Caminhos para uma educação transformadora


                              José Moran
A Educação é transformadora quando ajuda a que cada pessoa se conheça, pense criticamente e atue para tornar-se uma pessoa mais consciente e melhor, individual e coletivamente. É transformadora quando integra conhecimentos, emoções, valores e ação; quando parte da realidade dos aprendizes, promove diálogo, realiza projetos e desenvolve autonomia, empatia e responsabilidade. Uma educação verdadeiramente transformadora começa por uma mudança de foco: do conteúdo para a pessoa.

Não é “dar aula melhor” apenas, mas ajudar cada estudante a se reconhecer como sujeito da própria história. Isso implica construir relações de confiança, escuta atenta, diálogo verdadeiro, em que o professor não é só transmissor, e sim presença, referência ética e parceiro de caminhada. A transformação profunda nasce desse encontro humano: quando alguém se sente visto, respeitado e desafiado com carinho, abre-se para aprender, mudar e sonhar mais alto.

Na educação viva todos aprendemos e ensinamos de múltiplas formas, em todos os momentos e em níveis de profundidade mais amplos, dentro e fora da escola e ao longo de toda a vida. Ela parte da realidade dos aprendizes acolhe suas perguntas e emoções, dialoga com os grandes temas da existência e com os problemas concretos do mundo. Numa educação viva, aprender significa experimentar, criar, relacionar-se, fazer projetos com sentido, integrar conhecimento, valores e ação. É uma educação que diz “sim” à vida em toda a sua complexidade, ajudando cada pessoa a se tornar mais consciente, livre, solidária e responsável pelo seu próprio caminho e pelo bem comum.

Passamos muitos anos estudando, mas não aprofundamos as questões mais existenciais, porque são controversas, polêmicas e desagradam aos que querem uma educação “isenta”, tecnicista e asséptica. A educação deve tratar dos grandes assuntos, questões, problemas com equilíbrio, abertura e respeito e vivenciar realidades diferentes das nossas, para sair dos nossos casulos e visões estreitas de mundo.

Temos que ensinar a pensar, a entender a diversidade de opções, a experienciar múltiplas facetas da vida, através da arte, do contato com pessoas diferentes, com projetos de inclusão reais, projetos de aprendizagem-serviço, que contribuam para trazer soluções reais para problemas reais. A educação familiar e escolar precisa ser mais abrangente, enfrentar as questões vitais profundas, não esconder as doenças e a morte, discutir as diversas filosofias de vida, de busca de sentido da existência, de perguntar-nos sobre a possível continuidade da vida, além da morte em todas as escolas, não só nas confessionais.  Assumir a escola como aventura, como Paulo Freire propõe, uma escola que não tem medo do risco, em que se pensa, se fala, se cria, se ama e que diz “sim” à vida em toda a sua complexidade.[1]

O maior projeto de aprendizagem é aprender a viver, a construir uma vida com sentido e propósito, ampliar o nível de consciência de si mesmo e do mundo, o que implica desaprender e reaprender muitas vezes, revisitar crenças, rever escolhas, fazer uma espécie de “desconstrução criativa” do passado. Todos nós precisamos de tempos de reavaliação, em que nos perguntamos: “O que ainda faz sentido? O que preciso transformar?”. O caminho é nos tornarmos, aos poucos, mais equilibrados, livres e autônomos. Quanto mais avançarmos em conhecimentos, vivências, valores e práticas de vida libertadoras, mais poderemos ajudar nossos alunos, colegas e todas as pessoas que convivem conosco.

Alguns caminhos

Aprendemos de verdade quando algo nos interessa, nos encanta e faz sentido. Quando enxergamos significado, utilidade e relevância, a aprendizagem deixa de ser obrigação e se torna descoberta. Aprendemos pela emoção, pelo espanto, pela experimentação pessoal e em grupo, pela reflexão que integra experiência e pensamento. Aprendemos, sobretudo, pelo exemplo: a “pedagogia do exemplo” é mais forte do que qualquer discurso. Professores e famílias que vivem aquilo em que acreditam tornam-se referências silenciosas, mas poderosas, para crianças, jovens e adultos.

