Caminhos para uma educação transformadora
A Educação é transformadora quando ajuda a que cada pessoa se conheça, pense criticamente e atue para tornar-se uma pessoa mais consciente e melhor, individual e coletivamente. É transformadora quando integra conhecimentos, emoções, valores e ação; quando parte da realidade dos aprendizes, promove diálogo, realiza projetos e desenvolve autonomia, empatia e responsabilidade. Uma educação verdadeiramente transformadora começa por uma mudança de foco: do conteúdo para a pessoa.
Não é “dar
aula melhor” apenas, mas ajudar cada estudante a se reconhecer como sujeito da
própria história. Isso implica construir relações de confiança, escuta atenta,
diálogo verdadeiro, em que o professor não é só transmissor, e sim presença,
referência ética e parceiro de caminhada. A transformação profunda nasce desse
encontro humano: quando alguém se sente visto, respeitado e desafiado com
carinho, abre-se para aprender, mudar e sonhar mais alto.
Na educação
viva todos aprendemos e ensinamos de múltiplas formas, em todos os momentos e
em níveis de profundidade mais amplos, dentro e fora da escola e ao longo de
toda a vida. Ela parte da realidade dos aprendizes acolhe suas perguntas e
emoções, dialoga com os grandes temas da existência e com os problemas
concretos do mundo. Numa educação viva, aprender significa experimentar, criar,
relacionar-se, fazer projetos com sentido, integrar conhecimento, valores e
ação. É uma educação que diz “sim” à vida em toda a sua complexidade, ajudando
cada pessoa a se tornar mais consciente, livre, solidária e responsável pelo
seu próprio caminho e pelo bem comum.
Passamos
muitos anos estudando, mas não aprofundamos as questões mais existenciais,
porque são controversas, polêmicas e desagradam aos que querem uma educação
“isenta”, tecnicista e asséptica. A educação deve tratar dos grandes assuntos,
questões, problemas com equilíbrio, abertura e respeito e vivenciar realidades
diferentes das nossas, para sair dos nossos casulos e visões estreitas de
mundo.
Temos que
ensinar a pensar, a entender a diversidade de opções, a experienciar múltiplas
facetas da vida, através da arte, do contato com pessoas diferentes, com
projetos de inclusão reais, projetos de aprendizagem-serviço, que contribuam
para trazer soluções reais para problemas reais. A educação familiar e escolar
precisa ser mais abrangente, enfrentar as questões vitais profundas, não
esconder as doenças e a morte, discutir as diversas filosofias de vida, de
busca de sentido da existência, de perguntar-nos sobre a possível continuidade
da vida, além da morte em todas as escolas, não só nas confessionais. Assumir a escola como aventura, como Paulo
Freire propõe, uma escola que não tem medo do risco, em que se pensa, se fala,
se cria, se ama e que diz “sim” à vida em toda a sua complexidade.[1]
O maior projeto de aprendizagem é aprender a viver, a construir uma vida com sentido e propósito, ampliar o nível de consciência de si mesmo e do mundo, o que implica desaprender e reaprender muitas vezes, revisitar crenças, rever escolhas, fazer uma espécie de “desconstrução criativa” do passado. Todos nós precisamos de tempos de reavaliação, em que nos perguntamos: “O que ainda faz sentido? O que preciso transformar?”. O caminho é nos tornarmos, aos poucos, mais equilibrados, livres e autônomos. Quanto mais avançarmos em conhecimentos, vivências, valores e práticas de vida libertadoras, mais poderemos ajudar nossos alunos, colegas e todas as pessoas que convivem conosco.
Alguns
caminhos
Aprendemos
de verdade quando algo nos interessa, nos encanta e faz sentido. Quando
enxergamos significado, utilidade e relevância, a aprendizagem deixa de ser
obrigação e se torna descoberta. Aprendemos pela emoção, pelo espanto, pela
experimentação pessoal e em grupo, pela reflexão que integra experiência e
pensamento. Aprendemos, sobretudo, pelo exemplo: a “pedagogia do exemplo” é
mais forte do que qualquer discurso. Professores e famílias que vivem aquilo em
que acreditam tornam-se referências silenciosas, mas poderosas, para crianças,
jovens e adultos.
Alguns
caminhos se mostram mais promissores. Um deles é acolhimento e propósito:
gostar de estar com eles, conhecer seus gostos, sonhos, atividades fora da
escola, escutando-os de verdade e com empatia.
Um caminho
essencial é ligar o que se aprende à vida real. Uma educação transformadora
conecta os temas à realidade dos estudantes, aos problemas do bairro, da
cidade, do planeta, e os convida a criar projetos concretos para melhorar algo
ao seu redor. Metodologias ativas, projetos, investigação, arte, cultura,
tecnologia e trabalho colaborativo deixam de ser “moda pedagógica” e passam a
ser meios para que os estudantes pensem, sintam, criem e ajam. O conhecimento
deixa de ser apenas conteúdo decorado para prova e passa a ser ferramenta para
compreender o mundo e transformá-lo.
