está acontecendo na Catalunha,
Espanha, com o Projeto Horizonte 2020, dos jesuítas, que após uma discussão
ampla de dois anos, chegaram a um consenso sobre um novo modelo educacional,
sem disciplinas, e o estão implementando progressivamente em duas séries em
cinco escolas.[21]
Simultaneamente, continua o modelo convencional com o experimental no mesmo lugar.
Embora possa haver algumas tensões nessa transição, ela permite que todos
aprendam na prática ou no acompanhamento direto do que acontece ao lado.
Mudanças profundas
Alguns grupos, liderados por gestores visionários e
empreendedores, propõem mudanças mais profundas mais rapidamente. Alguns
exemplos são conhecidos no Brasil de escolas públicas que, apesar das
estruturas burocráticas, conseguiram implementar currículos mais abertos, não
disciplinares, baseados em roteiros de aprendizagem, de integração de alunos de
vários anos.[22]
O que impressiona nas escolas com desenhos
arquitetônicos e pedagógicos mais avançados é que os espaços são mais amplos,
agradáveis. Há escolas mais em contato com a natureza, que têm vantagens
inegáveis para projetos de ecologia de aprendizagem mais integral (como o
Projeto Âncora).[23]
Mas também há projetos em comunidades carentes, como o da Escola Municipal
Campos Salles, em que os alunos desenvolvem roteiros de aprendizagem
personalizados, em pequenos grupos, com o acompanhamento dos Professores
Tutores e o apoio dos dados da evolução de cada aluno, fornecidos on-line por uma plataforma adaptativa.[24]
Um dos muitos modelos interessantes para pensar como
organizar a “sala de aula” de forma diferente é olhar para algumas escolas
inovadoras. Por exemplo, os projetos das escolas Summit (Summit Schools) da
Califórnia equilibram tempos de atividades individuais com as de grupo, sob a
supervisão de dois professores de áreas diferentes (humanas e exatas), que se
preocupam com projetos que permitam olhares abrangentes, integradores, sem
disciplinas. Acompanham o progresso de cada aluno (toda sexta-feira conversam
individualmente com os estudantes), e cada aluno tem um Mentor que o orienta no
seu projeto de vida. Os alunos fazem avaliações, quando se sentem preparados.
As competências socioemocionais são muito enfatizadas assim como o
desenvolvimento de atividades e projetos em organizações fora das escolas.[25]
O
ambiente físico das salas de aula e da escola como um todo também foi
redesenhado por essas escolas mais inovadoras, tomando-se mais centrado no
aluno. As salas de aula são agora mais multifuncionais, combinam facilmente
atividades de grupo, de plenário e individuais. Os ambientes estão cada vez
mais adaptados para o uso de tecnologias móveis.
Outro conjunto de escolas interessantes são as escolas
públicas High Tech High, que lembram laboratórios multiuso, onde os alunos vão
da ideia à realização e apresentação dos seus projetos, com apoio de
ferramentas físicas e digitais, entre elas as impressoras 3-D. Há uma ênfase na
cultura do fazer (cultura maker) e
nas competências socioemocionais.[26]
No ensino superior, a área de saúde foi pioneira em
trabalhar com solução de problemas (PBL) já na década de 1960, na Universidade
McMaster, no Canadá, e na Universidade de Maastricht, na Holanda (Cyrino, E.
& Toralles-Pereira, M. L, 2004). Muitos cursos de Medicina trabalham com
problemas, e também muitos cursos de Engenharia adotam a Metodologia de
Projetos, como o Olin College[27]
e, no Brasil, o Insper. Instituições inovadoras como o Institute of Design de
Stanford admitem alunos de todas as áreas de conhecimento e desenvolvem
projetos criativos por meio da metodologia do Design Thinking.[28]
Outra proposta interessante é a da Uniamérica, de
Foz de Iguaçu, que aboliu em cursos como Biomedicina, Farmácia e as Engenharias
a divisão por séries, e o currículo não é organizado por projetos e aula
invertida. “Ao tirar a divisão por disciplinas, orientamos todas as
competências necessárias através de projetos semestrais temáticos. O aluno
escolhe um problema real de sua comunidade ou região para trabalhar os temas
daquele período.”[29]
As aulas expositivas também foram abolidas. Agora, os alunos estudam os
conteúdos em casa, ou onde preferirem. São disponibilizados em uma plataforma on-line vídeos, textos e um conjunto de
atividades às quais os estudantes devem se dedicar antes de ir para a aula.
Essas atividades são de dois tipos: um primeiro de fixação e garantia de
compreensão do conteúdo, e outro de problematização, que estimula a pesquisa e
a transposição do conhecimento para problemas reais. Com isso, o tempo em sala
de aula é usado para que os temas sejam debatidos mais profundamente e também
para a realização dos projetos do semestre.
Conclusão
As escolas que nos mostram novos caminhos estão
mudando para modelos mais centrados em aprender ativamente com problemas reais,
desafios relevantes, jogos, atividades e leituras, valores fundamentais,
combinando tempos individuais e tempos coletivos, projetos pessoais de vida e
de aprendizagem e projetos em grupo. Isso exige uma mudança de configuração do
currículo, da participação dos professores, da organização das atividades
didáticas, da coordenação dos espaços e tempos.
Podemos combinar tempos e espaços individuais e
grupais, presenciais e digitais, com maior ou menor supervisão. Aprendemos
melhor quando conseguimos combinar três processos de forma equilibrada: a
aprendizagem personalizada (em que cada um pode aprender o básico por si mesmo
– aprendizagem prévia, aula invertida); a aprendizagem com diferentes grupos
(aprendizagem entre pares, em redes); e a aprendizagem mediada por pessoas mais
experientes (professores, orientadores, mentores).
Caminhamos para uma integração maior entre diferentes
áreas de conhecimento, temas, materiais, metodologias e sua abrangência
(intelectual, emocional, comportamental). Caminhamos para modelos curriculares
inter e transdisciplinares mais flexíveis, com acompanhamento e avaliação contínua.
O papel do professor hoje é muito mais amplo e
complexo: não está centrado apenas em transmitir informações de uma área
específica; ele é principalmente designer
de roteiros personalizados e grupais de aprendizagem e orientador/mentor de
projetos profissionais e de vida dos alunos. Professores e gestores
competentes, mediadores e mentores são fundamentais para a aprendizagem de
crianças e jovens neste novo mundo em profundas transformações. Quanto mais
informação disponível, tanto mais precisamos de quem ajude a escolher, avaliar,
interpretar e criar novas sínteses e possibilidades. Precisamos de professores
abertos, evoluídos, que ajudem a ampliar os horizontes e a apoiar a evolução
dos seus estudantes.
É cada vez mais relevante a implementação de políticas
permanentes de valorização do magistério e de formação continuada. Educar é um
processo mais complexo, dinâmico, desafiador, que exige o desenho de espaços
mais abertos, de currículos mais personalizados e flexíveis, de docentes
competentes, de famílias participantes, de metodologias ativas e de tecnologias
digitais acessíveis.
As escolas no mundo inteiro estão se reinventando; as
nossas, também. Quanto mais nos empenharmos em aprender a ensinar em um mundo
conectado, melhor será para os estudantes, para a sociedade e também para os
profissionais da educação. Vivemos um período histórico, de ruptura e de
reinvenção em todas as dimensões da vida, período que desafia também nossa
educação em todos os níveis, básico e superior, formal e informal, ao longo da
existência de todos.
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