Alguns caminhos se mostram mais promissores. Um deles é acolhimento e propósito: gostar de estar com eles, conhecer seus gostos, sonhos, atividades fora da escola, escutando-os de verdade e com empatia.

Um caminho essencial é ligar o que se aprende à vida real. Uma educação transformadora conecta os temas à realidade dos estudantes, aos problemas do bairro, da cidade, do planeta, e os convida a criar projetos concretos para melhorar algo ao seu redor. Metodologias ativas, projetos, investigação, arte, cultura, tecnologia e trabalho colaborativo deixam de ser “moda pedagógica” e passam a ser meios para que os estudantes pensem, sintam, criem e ajam. O conhecimento deixa de ser apenas conteúdo decorado para prova e passa a ser ferramenta para compreender o mundo e transformá-lo.

Superar o modelo de uma aula igual para todos, sempre do mesmo jeito, para caminharmos em direção a experiências adaptadas às necessidades de cada estudante. Em vez de um único ritmo, o professor é um designer de roteiros de aprendizagem diferentes para estudantes com ritmos e necessidades desiguais. Em vez de uma única forma de explicar, teremos múltiplas formas de aprender, com apoio da Inteligência Artificial para sugerir trilhas, propor atividades e acompanhar processos.

Criar para estruturar e dar sentido ao que aprenderam.  Autoavaliar-se para tomar consciência do que entendem e do que não entendem. Sem atividade cognitiva, não há conhecimento; e sem metodologias que a estimulem, os alunos apenas acumulam informações. Isso se articula com metodologias ativas e criativas: estratégias pedagógicas centradas na aprendizagem por descoberta, investigação, desafios, projetos e solução de problemas, visando um conhecimento mais profundo, níveis de consciência mais amplos, hoje e em cada etapa da vida. O currículo deixa de ser apenas conteúdo para “dar” e passa a ser experiência para viver uma vida com maior significado e plenitude.

Também é decisivo cuidar das dimensões emocional, ética e espiritual (no sentido de sentido de vida, propósito, valores), e não apenas do desempenho acadêmico. Educação transformadora ajuda a desenvolver autoconsciência, empatia, responsabilidade, convivência, capacidade de escuta e de diálogo com a diversidade. Isso não se faz com discursos, mas com experiências: rodas de conversa, mediação de conflitos, cuidado mútuo, participação dos estudantes nas decisões da escola, projetos de vida. Assim, a escola se torna um laboratório vivo de cidadania e humanidade.

Dar ênfase muito maior à educação socioemocional: autoconhecer-se, aprender a meditar, a mergulhar no presente, a desenvolver a empatia com tudo o que nos rodeia; desenvolver formas de escuta autênticas, de formas de conviver e participar ativamente. meditar, viver o hoje, mudar olhar, a perspectiva, grandes questões para você e para os estudantes.

Os modelos também se tornam mais flexíveis e personalizados, com diferentes espaços e formas de participação: momentos individuais, trabalhos em pequenos grupos, tempos de tutoria, de criação, de silêncio, de exposição e de compartilhamento. O acesso, o domínio e o uso criativo e equilibrado das tecnologias digitais e da IA tornam-se parte de uma educação verdadeiramente transformadora, desde que não percamos de vista a dimensão ética, humanista e ecológica das escolhas que fazemos.

A escola, então, precisa colocar muito mais foco em experimentar, vivenciar, fazer, projetar, criar, interagir e refletir. Ateliês de artes, espaços maker, projetos STEAM, alternância entre ambientes naturais e digitais, ações de aprendizagem-serviço e projetos que dialogam com a comunidade aproximam a escola da vida real. O currículo se torna vivo, em ação, quando o ambiente é acolhedor o suficiente para que todas as perguntas possam ser feitas – inclusive as grandes perguntas da existência: de onde viemos, por que estamos aqui, que legado queremos deixar, o que pensamos sobre a continuidade da vida.

