Novos modelos de sala de aula
A sala de aula tradicional é
asfixiante para todos, principalmente para os mais novos. Está trazendo
pressões insuportáveis para todos: Crianças e jovens insatisfeitos, professores
estressados e doentes, porque há questões mais profundas que exigem novos
projetos pedagógicos. Insistimos num modelo ultrapassado, centralizador, autoritário
com professores mal pagos e mal preparados para ensinar um conjunto de
assuntos, que os destinatários – os alunos – não valorizam. Se não mudarmos o
rumo rapidamente, caminhamos para tornar a escola pouco interessante,
relevante, só certificadora.
Não basta aumentar o número de
horas na escola (período integral) se mantivermos uma estrutura fragmentada de
ensinar cada assunto, matéria, área de conhecimento. Quando insistimos em
melhorar os processos sem mudar o modelo convencional, ele não nos serve para
um mundo que exige pessoas muito mais competentes em lidar com a mudança, com a
complexidade, com a convivência em projetos diferentes e com pessoas de
culturas e formações diferentes. A escola padronizada, que ensina e avalia a
todos de forma igual e exige resultados previsíveis, ignora que a sociedade do
conhecimento é baseada em competências cognitivas, pessoais e sociais, que não
se adquirem da forma convencional e que exigem proatividade, colaboração,
personalização e visão empreendedora.
A sala de aula se amplia, dilui,
mistura com muitas outras salas e espaços físicos, digitais e virtuais,
tornando possível que o mundo seja uma sala de aula, que qualquer lugar seja um
lugar de ensinar e de aprender, que em qualquer tempo possamos aprender e
ensinar, que todos possam ser aprendizes e mestres, simultaneamente, dependendo
da situação, que cada um possa desenvolver seu ambiente pessoal de aprendizagem
(PLE) compartilhando-o com outros e neste compartilhamento, enriquecendo-se
mutuamente.
Este novo cenário pressiona o
conceito de sala de aula tradicional. Não é necessário ir sempre a um mesmo
lugar para aprender, não precisamos estar sempre com um especialista para
aprender, e mesmo quando estamos num espaço convencional como a sala de aula,
podemos modificar o que acontece nela: a utilização do espaço de diversas
formas, a diversificação de atividades (individuais, grupais e coletivas), as
analógicas e as digitais, as de profunda interação física e as de profunda
interação virtual.
É impossível hoje falar das
diferentes salas de aula porque o que está mudando é o mundo, o acesso e
compartilhamento de informações e construção individual e coletiva do
conhecimento. Se mudamos como aprendemos a sala de aula, esta nunca será mais a
mesma (mesmo quando não muda de lugar).
Modelos de sala de aula dependem
do modelo pedagógico escolhido: Modelos mais convencionais e mais inovadores,
mais centrados no professor ou no aluno, com pouca tecnologia ou com mais
tecnologia. Há novos modelos que fazem mudanças progressivas, chamadas
incrementais e há modelos mais disruptivos.
Em educação – em um período de
tantas mudanças e incertezas - não devemos ser xiitas e defender um único
modelo, proposta, caminho. Trabalhar com modelos flexíveis com desafios, com
projetos reais, com jogos e com informação contextualizada, equilibrando
colaboração com a personalização é o caminho mais significativo hoje, mas pode
ser planejado e desenvolvido de várias formas e em contextos diferentes.
Podemos ensinar por problemas e projetos num modelo disciplinar e em modelos
sem disciplinas; com modelos mais abertos - de construção mais participativa e
processual - e com modelos mais roteirizados, preparados previamente, mas
executados com flexibilidade e forte ênfase no acompanhamento do ritmo de cada
aluno e do seu envolvimento também em atividades em grupo.
Salas de aula em
modelos educacionais mais inovadores
As escolas que nos mostram novos
caminhos estão mudando o modelo disciplinar por modelos mais centrados em
aprender ativamente com problemas, desafios relevantes, jogos, atividades e
leituras, combinando tempos individuais e tempos coletivos; projetos pessoais e
projetos de grupo. Isso exige uma mudança de configuração do currículo, da
participação dos professores, da organização das atividades didáticas, da
organização dos espaços e tempos.
