Construindo uma vida mais plena
O grande projeto da nossa vida é conseguir ampliar progressivamente nossa visão, conhecimento, emoções e valores, construindo um percurso cada vez mais equilibrado, estimulante, libertador e realizador em todos os campos e atividades. Pela educação podemos avançar no nosso desenvolvimento, aprendendo a perceber mais longe, com mais profundidade e de forma mais abrangente, dentro e fora de nós.
Quando mantemos o foco no desenvolvimento pessoal integral, de forma constante e consciente, conseguimos realizar melhores escolhas em todos os campos e também revê-las, quando se mostram inadequadas ou superadas. De um lado continuamos abertos a novas mensagens, pessoas, atividades. De outro, filtramos o que percebemos como mais conveniente em cada momento, que interações são mais significativas, que ações nos ajudam a evoluir más. É um processo delicado e contraditório, riquíssimo, de observação atenta interna e externa, de escolhas possíveis em cada etapa e campo de atuação, de revisão da coerência entre nossa visão e ação, entre nossos desejos e a sua concretização, entre nossos sonhos e realizações.
É um processo incerto, instável, não linear. Cada escolha descarta muitas outras, nos enriquece e empobrece ao mesmo tempo. Algumas decisões se mostram, com o tempo, enriquecedoras; outras, inadequadas. Mas todas – se refletidas - contribuem para ampliar nosso repertório, nos ajudam a dar novos passos e a evitar as mesmas armadilhas. É gratificante acompanhar nosso percurso com algum distanciamento para conseguir ser observadores acurados dos nossos pensamentos, emoções e ações, não desanimando em períodos mais áridos nem deslumbrando-nos com eventuais sucessos.
O processo educativo nos impulsiona para frente, mas também precisamos estar atentos para também olhar para o nosso passado, principalmente para os nossos primeiros anos de vida e reexaminar com cuidado o que ainda faz sentido e o que é incongruente com o nosso estágio de desenvolvimento atual. Aprender implica também em desaprender. Muito do que nos foi ensinado quando crianças pode ter-se tornado hoje excessivamente simplista, maniqueísta ou opressor. Pela reflexão e a conscientização podemos libertar-nos progressivamente de injunções, valores, roteiros de vida incoerentes e sufocantes. A libertação do passado nos permite realizar avanços consistentes, descartando o lastre e mantendo o essencial. Assim viajamos mais leves, livres e esperançosos.
A educação pessoal consciente é um processo complexo, tenso, contraditório e permanente de tornar nossa vida mais rica, impactante e equilibrada entre conhecer, sentir, comunicar-nos e agir, ampliando a percepção de múltiplas camadas da realidade, a capacidade de acolher e amar, de enfrentar situações mais complexas e desafios mais fascinantes.
O maior desafio nosso é avançar sempre na direção de sermos pessoas mais perceptivas, sensíveis, afetivas, realizadoras e realizadas, na contramão de muitas visões materialistas, egoístas ou narcisistas. De pouco adianta saber muito e ter um currículo espetacular, se permanecemos como pessoas medíocres, invejosas, egoístas.
Aprendemos de forma distorcida quando focamos demais um só objetivo muito específico e deixamos de olhar o contexto, o todo. Podemos ser eminentes em um campo e nanicos em outros. É fácil hoje focar demais o profissional em detrimento do familiar ou supervalorizar ter muitos bens ou poder. Aprendemos pouco quando nos acomodamos na rotina, na segurança da previsibilidade e não nos esforçamos para evoluir mais. Comprometemos nosso processo de crescimento pessoal quando desenvolvemos esquemas de simulação, aparentando o que não somos, mostrando-nos de um jeito diferente ao que percebemos, sentimos e acreditamos. Aprendemos pouco quando desistimos de perseverar na atitude de querer crescer mais, de compreender melhor, de sermos mais sensíveis, afetivos e de tentar as mudanças possíveis em cada momento.
A educação é eficaz quando nos ajuda a enfrentar as crises, as etapas de incerteza, de decepção, de fracasso em qualquer área e a encontrar forças para avançar e achar novos caminhos de realização.
A educação é eficaz, no longo prazo, quando ao olhar para trás, conseguimos perceber que avançamos, no meio de contradições, desvios e incertezas e que conseguimos um equilíbrio maior entre nossas idéias, emoções, valores e realizações.
