O aparente e o real no mundo digital

Cada vez é mais difícil perceber o que é real e o que aparente. Os afetos verdadeiros dos movidos por outros interesses. É difícil separar o que é divulgação de exibicionismo, no mundo físico e no digital. Blogs são ótimos para divulgação, mas vemos tanto exibicionismo, tanta necessidade de se mostrar!. Parece que se não nos percebem, não existimos. E que se não bisbilhotamos a vida dos outros, nos falta algo.

Estamos, sem dar-nos conta, mais voltados para fora de nós do que para nós mesmos. Agitamo-nos, olhando-nos o tempo todo no espelho dos outros. É importante ter retornos, mas não a qualquer preço e, principalmente, não forçando o que não somos, violentando nosso jeito de ser, querendo aparentar o que não é autêntico em nós.

Há uma mudança de ênfase hoje na divulgação da intimidade. Todos tínhamos um lado público, que se expressava mais no profissional e nos diversos ambientes sociais nos quais nos movíamos. Havia também um ambiente privado, o familiar, o pessoal, muitas vezes indevassável, desconhecido pela maioria.

Agora com as redes sociais, os blogs, o Youtube, o Twitter e tantas outras possibilidades de divulgar e ver em tempo real, não há quase distinção entre o público e o privado, entre o que é real e o que é aparente. Há uma febre por divulgar-se, autopromover-se, mostrar-se o tempo todo e ao mesmo tempo por xeretar a vida dos outros, por compartilhar e bisbilhotar ao mesmo tempo, cujas manifestações mais paradigmáticas hoje são os reality shows, os Big Brothers. O Twitter é uma rede social de comunicações curtas, nervosas, que mostra a banalidade do cotidiano. E se formam redes de pessoas que acompanham essas mensagens, e que monitoram cada passo que divulgamos.

Cada vez agimos mais para nos mostrar do que para nos esconder. Se sabemos que vamos ser vistos, lidos ou bisbilhotados nosso comportamento não será “autêntico”, será direcionado para o espetáculo do voyeurismo. Quando sabemos que há câmeras nos filmando passamos a atuar, de alguma forma. As câmeras, as telas que nos mostram orientam nosso dia a dia, como protagonistas ou consumidores de informação, como criadores de mensagens ou como observadores da vida alheia.

Muitos devem olhar para este texto como se fosse saudosista, como se não compreendesse que estamos em época de grandes mudanças, que as pessoas gostam de criar grandes redes de amigos virtuais, e que toda essa efervescência é natural, dada a facilidade de tornar-se visível e a necessidade de sermos valorizados.

Entendo perfeitamente esta efervescência. Preocupa-me o que está por baixo do frenético movimento destas trocas virtuais. Estamos tendo tempo para nós? para conhecer-nos de verdade? Para selecionar melhor, refletir, aprofundar, avaliar o que vale a pena entre tantas possibilidades? Encontramos tempo também para as pessoas reais ao nosso lado, com suas contradições e afetos concretos?

Há muitas mudanças acontecendo e não podemos ignorá-las ou condená-las. Só estou chamando a atenção para uma inversão de valores, que pode nos prejudicar como pessoas e sociedade. Não seria melhor depender menos da quantidade de olhares dos outros, e mais da qualidade desses olhares?. Não seria melhor valorizar mais qualidade do que quantidade em tudo? Por que precisamos de centenas ou milhares de amigos virtuais? Não valeria mais a pena cuidar dos poucos amigos verdadeiros que nos acompanham de verdade nos bons e nos maus momentos e que talvez não estão inscritos nas nossas redes digitais? Por que precisamos aparecer sempre e bisbilhotar tanto? Talvez para não encarar a profunda solidão existencial que sentimos quando estamos sós, sem toda essa intrincada parafernália tecnológica que nos sustenta.

O que é real e o que é aparente? Não é fácil distinguir, mas se não acharmos tempo para refletir mais, para valorizar as coisas simples da vida, corremos o risco de agitar-nos demais e de perder nossa identidade no redemoinho efervescente da construção social digital.


Comentários

Anônimo disse…
Oi! Eu estava buscando recursos de variados tipos, à respeito de educação. Fiquei bem feliz quando, ao procurar pelo tag "Aprendendo a mudar", encontrei seu site da ECA. Sou graduando da federal do ABC. Descontente com a realidade cosmética da proposta pedagógica, e avaliando a disponibilidade de tempo para continuar a aprender, a mudar, e propagar mudanças, decidi entrar no curso de licenciatura em matemática aí no IME.Bom... levando em conta que os problemas reais na vida são aqueles que dizem respeito à todos seres humanos, o documentário chamado Zeitgeist: Addendum apresenta uma idéia de problema, que eu, particularmente, não consigo falsear. Uma rápida procura no google revela o site em que foi publicado gratuitamente, com legendas e via video google.
Espero ter contribuído para a sociedade.
Abraços,
de um ser humano
Anônimo disse…
Acabei de conhecer a The New School for General Studies. Grato pela atenção. Eita lasquêra!! Ô empolgação que não acaba!!!

Abraço!!
Patrícia disse…
Olá, tem um selinho do Prêmio Dardos pra você no meu blog!
Mila disse…
Oi Moran!
Tudo bom? Espero que sim.

Nunca me esqueço de uma conversa nossa na Sumaré. Você estava chegando (ou tornando-se diretor) e eu estava deixando minhas aulas depois de 2 anos como professora de TEC 1 e 2 - experiência sensacional
que eu recordo com muito carinho.

Conversávamos pelo corredor, você perguntando, querendo saber mais sobre o que eu fazia, minha trajetória, sobre as aulas, até que você me perguntou: E você não tem um blog para registrar tudo isso, para compartilhar?
E eu respondi: não. Essa sua pergunta ficou comigo durante muito tempo.

Bom, essa conversa aconteceu em 2006. Até aqui uns 3 anos já se foram. Ano passado eu ensaiei e esse ano, definitivamente, decidi alimentar sim um blog. E tem sido uma experiência interessante. Ainda estou começando. Se puder, vá conhecê-lo. www.educa-net.blogspot.com

Inquietante esse seu texto sobre o exagero da "bisbilhotice" e da necessidade de "publicizar-se". Vou refletir a respeito.

Um abraço e até breve,
Mila
Deveraneios disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Deveraneios disse…
Oi, Moran!
Também vou refletir sobre seu texto. É que resolvi ter um blog querendo publicar textos, crônicas. E quero muito que as pessoas leiam. No entanto, sei que exponho muito meus sentimentos pessoais. Mas... Um escritor, mesmo medíocre, não quer ser lido? Ou existem limites para o que escrevemos ?
Um abraço,
Patrícia disse…
Oi, professor! Tem um selinho no meu blog pra vc!
José Moran disse…
Mila, Patrícia, André e demais amigos:
Demorei para escrever. Mila gostei do seu blog. Vou acompanhá-lo mais de perto e, também, escrever com mais regularidade. É que há períodos mais de ação e outros de reflexão, alguns em que estamos mais ocupados e outros em que encontramos mais tempo para escrever sobre o que aprendemos.
Abraços
Moran
Olá professor, gostei muito de seu blog parabéns, é tão bom quando agente encontra pessoas inteligentes e que sabem escrever, pensar, agir com coerencia.
Sou Psicóloga e gosto deste tema virtual, temos que entender melhor nossa modernidade e comportamentos que mudam com ela rs...
Abraços

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