Superar o
modelo de uma aula igual para todos, sempre do mesmo jeito, para caminharmos em
direção a experiências adaptadas às necessidades de cada estudante. Em vez de
um único ritmo, o professor é um designer de roteiros de aprendizagem
diferentes para estudantes com ritmos e necessidades desiguais. Em vez de uma
única forma de explicar, teremos múltiplas formas de aprender, com apoio da
Inteligência Artificial para sugerir trilhas, propor atividades e acompanhar
processos.
Criar para
estruturar e dar sentido ao que aprenderam.
Autoavaliar-se para tomar consciência do que entendem e do que não
entendem. Sem atividade cognitiva, não há conhecimento; e sem metodologias que
a estimulem, os alunos apenas acumulam informações. Isso se articula com
metodologias ativas e criativas: estratégias pedagógicas centradas na
aprendizagem por descoberta, investigação, desafios, projetos e solução de
problemas, visando um conhecimento mais profundo, níveis de consciência mais
amplos, hoje e em cada etapa da vida. O currículo deixa de ser apenas conteúdo
para “dar” e passa a ser experiência para viver uma vida com maior significado
e plenitude.
Também é
decisivo cuidar das dimensões emocional, ética e espiritual (no sentido de
sentido de vida, propósito, valores), e não apenas do desempenho acadêmico.
Educação transformadora ajuda a desenvolver autoconsciência, empatia,
responsabilidade, convivência, capacidade de escuta e de diálogo com a
diversidade. Isso não se faz com discursos, mas com experiências: rodas de
conversa, mediação de conflitos, cuidado mútuo, participação dos estudantes nas
decisões da escola, projetos de vida. Assim, a escola se torna um laboratório
vivo de cidadania e humanidade.
Dar ênfase
muito maior à educação socioemocional: autoconhecer-se, aprender a meditar, a
mergulhar no presente, a desenvolver a empatia com tudo o que nos rodeia;
desenvolver formas de escuta autênticas, de formas de conviver e participar
ativamente. meditar, viver o hoje, mudar olhar, a perspectiva, grandes questões
para você e para os estudantes.
Os modelos
também se tornam mais flexíveis e personalizados, com diferentes espaços e
formas de participação: momentos individuais, trabalhos em pequenos grupos,
tempos de tutoria, de criação, de silêncio, de exposição e de compartilhamento.
O acesso, o domínio e o uso criativo e equilibrado das tecnologias digitais e
da IA tornam-se parte de uma educação verdadeiramente transformadora, desde que
não percamos de vista a dimensão ética, humanista e ecológica das escolhas que
fazemos.
A escola,
então, precisa colocar muito mais foco em experimentar, vivenciar, fazer,
projetar, criar, interagir e refletir. Ateliês de artes, espaços maker,
projetos STEAM, alternância entre ambientes naturais e digitais, ações de
aprendizagem-serviço e projetos que dialogam com a comunidade aproximam a
escola da vida real. O currículo se torna vivo, em ação, quando o ambiente é
acolhedor o suficiente para que todas as perguntas possam ser feitas –
inclusive as grandes perguntas da existência: de onde viemos, por que estamos
aqui, que legado queremos deixar, o que pensamos sobre a continuidade da vida.
Cada escola
e cada rede têm sua cultura, sua história, sua dinâmica, seus modos de avaliar.
O primeiro passo é conhecer com honestidade onde estamos: o que já fazemos bem,
onde temos deficiências, quais práticas merecem ser fortalecidas e quais
precisam ser revistas. A partir daí, podemos definir alguns caminhos que
integrem o melhor do que já fazemos com novas estratégias viáveis no presente e
outras que possam ser implantadas gradualmente, com mais cuidado e participação
de todos.
Um desafio
importante é aproximar os movimentos educacionais mais humanistas e
ecossustentáveis – que muitas vezes desconfiam das tecnologias mais avançadas –
dos grupos que dominam as tecnologias de IA, mas nem sempre têm a mesma
profundidade humanista, sustentável ou existencial. Em vez de oposição, o que
precisamos é de integração: juntar profundidade humana com competência
tecnológica, ética com inovação, cuidado com o planeta e com as pessoas com o
uso inteligente das novas ferramentas.
A
Inteligência Artificial, articulada com metodologias ativas, abre
possibilidades inéditas. Tendemos a ver um crescimento de modelos mistos, com
mais ou menos interação entre docentes e plataformas digitais, especialmente
nos anos finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio, Técnico e Superior. Já
vemos, por exemplo, mudanças significativas no ensino de línguas, com
aplicativos, tutores virtuais e sistemas de correção em tempo real. A IA pode
apoiar o planejamento de aulas, sugerir atividades, propor estratégias, ajudar
a construir formas de avaliação, organizar resumos, sínteses e relatórios de
grupos, bem como favorecer diferentes níveis de personalização – da simples
individualização de ritmo até trajetórias de aprendizagem mais autônomas e
cheias de escolhas.