Aprendendo em cada etapa de nossa vida
Em cada etapa da vida desenvolvemos aprendizagens diferentes e, quanto mais avançamos em idade, mais claramente mostramos o grau de coerência do nosso percurso, a qualidade das nossas interações, a maturidade das nossas escolhas, a riqueza dos sentimentos, emoções e valores.
A infância e a juventude são fases de intensas descobertas, de tentativas sucessivas de encontrar sentido, de construção de uma identidade ainda muito contraditória, de experimentação e avaliação dos diversos espaços pessoais, emocionais, profissionais e sociais. A família, a escola e os diversos grupos com os quais as crianças e jovens interagem passam-lhe seus valores, conhecimentos, visões de mundo, práticas sociais. Há muitos caminhos possíveis, apesar das muitas certezas “definitivas” que podem se desmanchar mais adiante. É difícil avaliar o que é sólido, permanente e o que é temporário e superficial.
Na idade adulta aprendemos a consolidar nossa forma de pensar, sentir, amar e agir em todos os campos – o intelectual, o emocional, o profissional. Consolidam-se algumas tendências, escolhas, práticas. Algumas opções podem – ou não - ser mais duradouras: uma nova família, consolidação da carreira profissional. Mas ainda podem ser circunstanciais ou inconsistentes: podemos estar num trabalho provisório, por necessidades econômicas ou para manter uma família e adiar sonhos ou descobrir competências adormecidas. É uma etapa de consolidação da personalidade, de mostrar o que aprendemos nas fases anteriores, de construção de relacionamentos mais sólidos, de ampliação das competências profissionais. Algumas decisões ou indecisões podem ser muito ambíguas, fortuitas. Podemos justificá-las, ao menos em parte, por motivos razoáveis, momentaneamente, mas que podem esconder medos ou acomodações, mais perceptíveis no longo prazo.
Na maturidade revelamos mais claramente o que faz sentido para nós, o que nos motiva. Nossa forma de ver o mundo e de agir tornam-se mais previsíveis. Temos muitas experiências como referência; conhecemos nossos pontos fortes e fracos. Mostramos mais claramente até onde evoluímos; o que nos prende, oprime e o que nos realiza; nossos pontos fortes e fracos; o que conseguimos e o que abandonamos no caminho.
A maturidade pode ser uma etapa muito rica de realizações e aprendizagens. Podemos consolidar o que vale a pena, refazer o que nos perturba, buscar novos desafios. A maturidade – dependendo de como se encare - pode ser uma etapa de grandes sínteses, revisões e de novas aprendizagens. Como hoje vivemos mais do que antes, muitos conseguem refazer sua vida afetiva, com os filhos já encaminhados, e se permitem encontrar novos parceiros se uma relação ficou sem sentido. Outros retomam projetos postergados em períodos passados (cursos, hobbies, atividades) e conseguem uma motivação inesperada para realizá-los. Infelizmente são também muitos os que se acomodam e renunciam a novos vôos, se fecham em seu mundinho pequeno, desconfiam mais do que confiam, se amedrontam e escondem. Pagam o preço da sua desistência em retrocessos, mediocridade, auto-centramento, medos e doenças.
A velhice é a etapa da vida mais desafiadora. Apesar de vivermos mais, acentua-se lentamente o declínio físico, às vezes o mental e é inevitável questionar-se sobre o que fazer nesta fase de aproximação inexorável do fim. Como encontrar motivação para viver, quando tudo conspira contra a vida? Vale a pena continuar motivado para aprender? Faz sentido fazer projetos para um amanhã tão incerto? Não seria melhor acomodar-se, entregar os pontos, resignar-se sem esperança? Podemos realizar-nos com a aproximação inexorável da morte? Quando mais novos sabemos que podemos falecer, mas a situação normal é de que temos ainda muito tempo pela frente. Quando somos idosos, é uma questão de mais ou menos tempo, a morte se aproxima cada vez mais e só conseguimos driblá-la parcialmente. Uma das questões mais difíceis de abordar na nossa sociedade é a aprendizagem de viver com dignidade e realização essa última etapa da vida. Tudo é feito para destacar a juventude e esquecer a morte. As pessoas sabem que isso acontecerá, mas preferem virar-lhe as costas, curtir o presente e esconder a cabeça para pensar nela o mínimo possível.
