Por onde começar a transformar nossas Escolas?
A discussão hoje não é por que mudar,
mas como fazê-lo. Os exemplos de Escolas, Faculdades e Universidades inovadoras
são importantes porque sinalizam uma tendência irreversível, a de que todas
passarão por esse processo de transformação, de forma mais rápida ou lenta, mas
ineludível.
Só que esses exemplos são muito
distantes da realidade da maioria. Muitas escolas inovadoras são pequenas
(menos de duzentos alunos), com um custo alto para poder ser bancado pela maior
parte dos pais ou pela sociedade, através de impostos.
Mudar a cultura de escolas
convencionais não é simples. Escolas tendem a repetir modelos conhecidos,
diante do risco de perda da identidade e do mercado já consolidado. Em todas as
escolas encontramos docentes com propostas diferenciadas, que envolvem mais os
alunos, mas costumam ser propostas isoladas, que não afetam a estrutura como um
todo, mais pesada e lenta. Como passar do espontaneísmo à transformação
institucionalizada?
As escolas que avançam mais têm
lideranças mais ousadas, que se cercam de grupos favoráveis e que persistem na
visão transformadora, apesar das resistências e contratempos. Ninguém consegue
mudar uma instituição sem enfrentar obstáculos. Mudanças rápidas ou lentas
precisam de apoio político para vingar, de pessoas de visão e de ação.
Por donde começar a mudança? O que faz
sentido fazer?
O que dá certo?
Por onde começar?
Não há uma solução única. Cada escola
tem sua história, situação, trajetória. Algumas reúnem as condições para uma
transformação profunda, outras só estão prontas para pequenos avanços pontuais.
O primeiro passo e o mais importante é
o da mudança mental, da mudança cultural, mostrando que estas novas formas de
aprender fazem mais sentido, que os alunos se engajam mais e obtêm melhores
resultados. O trabalho de sensibilização com exemplos concretos é fundamental.
Os exemplos desmontam as resistências. Hoje temos muitas escolas e
universidades que nos apontam caminhos. A série do Canal Futura sobre Escolas
Inovadoras traz treze vídeos com exemplos importantes para a Educação Básica[1].
Podemos explicar aos alunos, pais,
colegas por que faz sentido mudar a cultura tradicional da escola, as formas
convencionais de ensinar. Explicar as razões e o que vamos implementar num
primeiro momento: metodologias ativas, aula invertida, trabalhar com projetos,
alunos criando portfólios digitais, avaliação no processo e não só no final.
Explicar o modelo proposto é fundamental para que todos saibamos onde estamos e
possamos avaliar cada passo que damos.
A sensibilização nos mostra que é
possível criar outras instituições. Mas como transformar a maior parte das
organizações educacionais, que são menos ousadas?
O que fazer no curto prazo?
Um começo em que há maior consenso é
focar principalmente em metodologias ativas e competências digitais. Envolver
mais os alunos, torna-los mais protagonistas, aprender experimentando,
desenvolver projetos, aprendizagem em times, aula invertida, jogar de forma
inteligente... há mil formas de mobilização dos educandos que fazem sentido,
que dão resultados imediatos, que mexem com as aulas convencionais. O
investimento em técnicas de aprendizagem ativa é importante, porque aponta
formas concretas de começar e ver resultados.
Podemos, mesmo no modelo disciplinar,
sair da mesma aula igual para todos, para aulas com modelos blended ou híbridos, com diferentes
atividades propostas, com vários ritmos de execução possíveis, com integração
entre tempos de conhecimento prévio (aula invertida) e tempos de aprofundamento
diferenciado em sala.
Outro campo importante de aprendizagem
ativa é o domínio das competências digitais, de saber utilizar os aplicativos
para tecnologias móveis, o uso dos smartphones para pesquisa, atividades de
grupo, para compartilhamento constante, para a construção de portfólios
digitais, para avaliação mais ampla.
A combinação de metodologias ativas e competências
digitais é poderosa, dinamiza todos os processos, atrai o interesse dos alunos,
mobiliza a escola. Não é uma revolução, mas uma movimentação, que prepara uma
revolução mais estruturada.
As metodologias com tecnologias podem
começar dentro de uma disciplina e ir agregando progressivamente áreas de
conhecimento. Vários professores planejam projetos importantes junto com os
alunos, chegam a consensos viáveis e os realizam de forma integrada. São os
projetos integradores, com apoio das tecnologias digitais móveis.