Um dos muitos modelos
interessantes para pensar como organizar a “sala de aula” de forma diferente é
olhar para algumas escolas inovadoras. Por exemplo os projetos das escolas
Summit (Summit Schools) da California equilibram tempos de atividades
individuais, com as de grupo; sob a supervisão de dois professores, de áreas
diferentes (humanas e exatas) que se preocupam com projetos que permitam
olhares abrangentes, integradores, sem disciplinas. Acompanham o progresso de
cada aluno (toda sexta feira conversam individualmente com cada aluno). Os
alunos fazem avaliações quando se sentem preparados.
O ambiente físico das salas de
aula e da escola como um todo também precisa ser redesenhado dentro desta nova
concepção mais ativa, mais centrada no aluno. As salas de aula podem ser mais
multifuncionais, que combinem facilmente atividades de grupo, de plenário e
individuais. Os ambientes precisam estar conectados em redes sem fio, para uso
de tecnologias móveis, o que implica em ter uma banda larga que suporte
conexões simultâneas necessárias.
As escolas como um todo precisam
repensar esses espaços tão quadrados para espaços mais abertos, onde lazer e
estudo estejam mais integrados. O que impressiona nas escolas com desenhos
arquitetônicos e pedagógicos mais avançados é que os espaços são mais amplos,
agradáveis. Há escolas mais em contato com a natureza, que tem vantagens
inegáveis para projetos de ecologia de aprendizagem mais integral, mas também
há projetos urbanos muito estimulantes como os do Projeto Gente da Secretaria
Municipal do Rio de Janeiro, em que os alunos estão em grupos e os professores
circulam entre eles como orientadores.
Também no Rio e Recife temos as
escolas públicas do projeto NAVE - o Colégio Estadual Leite Lopes, no Rio,
participa do Projeto Nave – Núcleo Avançado de Educação – que utiliza as
tecnologias para capacitar alunos do ensino médio para profissões no campo
digital. São espaços grandes, com pátios onde lazer e pesquisa se misturam.
Colegio Estadual http://www.oifuturo.org.br/educacao/nave/
Os impactos positivos do programa
vêm sendo colhidos também nas avaliações realizadas pelo Exame Nacional do
Ensino Médio (Enem). Nos resultados divulgados nas duas últimas edições do
exame, o Colégio Estadual José Leite Lopes foi o 1º lugar das escolas ligadas à
Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC-RJ), resultado também alcançado pela
Escola Técnica Estadual Cícero Dias, 1ª colocada entre as escolas de Pernambuco
vinculadas à Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco (SEEP).
Outro conjunto de escolas
interessantes são as escolas públicas High Tech High que lembram laboratórios
multiuso, onde os alunos vão da ideia à realização e apresentação dos seus
projetos, com apoio de ferramentas físicas e digitais, entre elas as
impressoras 3-D.
Mesmo escolas sem tantas
tecnologias, quando têm projetos pedagógicos mais avançados, modificam o
conceito de sala e de espaço. Uma escola municipal como a Amorim Lima de São
Paulo, criam salas maiores para que alunos de vários anos possam participar em
grupos.
Salas de aula em modelos educacionais disciplinares
Podemos fazer mudanças progressivas
na direção da personalização, colaboração e autonomia ou mais intensas ou
disruptivas. Só não podemos manter o modelo tradicional e achar que com poucos
ajustes dará certo. Os ajustes necessários – mesmo progressivos - são
profundos, porque são do foco: aluno ativo e não passivo, envolvimento profundo
e não burocrático, professor orientador e não transmissor.
No modelo disciplinar, precisamos
“dar menos aulas” e colocar o conteúdo fundamental na WEB, elaborar alguns
roteiros de aula em que os alunos leiam antes os materiais básicos e realizem
atividades mais ricas em sala de aula com a supervisão dos professores.