Redes de
ensino e escolas começam a construir IAs customizadas, conectadas ao seu
projeto pedagógico. Professores e alunos passam a contar com seus próprios
assistentes virtuais, que apoiam processos de estudo, criação, organização e
reflexão. Ensinar com IA, porém, não é apenas “usar uma ferramenta nova”: é
construir um processo mais abrangente e complexo, ao mesmo tempo flexível,
personalizado, colaborativo e tutorial. A IA traz mudanças profundas, mas a
direção dessas mudanças dependerá dos valores e modelos de cada organização.
Por isso, é urgente enfrentar o descompasso entre a rapidez da evolução
tecnológica e a lentidão da evolução humana: precisamos crescer em consciência
na mesma velocidade em que crescem as máquinas.
As aulas
tendem a mudar bastante. Em muitos contextos, já falamos de “aula invertida
personalizada”: os estudantes interagem previamente com seus tutores virtuais e
com os materiais digitais, e o encontro com o professor ganha outro sentido,
mais dialógico, prático e reflexivo. Em vez de alunos passivos, queremos jovens
que pesquisem em profundidade, argumentem, avaliem, apliquem, dialoguem, criem
e apresentem suas ideias. A IA deve ser ponto de partida, nunca de chegada:
aquilo que ela produz precisa ser questionado, ampliado, contextualizado e
recriado.
Nos modelos
híbridos e digitais, alternamos tempos de trabalho individual, experimentação
em grupo, tutoria digital e mentoria humana – em sintonia com experiências de
redes como a Summit School, adaptadas às nossas realidades. Nesse cenário, os
professores precisam ser excelentes e profundamente humanos para encantar seus
alunos. Mais do que transmissores de conteúdo, tornam-se designers de
experiências, mediadores de relações, orientadores de valores e competências
para a vida.
Já
começamos a perceber algumas mudanças bem concretas: escolas, professores e
estudantes usando plataformas e aplicativos cada vez mais integrados e
personalizados; assistentes virtuais ajudando a organizar rotinas, lembretes e
trilhas de aprendizagem; sistemas que tornam mais visíveis os avanços e
dificuldades de cada participante e de cada segmento. Cresce também o número de
componentes curriculares que incorporam, parcial ou totalmente, o uso
sistemático de IA em suas práticas.
Quando
olhamos mais adiante, vemos que caminhamos para algo próximo de uma
“multiversidade”: ambientes virtuais imersivos para aprender, experimentar,
criar e empreender, com planos de estudo muito mais personalizados e flexíveis,
com diversos itinerários e microcertificações. O desenho curricular se aproxima
de um mapa de transporte público integrado – com metrô, ônibus, trens,
ciclovias – que atende necessidades e percursos diferentes. Em vez de uma única
linha reta, teremos redes de possibilidades. A escola do futuro alterna tempos
individuais, experimentação em grupo, tutoria digital e mentoria humana.
Conclusão
Não há
educação transformadora sem educadores em processo de transformação.
Professores e gestores também precisam de espaços de formação contínua,
reflexão sobre sua própria prática, apoio emocional e condições reais de
trabalho. Quando o educador se sente cuidado, reconhecido e autor da própria
trajetória, ele ganha energia e coragem para inovar, experimentar, errar e
recomeçar. A educação se transforma profundamente quando a escola inteira –
pessoas, tempos, espaços e tecnologias – se organiza em torno de uma pergunta
simples e radical: “Como podemos ajudar cada pessoa a viver com mais
consciência, liberdade, responsabilidade e amor?”
A grande
pergunta, então, é: como garantimos que, nesse emaranhado de caminhos, a
educação continue sendo profundamente humana, criativa, inclusiva e
comprometida com a vida em todas as suas dimensões? O objetivo final é nos
tornarmos progressivamente mais equilibrados, livres, autônomos e solidários.
Quanto mais avançarmos em conhecimentos e práticas de vida libertadoras, mais
ajudaremos a todos que convivem conosco e assim construiremos uma educação mais
transformadora, criativa e, acima de tudo, humana.
Algumas
referências:
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Luciane Blum; COSTA-LOBO, Cristina (org.). Criatividade, educação e inovação
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<https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/778197/2/Tecnologias%20Digitais%20na%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20%E2%80%93%20Vol.%205.pdf>.
Acesso em: 15 nov. 2025.
· DUQUE, Rita de Cássia Soares;
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Ambrósio dos. Educação transformadora: o legado de Paulo Freire na era digital
[recurso eletrônico]. São Paulo: EBPCA – Editora Brasileira de Publicação
Científica Aluz, 2024. Disponível em:
<http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/742687>. Acesso em: 13 nov.
2025.
· FREIRE, Paulo. Pedagogia da
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· LIMA, Maira Aparecida de et al.
Entre o aprender e o viver: a educação como experiência transformadora. Aracê,
v. 7, n. 9, p. e7755, 2025. Disponível em <https://periodicos.newsciencepubl.com/arace/article/view/7755>. Acesso em: 20 nov. 2025
· MORAN, J.; BACICH, L. Metodologias
ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto
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· RAABE, André Luís Alice; GOMES, Alex
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·
SCHEID,
Neusa Maria John. Educação humanizadora em um mundo mediado por tecnologias
digitais da informação e da comunicação. Vivências, Frederico Westphalen, v.
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Acesso em 10 nov. 2025
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