Ao mesmo tempo que se amplia o domínio
das metodologias ativas, dos projetos integradores, das competências amplas,
projeto de vida, aprendizagem-serviço, as instituições precisam planejar o
médio prazo: onde querem estar daqui a cinco ou dez anos para realizar
transformações mais profundas.
Preparando transformações mais profundas
Esse processo de pensar também a
transformação, no médio prazo, exige uma mobilização ampla da comunidade
escolar (gestores, docentes, estudantes, famílias e organizações parceiras). As
etapas principais: Realização de sessões de design de soluções (design thinking),
visita a projetos mais inovadores (benchmarking), busca de um consenso sobre o
modelo mais viável (protótipo) e implementação em pequena e em larga escala.
É importante envolver toda a
instituição na atitude de mudança, discutindo amplamente o projeto inovador,
até chegar a um consenso, ideando um protótipo, que pode ser experimentado em
pequena escala em algum um curso, ou com algumas turmas. Esse processo avaliado
durante um tempo até ser estendido a toda a organização.
Uma forma de acelerar as mudanças sem
pôr em risco a cultura da instituição é começar a inovação em pequena escala,
em uma área que tem maior abertura, com gestores e professores mais
empreendedores. Esses projetos são acompanhados por todos, avaliados para
depois incorporar mais rapidamente os demais cursos. Ir da experiência focada e
avaliada para a estrutural é um caminho que tem muitas vantagens: todos
aprendem com o grupo experimental e se preparam melhor para implementar um novo
projeto mais ousado.
Um exemplo atual está acontecendo na
Catalunha, Espanha com o Projeto Horizonte 2020 dos Jesuítas, que após uma
discussão ampla de dois anos, chegaram a um consenso de um novo modelo
educacional, por projetos, sem disciplinas e o estão implementando
progressivamente em cinco escolas.[2]
Simultaneamente continua o modelo convencional com o experimental no mesmo
lugar. Embora possa haver algumas tensões nesta transição, permite que todos
aprendam na prática ou no acompanhamento direto do que acontece ao lado.
Para realizar as mudanças de curto e
médio prazo o principal é investir nas pessoas transformadoras, em bons
gestores e educadores, apoiando-os, estimulando sua participação nas decisões
estratégicas, investindo na sua atualização. Olhar para os que estão mais
avançados é um caminho indispensável. Hoje há experiências bem sólidas de
inovação, de universidades e escolas que estão abertas para intercâmbio e
mentoria e inspiração para os que querem aprender com elas.
Alguns grupos, liderados por gestores
visionários e empreendedores, propõem mudanças profundas mais rapidamente.
Alguns exemplos são conhecidos no Brasil tanto no setor público como no
privado. Algumas escolas públicas, apesar das estruturas burocráticas pesadas,
conseguiram implementar currículos mais abertos, não disciplinares, baseados em
roteiros de aprendizagem, integração de alunos de vários anos. Escolas como a
Campus Salles, (SP), Zeferino Castro (RS), entre muitas outras, mostram que
basta uma liderança positiva e corajosa de gestores empreendedores para atrair
docentes e famílias para projetos de inovação.[3]
As escolas e universidades mais
inovadoras mostram espaços transparentes, flexíveis, atraentes, diferenciados.