Misturando vídeos e materiais nos ambientes virtuais com atividades de
aprofundamento nos espaços físicos (salas) ampliamos o conceito de sala de
aula: Invertemos a lógica tradicional de que o professor ensine antes na aula e
o aluno tente aplicar depois em casa o que aprendeu em aula, para que,
primeiro, o aluno caminhe sozinho (vídeos, leituras, atividades) e depois em
sala de aula desenvolva os conhecimentos que ainda precisa no contato com
colegas e com a orientação do professor ou professores mais experientes.
Professores na sua disciplina
podem organizar com os alunos no mínimo um projeto importante na sua
disciplina, que integre os principais assuntos da matéria e que utilize
pesquisa, entrevistas, narrativas, jogos como parte importante do processo. É
importante que os projetos estejam ligados à vida dos alunos, às suas
motivações profundas, que o professor saiba gerenciar essas atividades,
envolvendo-os, negociando com eles as melhores formas de realizar o projeto,
valorizando cada etapa e principalmente a apresentação e a publicação em um
lugar virtual visível do ambiente virtual para além do grupo e da classe.
Um dos modelos mais interessantes
de ensinar hoje é o de concentrar no ambiente virtual o que é informação básica
e deixar para a sala de aula as atividades mais criativas e
supervisionadas. É o que se chama de
aula invertida. A combinação de aprendizagem por desafios, problemas reais,
jogos, com a aula invertida é muito importante para que os alunos aprendam
fazendo, aprendam juntos e aprendam, também, no seu próprio ritmo. Os jogos e
as aulas roteirizadas com a linguagem de jogos cada vez estão mais presentes no
cotidiano escolar. Para gerações acostumadas a jogar, a de desafios,
recompensas, de competição e cooperação é atraente e fácil de perceber.
Muitas escolas e professores
preferem neste momento manter os modelos de aulas prontas, com roteiros
definidos previamente. Dependendo da qualidade desses materiais, das atividades
de pesquisa e projetos planejados e da forma de implementá-los (adaptando-os à
realidade local e com intensa participação dos alunos) podem ser úteis, se não
são executados mecanicamente. Um bom professor pode enriquecer materiais
prontos com metodologias ativas: pesquisa, aula invertida, integração sala de
aula e atividades online, projetos integradores e jogos. De qualquer forma
esses modelos precisam também evoluir para incorporar propostas mais centradas
no aluno, na colaboração e personalização.
Todas as escolas podem
implementar o ensino híbrido, misturado, tanto as que possuem uma infraestrutura tecnológica
sofisticada como as mais carentes. Todos os professores, também. Em escolas com
menos recursos, podemos desenvolver projetos significativos e relevantes para
os alunos, ligados à comunidade, utilizando tecnologias simples como o celular,
por exemplo, e buscando o apoio de espaços mais conectados na cidade. Embora ter boa infraestrutura e recursos traz
muitas possibilidades de integrar presencial e online, conheço muitos
professores que conseguem realizar atividades estimulantes, em ambientes
tecnológicos mínimos.
As escolas mais conectadas podem
fazer uma integração maior entre a sala de aula, os espaços da escola e do
bairro e os espaços virtuais de aprendizagem. Podem disponibilizar as
informações básicas de cada assunto, atividade ou projeto num ambiente virtual
(Moodle, Desire2Learn, Edmodo e outros) e fazer atividades com alguns tablets,
celulares ou ultrabooks dentro e fora da sala de aula, desenvolvendo narrativas
“expansivas”, que se conectam com a vida no entorno, com outros grupos, com
seus interesses profundos.
Podem inverter o modelo
tradicional de aula, com os alunos acessando os vídeos e materiais básicos
antes, estudando-os, dando feedback para os professores (com enquetes, pequenas
avaliações rápidas, corrigidas automaticamente). Com os resultados, os
professores planejam quais são os pontos mais importantes para trabalhar com
todos ou só com alguns; que atividades podem ser feitas em grupo, em ritmos
diferentes e as que podem ser feitas individualmente.