Cada escola e cada rede têm sua cultura, sua história, sua dinâmica, seus modos de avaliar. O primeiro passo é conhecer com honestidade onde estamos: o que já fazemos bem, onde temos deficiências, quais práticas merecem ser fortalecidas e quais precisam ser revistas. A partir daí, podemos definir alguns caminhos que integrem o melhor do que já fazemos com novas estratégias viáveis no presente e outras que possam ser implantadas gradualmente, com mais cuidado e participação de todos.

Um desafio importante é aproximar os movimentos educacionais mais humanistas e ecossustentáveis – que muitas vezes desconfiam das tecnologias mais avançadas – dos grupos que dominam as tecnologias de IA, mas nem sempre têm a mesma profundidade humanista, sustentável ou existencial. Em vez de oposição, o que precisamos é de integração: juntar profundidade humana com competência tecnológica, ética com inovação, cuidado com o planeta e com as pessoas com o uso inteligente das novas ferramentas.

A Inteligência Artificial, articulada com metodologias ativas, abre possibilidades inéditas. Tendemos a ver um crescimento de modelos mistos, com mais ou menos interação entre docentes e plataformas digitais, especialmente nos anos finais do Ensino Fundamental, no Ensino Médio, Técnico e Superior. Já vemos, por exemplo, mudanças significativas no ensino de línguas, com aplicativos, tutores virtuais e sistemas de correção em tempo real. A IA pode apoiar o planejamento de aulas, sugerir atividades, propor estratégias, ajudar a construir formas de avaliação, organizar resumos, sínteses e relatórios de grupos, bem como favorecer diferentes níveis de personalização – da simples individualização de ritmo até trajetórias de aprendizagem mais autônomas e cheias de escolhas.

Redes de ensino e escolas começam a construir IAs customizadas, conectadas ao seu projeto pedagógico. Professores e alunos passam a contar com seus próprios assistentes virtuais, que apoiam processos de estudo, criação, organização e reflexão. Ensinar com IA, porém, não é apenas “usar uma ferramenta nova”: é construir um processo mais abrangente e complexo, ao mesmo tempo flexível, personalizado, colaborativo e tutorial. A IA traz mudanças profundas, mas a direção dessas mudanças dependerá dos valores e modelos de cada organização. Por isso, é urgente enfrentar o descompasso entre a rapidez da evolução tecnológica e a lentidão da evolução humana: precisamos crescer em consciência na mesma velocidade em que crescem as máquinas.

As aulas tendem a mudar bastante. Em muitos contextos, já falamos de “aula invertida personalizada”: os estudantes interagem previamente com seus tutores virtuais e com os materiais digitais, e o encontro com o professor ganha outro sentido, mais dialógico, prático e reflexivo. Em vez de alunos passivos, queremos jovens que pesquisem em profundidade, argumentem, avaliem, apliquem, dialoguem, criem e apresentem suas ideias. A IA deve ser ponto de partida, nunca de chegada: aquilo que ela produz precisa ser questionado, ampliado, contextualizado e recriado.

Nos modelos híbridos e digitais, alternamos tempos de trabalho individual, experimentação em grupo, tutoria digital e mentoria humana – em sintonia com experiências de redes como a Summit School, adaptadas às nossas realidades. Nesse cenário, os professores precisam ser excelentes e profundamente humanos para encantar seus alunos. Mais do que transmissores de conteúdo, tornam-se designers de experiências, mediadores de relações, orientadores de valores e competências para a vida.

Já começamos a perceber algumas mudanças bem concretas: escolas, professores e estudantes usando plataformas e aplicativos cada vez mais integrados e personalizados; assistentes virtuais ajudando a organizar rotinas, lembretes e trilhas de aprendizagem; sistemas que tornam mais visíveis os avanços e dificuldades de cada participante e de cada segmento. Cresce também o número de componentes curriculares que incorporam, parcial ou totalmente, o uso sistemático de IA em suas práticas.

Quando olhamos mais adiante, vemos que caminhamos para algo próximo de uma “multiversidade”: ambientes virtuais imersivos para aprender, experimentar, criar e empreender, com planos de estudo muito mais personalizados e flexíveis, com diversos itinerários e microcertificações. O desenho curricular se aproxima de um mapa de transporte público integrado – com metrô, ônibus, trens, ciclovias – que atende necessidades e percursos diferentes. Em vez de uma única linha reta, teremos redes de possibilidades. A escola do futuro alterna tempos individuais, experimentação em grupo, tutoria digital e mentoria humana.

