Educação pessoal libertadora

Além das dimensões sociais, o objetivo último da educação é contribuir para a mudança e realização pessoais. Todas as formas de educação – familiar, escolar, profissional, informal, continuada – procuram que cada de um de nós consiga aprender a desenvolver-se como pessoa em cada fase das nossas vidas. E podemos avaliar esse processo pelo impacto e resultados que conseguimos pessoalmente: O quanto cada um de nós gosta de estar sempre aprendendo, evoluindo, praticando, melhorando intelectualmente, emocionalmente, comportamentalmente. O investimento em educação terá valido a pena se cada um de nós se transforma em uma pessoa interessante, afetiva, colaborativa, criativa, realizada. Terá valido a pena se construímos percursos de vida significativos, com contribuições perceptíveis no campo pessoal, familiar, profissional e social.

Quando vejo tantas pessoas escolarizadas, dando tanto valor a futilidades, a múltiplas aparências, sacrificando-se na ânsia de possuir mais bens, agitando-se nas borbulhas de qualquer distração, satisfeitas na superficialidade de ritos repetidos e, provavelmente, vazios, percebo que a educação de alguma forma falhou, mesmo que formalmente elas tenham obtido muitos diplomas e sejam, em alguns aspectos, bem sucedidas.

Na educação pessoal precisamos olhar o todo, o resultado mais amplo e de longo prazo e não só o sucesso profissional e econômico. As pessoas aprendem a gerenciar bem suas vidas? Aprendem a lidar bem com a complexidade de opções em todos os campos (pessoal, familiar, profissional, social)? Tem condições de analisar idéias, valores, escolhas possíveis tão diferentes, numa sociedade tão contraditória? Conseguem ser criativas, ter independência de pensamento, de resistir à sedução de qualquer novidade, de ser meros alto-falantes de qualquer opinião emitida pela mídia? Conseguem enxergar além das seduções imediatas do consumo, do glamour do mundo das modas, da efervescência juvenil, do deslumbramento com o sucesso fácil? Conseguem ter motivação profunda para viver? Conseguem encontrar uma relativa paz interior e realização autênticas?

Olhando na perspectiva dos resultados pessoais obtidos, a educação social parece bastante pobre e inconsistente. São muitas as pessoas que não acham sentido no que fazem, na forma como vivem, nas tarefas que desempenham. São muitos os que mais sobrevivem do que plenamente vivem. Aprenderam muitas coisas, menos as principais.

É importante pensar na educação que valorize as pessoas, que as liberte dos ditadores das soluções únicas, das imposições autoritárias em qualquer campo, principalmente no emocional. Que ajude a aprender a desconfiar de modelos fechados, de caminhos únicos, de ideologias opressoras, de salvadores messiânicos. Não há soluções perfeitas, acabadas, mas soluções possíveis em cada momento, relativas, parciais, mas cada vez mais amplas, complexas e estimulantes. É importante propor caminhos de aprender a libertar-se, a fazer escolhas cada vez mais libertadoras, ajudados por pessoas-educadoras que caminham também nesse mesmo processo de liberdade.

Educadores são os que contribuem para ajudar-nos a evoluir, a ampliar nossos horizontes em todos os campos e a que possamos fazer escolhas cada vez mais realizadoras, abrangentes e interessantes. Tem pessoas que nos ensinam algumas coisas (e podem ser bons profissionais) e tem outras, que nos ajudam a perceber mais, a ampliar horizontes, a motivar-nos para viver melhor e que torcem pelo nosso sucesso como pessoas; essas, além de bons profissionais, são bons educadores.