As tecnologias permitem o
registro, a visibilização do processo de aprendizagem de cada um e de todos os
envolvidos. Mapeiam os progressos, apontam as dificuldades, podem prever alguns
caminhos para os que têm dificuldades específicas (plataformas
adaptativas). Elas facilitam como nunca
antes múltiplas formas de comunicação horizontal, em redes, em grupos,
individualizada. É fácil o compartilhamento, a coautoria, a publicação,
produzir e divulgar narrativas diferentes. A combinação dos ambientes mais
formais com os informais (redes sociais, wikis, blogs), feita de forma
inteligente e integrada, nos permite conciliar a necessária organização dos
processos com a flexibilidade de poder adaptá-los à cada aluno e grupo.
Conclusão
Os processos de organizar o
currículo, as metodologias, os tempos e os espaços precisam ser revistos. Isso
é complexo, necessário e um pouco assustador, porque não temos modelos prévios
bem sucedidos para aprender de forma flexível numa sociedade altamente
conectada.
É possível manter a “sala de
aula” se o projeto educativo é inovador,- currículo, gestão competente, metodologias ativas, ambientes físicos e
digitais atraentes - se a escola tem
professores muito bem preparados para saber orientar alunos e onde estes se
sentem protagonistas de uma aprendizagem rica e estimulante. Sabemos que no
Brasil temos inúmeras deficiências históricas, estruturais, mas os desafios são
muito maiores porque insistimos em atualizar-nos dentro de modelos previsíveis,
industriais, em caixinhas. Poderemos ter melhores resultados, sem dúvida, e
mesmo assim não estarmos preparados para este mundo que está exigindo pessoas e
profissionais capazes de enfrentar escolhas complexas, situações diferentes,
capazes de empreender, criar e conviver em cenários em rápida transformação.
Todos os processos de organizar o
currículo, as metodologias, os tempos, os espaços precisam ser revistos e isso
é complexo, necessário e um pouco assustador, porque não temos modelos prévios
bem sucedidos para aprender. Estamos sendo pressionados para mudar sem muito
tempo para testar. Por isso é importante que cada escola defina um plano
estratégico de como fará estas mudanças. Pode ser de forma mais pontual
inicialmente, apoiando professores, gestores e alunos – alunos também e alguns pais – que estão mais
motivados e tem experiências em integrar o presencial e o virtual. Podemos
aprender com os que estão mais avançados e compartilhar esses projetos,
atividades, soluções. Depois precisamos pensar mais estruturalmente para
mudanças em um ano ou dois. Capacitar coordenadores, professores e alunos para
trabalhar mais com metodologias ativas, com currículos mais flexíveis, com
inversão de processos (primeiro atividades online e depois, atividades em sala
de aula). Podemos realizar mudanças incrementais, aos poucos ou, quando
possível, mudanças mais profundas, disruptivas, que quebrem os modelos
estabelecidos. Ainda estamos avançando muito pouco em relação ao que
precisamos.
Para saber mais:
MASSETO, Marcos. Competência
pedagógica do professor universitário. 2ª Ed. São Paulo: Summus, 2012 e Novas
Tecnologias e Mediação Pedagógica (com Behrens e Moran). 21ª ed Campinas:
Papirus, 2013.
MORAN, José Manuel. A educação que desejamos: novos desafios e
como chegar lá. 5ª Ed. Campinas: Papirus, 2012
________________. Educação
Humanista Inovadora. www2.eca.usp.br/moran
Silicon Schools. O ato de ensinar
em um ambiente de ensino híbrido - repensando o papel do professor. Disponível em
https://pt.khanacademy.org/partner-content/ssf-cci/sscc-teaching-blended-learning
Texto meu disponível em http://www2.eca.usp.br/…/w…/uploads/2013/12/modelos_aula.pdf
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