Conclusão

Não há educação transformadora sem educadores em processo de transformação. Professores e gestores também precisam de espaços de formação contínua, reflexão sobre sua própria prática, apoio emocional e condições reais de trabalho. Quando o educador se sente cuidado, reconhecido e autor da própria trajetória, ele ganha energia e coragem para inovar, experimentar, errar e recomeçar. A educação se transforma profundamente quando a escola inteira – pessoas, tempos, espaços e tecnologias – se organiza em torno de uma pergunta simples e radical: “Como podemos ajudar cada pessoa a viver com mais consciência, liberdade, responsabilidade e amor?”

A grande pergunta, então, é: como garantimos que, nesse emaranhado de caminhos, a educação continue sendo profundamente humana, criativa, inclusiva e comprometida com a vida em todas as suas dimensões? O objetivo final é nos tornarmos progressivamente mais equilibrados, livres, autônomos e solidários. Quanto mais avançarmos em conhecimentos e práticas de vida libertadoras, mais ajudaremos a todos que convivem conosco e assim construiremos uma educação mais transformadora, criativa e, acima de tudo, humana.

 

Algumas referências:

·       BERG, Juliana; VESTENA, Carla Luciane Blum; COSTA-LOBO, Cristina (org.). Criatividade, educação e inovação social. Série Tecido em Criatividade, v. 4 [recurso eletrônico]. São Paulo: Pimenta Cultural, 2022. Disponível em: <https://cepedgarmorin.com/wp-content/uploads/2022/11/eBook_Criatividade-educacao.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2025.

·       BIANCHESSI, Cleber (org.). Tecnologias digitais na educação: dos limites às possibilidades. v. 5 [recurso eletrônico]. Curitiba: Editora Bagai, 2024. Disponível em: <https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/778197/2/Tecnologias%20Digitais%20na%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20%E2%80%93%20Vol.%205.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2025.

·       DUQUE, Rita de Cássia Soares; HANSEL, Tiago Fernando; OLIVEIRA, Eliédna Aparecida Rocha de; COSTA, Késia Maria; ALMEIDA, Darlon Alves de; SOUSA, Maria Aparecida de Moura Amorim; OLIVEIRA FILHO, Fernando Luiz Cas de; DIAS, Ataide das Chagas; SANTOS, Miquéias Ambrósio dos. Educação transformadora: o legado de Paulo Freire na era digital [recurso eletrônico]. São Paulo: EBPCA – Editora Brasileira de Publicação Científica Aluz, 2024. Disponível em: <http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/742687>. Acesso em: 13 nov. 2025.

·       FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

·       LIMA, Maira Aparecida de et al. Entre o aprender e o viver: a educação como experiência transformadora. Aracê, v. 7, n. 9, p. e7755, 2025. Disponível em <https://periodicos.newsciencepubl.com/arace/article/view/7755>. Acesso em: 20 nov. 2025

·       MORAN, J.; BACICH, L. Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018.

·       RAABE, André Luís Alice; GOMES, Alex Sandro; BITTENCOURT, Ig Ibert; PONTUAL, Taciana (org.). Educação criativa: multiplicando experiências para a aprendizagem [recurso eletrônico]. Recife: Pipa Comunicação, 2016. Disponível em: <http://www.pipacomunica.com.br/livrariadapipa/produto/educacao-criativa/>. Acesso em: 20 nov. 2025.

·       SCHEID, Neusa Maria John. Educação humanizadora em um mundo mediado por tecnologias digitais da informação e da comunicação. Vivências, Frederico Westphalen, v. 21, n. 43, p. 1-6, jul. 2025. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/394754296_EDUCACAO_HUMANIZADORA_EM_UM_MUNDO_MEDIADO_POR_TECNOLOGIAS_DIGITAIS_DA_INFORMACAO_E_DA_COMUNICACAO>. Acesso em 10 nov. 2025



[1] Paulo Freire. Professora, sim, Tia, não. Cartas a quem ousa ensinar, p.42

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