Texto complementar do meu livro A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá, da Editora Papirus e disponível em www.eca.usp.br/prof/moran/libertadora.htm

Comentários

Anônimo disse…
Olá professor Moran,
Em seu livro Aprendendo a Viver encontrei uma frase que penso ser fundamental em nossas vidas: "Viver é escolher e renunciar, avaliar e, ao mesmo tempo, reconhecer que nunca temos a certeza das decisões, porque não sabemos o que aconteceria com as outras escolhas que deixamos de lado." De fato, viver é isso, e, como às vezes é difícil optar! É aquela situação, quando você pensa ter todas as respostas a vida muda as perguntas. A educação tem papel fundamental em nossa construção pessoal. A disposição constante para aprender nos torna ativos e nos auxilia na tomada de decisões em nosso dia a dia, bem como em nossos relacionamentos e também nas mudanças que possamos ter que realizar em nossas vidas.
Fiquei imensamente feliz por ter tido a oportunidade de ler seu livro, ele me ajudou muito.
Abraço,
Ligiane
ELILE disse…
Professor Moran,

Obrigado por nos fazer aprender a ensinar. Tomei como fonte inspiradora este texto maravilhoso que nos leva a uma visão do TODO que é o ato de educar (tão grandioso e nobre.
Abraço carinhoso.
Eliane
Anônimo disse…
Não vejo a hora de chegar ao Brasil para poder comprar seus livros e ler com calma. Mas final de ano está chegando e esse não será mais um problema. Essa minha vida de imigrante legal já está com os dias contados.

Esse seu texto me fez lembrar um videozinho que vi semana passada. Ele fala justamente desses valores, que nos são impostos e que muitas vezes aceitamos sem questionamento, como sendo uma grande engrenagem do capitalismo selvagem. Vou deixar aqui o link caso tenha interesse e tempo de ver, pois é grande (21 minutos) e imagino que eres muito ocupado.

http://www.redeastro.com/universodesconexo/?p=483

Um abraço,
Lys
José Moran disse…
Ligiane:
Fico feliz porque o livro Aprendendo a Viver lhe ajudou. Viver realmente é fazer escolhas incompletas, nossas escolhas possíveis, em cada momento. Realmente a educação pode ajudar-nos a fazer escolhas melhores. Felicidades.
grande abraço,
Moran
José Moran disse…
Elile:
Realmente a visão do todo em educação é fundamental.Parabéns pelos seus blogs. Você é muito curiosa e abrangente.
Grande abraço
Moran
José Moran disse…
Lys,
assisti o video e é muito bem feito e nos faz refletir sobre o processo de produção e consumo. Obrigado pela indicação. Quando volta para o Brasil?
Grande abraço
Moran
Anônimo disse…
Olá professor Moran,

Eu volto para o Brasil no dia 6 de dezembro definitivamente. Ainda tinha mais 3 anos de bolsa na The Open University - Inglaterra, mas meu marido acabou de passar em um concurso no IAG-USP e decidimos que voltar seria a melhor opção para nossa família a longo prazo, pois emprego é sempre mais estável que bolsa.

Enfim, ano que vem estarei por aí pela USP de olho em suas palestras e cursos.

Um forte abraço,
Lys
Gosto muito dos artigos de ótima qualidade do seu Blog. Quando for possível dá uma passadinha para ver meu Curso de Informática à Distância
Patrícia disse…
Oi professor! Eu tinha seu blog nos meus favoritos, mas só agora me dei conta de uma coisa... Lembra da Webconferencia no Taller Didáctico da Univesidade Federal de Pelotas em outubro? Eu estava lá!
Abraço!
Daniela Melaré disse…
Estimado professor obrigada pelos seus comentários na minha pagina agradeço a atenção e gostaria de convida-lo para verificar o nosso trabalho na Open University
Http://colearn.open.ac.uk
ABraços Daniela Melaré
José Moran disse…
Lys, Patricia e Daniela:
Obrigado pelos comentários. Vou descansar uns dias na Espanha e depois voltamos com novas idéias. Felizes festas.
Abraço
Moran
ClariceMenezes disse…
Tudo o que eu precisava ler!

Postagens mais visitadas deste blog

A Internet na nossa vida

O papel das metodologias na transformação da Escola

Educação híbrida: um conceito chave para a educação, hoje José Moran