Predomina nelas um clima de efervescência, de energia empreendedora, com estudantes
muito ativos, realizando projetos, apresentações, debates em locais que se
reconfiguram rapidamente, dependendo da necessidade. Os alunos estão ativos, em alguns momentos
sozinhos, em outros, em grupo; professores circulam, não estão na frente. Todos
sentem-se acolhidos em todos os espaços, momentos e situações, e participantes
de um projeto comum e compartilhado, onde podem manifestar-se, interagir,
contribuir, questionar. Os professores conversam muito entre si, planejam os
roteiros de aprendizagem e projetos juntos e avaliam continuamente o processo e
os resultados.[4]
Os espaços arquitetônicos refletem esse
grau de abertura, saindo do espaço retangular fechado convencional. Os espaços
físicos e digitais são abertos, compartilhados (entre todos os participantes:
gestores, professores, alunos) e também com a comunidade externa. Há muitos
espaços maker, de experimentação, de
programação, de trabalho com materiais simples e complexos. Divulgam-se as
melhores práticas e contribuições.[5]
São escolas abertas para o bairro, a
cidade e o mundo. Os estudantes têm bastantes atividades externas. Em algumas,
desenvolvem seus sonhos individuais fora da escola durante semanas e trazem as
aprendizagens para compartilhá-las com colegas e docentes posteriormente. Outro
diferencial é a importância do contato com o entorno, com o mundo, não só para
conhece-lo, mas para contribuir com soluções reais, com contato com a vida, com
a cidade, com o mundo (redes, comunidades) com as áreas profissionais desde o
começo; uma troca rica com o entorno. É a escola-serviço, em que os alunos
aprendem em contato com a comunidade e desenvolvem projetos que beneficiam essa
mesma comunidade. Não é só a saída para conhecer o mundo, mas também para
modifica-lo.[6]
As escolas inovadoras combinam três
processos de forma equilibrada: a aprendizagem personalizada (em que cada um
pode aprender o básico por si mesmo - aprendizagem prévia, aula invertida); a
aprendizagem com diferentes grupos (aprendizagem entre pares, em redes) e a
aprendizagem mediada por pessoas mais experientes (professores, orientadores,
mentores). A personalização (aprendizagem adaptada aos ritmos e necessidades de
cada pessoa) é cada vez mais importante e viável. Ela se amplia, potencializa e
combina com a aprendizagem colaborativa, em grupos, em redes (presenciais e
online). O planejamento não é feito para os estudantes, mas em conjunto com
eles, chegando a acordos viáveis. O equilíbrio entre a aprendizagem individual,
a grupal e a orientada por pessoas mais experientes propicia uma riqueza ímpar
de oportunidades, caminhos, possibilidades (principalmente em cursos de
formação e de longa duração).
Conclusão
Vivemos um período histórico, de
ruptura e de reinvenção em todas as dimensões da vida e da sociedade, que
desafiam também nossa educação em todos os níveis, básico e superior, formal e
informal, ao longo da vida de todos.
Muitas escolas conseguem fazer um
trabalho digno: valorizam os estudantes, os acolhem, não os deixam para trás.
Boas escolas colocam patamares altos de exigência de resultados e cuidam de que
todos aprendam, mesmo que seja em ritmos diferentes. Muitas outras escolas, no
entanto, com recursos e condições semelhantes, falham no essencial: ensinam de
forma burocrática, desestimulante, ultrapassada.
Sabemos que temos problemas estruturais
graves de formação, remuneração, infraestrutura, base comum, gestão; mas o
problema essencial é humano: gestores e docentes competentes, que conversem
entre si, se ajudem, apoiem e façam o possível para motivar os alunos e
ajudá-los a crescer e evoluir em todos os momentos.
Para transformar nossas Escolas,
Faculdades e Universidades precisamos de coragem e de perseverança. Alguns
projetos ficam pelo caminho, porque, depois de um tempo, algumas pessoas-chave
saem, alguns apoios institucionais se perdem e o impulso inicial se esvai.
As escolas que nos mostram novos
caminhos estão mudando para modelos mais centrados em aprender ativamente com
problemas reais, desafios relevantes, jogos, atividades e leituras, valores
fundamentais, combinando tempos individuais e tempos coletivos; projetos
pessoais de vida e de aprendizagem e projetos em grupo, profundamente ligados
ao entorno. Isso exige uma mudança de configuração do currículo, da
participação dos professores, da organização das atividades didáticas, da
organização dos espaços e tempos. Transformar nossas mentes, as dos estudantes
e suas famílias é um belo desafio que os educadores enfrentamos e que
contribuirá para termos profissionais mais competentes, escolas mais
interessantes e uma sociedade mais evoluída.
Para saber mais
BACICH, L.; TANZI NETO, A. e TREVISANI,
F. Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre:
Penso, 2015.
BERGMANN, J & SAMS, A. A Sala de
Aula Invertida: Uma metodologia ativa de aprendizagem. Rio: LTC, 2016
BUCK INSTITUTE FOR EDUCATION.
Aprendizagem Baseada em Projetos: guia para professores de ensino fundamental e
médio. 2. ed. Porto Alegre: Artmed. 2008.