Pessoalmente encontrei sentido para continuar motivado, nesta fase complexa da vida, no exemplo e palavras do psicólogo humanista Carl Rogers. Com mais de 80 anos, famoso e respeitado no mundo inteiro, ele afirmava que, apesar do seu declínio físico, encontrava uma grande motivação e alegria em continuar aprendendo, revendo suas idéias, suas certezas e em poder ser útil para muitas pessoas. Isso me confirmou que era possível e valia a pena encarar o futuro com mais confiança e esperança.
Ter ideais motrizes, orientados para o futuro – vivendo plenamente no presente – nos ajuda a direcionar nossa vida. Servem como centro unificador de uma sequência de atividades aparentemente sem conexão, como foco que organiza leituras, reflexões, práticas, expectativas. As pessoas, que estabelecem um diálogo rico entre seus ideais e sua concretização possível no cotidiano, tendem a fazer avanços mais consistentes, a enfrentar as dificuldades que aparecem, não desanimando nos períodos mais obscuros e, no conjunto, se realizam mais.
O ideal nos impulsiona a seguir, até onde nos for possível, também na fase final da vida. Mantém viva a esperança, orienta nossas pequenas ações, costura os diversos momentos e atividades. Quem não tem um ideal motivador procura o que fazer, em que se ocupar, como se entreter, mas sem direcionamento parece que está preenchendo espaços, ocupando o tempo, buscando o que fazer. O outro faz as mesmas coisas, com sentido e foco.
É importante aprender a envelhecer com dignidade, coragem e paz, continuando a evoluir como pessoas, como profissionais, como pais, companheiros, cidadãos, cada dia, enquanto tivermos forças, até o fim.
Conclusão
O desafio mais interessante da nossa vida é transformá-la – no meio de contradições e através de um processo paciente, afetivo e perseverante de aprendizagem – em evolução crescente e realização mais plena.
Enquanto uns avançam na consciência da aprendizagem e na motivação de evoluir na vida, outros se distraem, perdem o foco ou desistem. Cada um tem suas circunstâncias, suas razões, faz as escolhas que lhe são possíveis em cada momento. Só que a qualidade das escolhas depende de muitas decisões tomadas ao longo de muitos anos.
Infelizmente muitas pessoas desistem de fazer avanços significativos, se acomodam em rotinas fáceis, privilegiam o lazer imediatista e isso tem conseqüências no longo prazo. Procuram fora de si motivos para continuar vivendo: em momentos de entretenimento, de ocupação, de sobrevida. Aprendem pouco com o cotidiano: são como náufragos, a deriva, que só pensam em continuar vivos. “Vão levando”, contentando-se com suas expectativas mínimas, com suas receitas repetidas, com o arroz e feijão básicos, sem degustar tantos outros manjares possíveis.
Cada etapa da vida é única, diferente e fascinante, que nos permite avançar – no meio de contradições - na ampliação da nossa percepção, conhecimento, valores, emoções e atitudes. Esse é um dos maiores encantamentos que a vida nos oferece: o de poder evoluir, crescer e tornar-nos pessoas mais interessantes, equilibradas e realizadas, apesar das freqüentes dificuldades e incertezas que experimentamos. Vale a pena manter sempre nossa atitude atenta para aprender mais, para ampliar a comunicação entre o mundo exterior e o nosso mundo interior, para avançar na integração cada vez maior entre as dimensões intelectuais, emocionais e éticas das nossas vidas.
Em todos os momentos, nos diferentes espaços em que nos movemos, em todas as situações que vivenciamos podemos aprender muito ou pouco, evoluir mais ou menos como pessoas, dependendo da atitude profunda que orienta nossa vida. Se estivermos mais atentos para aprender com tudo o que nos rodeia, refletindo mais sobre o que nos acontece, estando sempre abertos a relacionar-nos melhor com os que estão ao nosso lado, constataremos significativos avanços em todas as dimensões: pessoal, profissional, familiar, social.
Comentários
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Irivan
Encantador seu artigo "Como envelhecer" . vou compartilhar. Que contribuição..
Obrigada,
Neuza