FUNDAÇÃO TELEFÔNICA. Inovaeduca –
Práticas para quem quer inovar na educação. Disponível em: http://fundacaotelefonica.org.br/wp-content/uploads/pdfs/INOVA-ESCOLA.pdf
GOUVÊA, Tathyana B. O Movimento
Brasileiro de Renovação Educacional no início do Século XX. SP: FE-USP, 2016.
Tese de Doutorado.
HORN, M. B. e STAKER, H. .Blended:
usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação. Porto Alegre: Penso,
2015.
_______________________. Designing a
Blended Learning Program (Projetando um Programa de Blended Learning).
Disponível em http://thejournal.com/Articles/2015/01/28/Designing-a-Blended-Learning-Program.aspx?Page=2
MORAN, J. M. Mudando a educação com
metodologias ativas. In Convergências
Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens. Coleção Mídias
Contemporâneas. 2015 Disponível em http://www2.eca.usp.br/moran/wp-content/uploads/2013/12/mudando_moran.pdf
VALENTE, J. Blended learning e as
mudanças no ensino superior: a proposta da sala de aula invertida. Disponível
em http://www.scielo.br/pdf/er/nspe4/0101-4358-er-esp-04-00079.pdf
WETZEL, M. An update on problem based learning at
Harvard Medical School. Ann Com Orient Educ. 1994;7:237-47
YOUNG DIGITAL PLANET. Educação no
século XXI: Tendências, ferramentas e projetos para inspirar. São Paulo:
Fundação Santillana, 2016. Disponível em: http://new.smartlab.me/baixe-gratis-nosso-livro-educacao-no-seculo-21/
[1] Destino
Educação – Escolas Inovadoras: Canal
Futura: https://www.youtube.com/playlist?list=PLNM2T4DNzmq5hxMqb1TpvSm0Qu6QgqbE.
Outros
materiais de referência importantes: FUNDAÇÃO TELEFÔNICA. Inovaeduca
– Práticas para quem quer inovar na educação. Disponível em: http://fundacaotelefonica.org.br/wp-content/uploads/pdfs/INOVA-ESCOLA.pdf. Destino Educação – Escolas
Inovadoras) https://pt.calameo.com/read/002899327f24def4bc47a e www.youtube.com/playlist?list=PLNM2T4DNzmq5hxMqb1TpvSm0Qu6QgqbE. YOUNG
DIGITAL PLANET. Educação no século XXI: Tendências, ferramentas e
projetos para inspirar. São Paulo: Fundação Santillana, 2016. Disponível
em: http://new.smartlab.me/baixe-gratis-nosso-livro-educacao-no-seculo-21/.
[2] http://www.educacionjesuitas.es/noticias/248-horizonte-2020-un-nuevo-modelo-pedagogico
(resumo) e o detalhamento do projeto está em: http://h2020.fje.edu/es/
[3] http://fundacaotelefonica.org.br/acervo/webserie-mostra-experiencias-inovadoras-de-ensino-no-brasil/
Volta ao mundo em 13 Escolas: http://educacaosec21.org.br/wp-content/uploads/2013/10/131015_Volta_ao_mundo_em_13_escolas.pdf
Escuela XXI – Relatos de viagem a escolas
inovadoras – Alfredo Hernando – Espanha: http://www.escuela21.org/
As 11 escolas mais incríveis do mundo: http://hypescience.com/escolas-mais-incriveis-do-mundo/
http://uniamerica.br/
[4]
Tathiana GOUVÊA. Educação Fora da Caixa: conheça escolas onde o aprendizado vai
muito além da lousa e do caderno . http://www.hypeness.com.br/2015/01/como-iniciativas-de-educacao-inovadoras-buscam-transformar-o-ensino-no-brasil/
[5]
O diálogo entre arquitetura, escola e
cidade. http://porvir.org/dialogo-entre-arquitetura-escola-cidade/. Designing for Student-Centered Learning -
Norma Rose Point School community in Vancouver, British Columbia. https://www.youtube.com/watch?v=yBFc_3apnZ4
[6] Aprendizagem-Serviço
- http://www.ulacit.ac.cr/files/archivos/VSE/Libro%20Aprendizaje%20en%20Servicio%20Version%20Digital.pdf
Texto atualizado
do meu livro A Educação que desejamos:
novos desafios e como chegar lá.
Cap. 6. 6ª
Reimpressão. Campinas: Papirus, 2016. Páginas 145-165. Disponível em
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