Mudanças profundas na educação com a IA, nos próximos anos
José Moran
É impressionante como a IA está evoluindo e surpreendendo.
Conversamos com bastante naturalidade e fluência com programas que parecem
pessoas, sobre qualquer assunto, a qualquer hora e de forma cada vez mais
“natural”. Isso abre inúmeras oportunidades de aprender, de tirar dúvidas, de buscar
alternativas com tutores virtuais dentro e fora do espaço escolar.
Ao mesmo tempo, estamos entrando em uma nova fase, a
dos agentes virtuais, assistentes que, vão além da conversa, e que nos ajudarão
a resolver problemas, como organizar viagens, pagar nossas contas, gerenciar as
aplicações financeiras, a aprendizagem, “consolar” em uma crise existencial.
Sem dúvida, a interação humana na educação continuará
sendo muito mais rica, profunda e relevante. Mas começamos a ter também a
coparticipação dos professores virtuais, como parceiros em todas as etapas do
ensino e aprendizagem, em uma simbiose que será cada vez mais ampla, complexa e
complementar, o que contribuirá para remodelar o processo de ensinar e de
aprender.
Passado o susto inicial com a IA generativa muitos
pensam que é mais uma tecnologia que facilita a vida de professores e alunos,
mas que o impacto será menor do que se previa. Alguns utilizam a IA para ganhar
tempo no planejamento, dinamizar as pesquisas, para tirar dúvidas, diversificar
as formas de avaliação. E pensam que a IA não trará tantos impactos como se
previa. Mas nos últimos meses a IA virou multimodal: deu um salto gigantesco na
confiabilidade, na melhoria da “conversa” em tempo real, na integração de
texto, imagem e som e está mostrando que o impacto será profundo no currículo,
na organização dos espaços e em todo o processo de ensinar e de aprender nos
próximos anos.
Diante dos avanços atuais e das perspectivas da
inteligência artificial, precisamos fazermos algumas perguntas difíceis. Como
cada um aprende melhor em cada fase da vida? Quando o professor é
insubstituível e quando não? Como combinar e integrar o melhor do professor
humano e do professor digital em cada etapa do currículo?
Crianças pequenas precisam de muito mais supervisão, interação
humana e contato experiencial com o os espaços naturais. Só que elas já nascem
dentro desse mundo dos tutores virtuais e os utilizarão complementarmente para
aprender a falar, a ler e a escrever com uma participação muito mais intensa dos
professores humanos. Os alunos do Ensino Fundamental e Médio aprenderão alternando
tempos de estudo individual e de experimentação grupal. O estudo individual acontecerá
em plataformas adaptadas às necessidades de cada um, com muito “diálogo” com
tutores virtuais e supervisão de alguns professores-tutores para a compreensão
de conceitos, aprendizagem por domínio e o desenvolvimento das competências
cognitivas. O estudo individual se alternará com o desenvolvimento de práticas,
de projetos em grupo, resolvendo desafios, problemas. Os projetos podem partir dos
professores e/ou dos alunos com ênfase na criatividade, na colaboração, na
vivência. Os tutores virtuais ajudarão na gestão dos projetos, mas o protagonismo
será dos estudantes e docentes. Um ou mais professores de especialidades
diferentes acompanharão em tempo real o desempenho de cada grupo e de cada
aluno; intervirão quando necessário, principalmente na fase de apresentação,
discussão e avaliação. Além dos tempos de aprendizagem individuais e grupais,
as escolas darão muita ênfase à mentoria, onde os alunos conversarão com seus
professores-mentores para ajustar o currículo às necessidades e perspectivas de
futuro de cada qual (projeto profissional e de vida). A IA pode ser muito útil
para monitorar a saúde mental dos estudantes e docentes e ajudar a implementar decisões
no nível pessoal e da gestão. Tradutores automáticos e tecnologias assistivas
podem ampliar o acesso ao ensino para estudantes com alguma deficiência ou de
diferentes contextos linguísticos.
Haverá diversos arranjos para conseguir que os alunos
aprendam de forma mais atraente e profunda. O conteúdo curricular será muito
mais estudado por plataformas personalizadas com IA e a parte mais criativa do
desenvolvimento de competências acontecerá em projetos de experimentação em
grupos. Um exemplo desta proposta é feita pelas Escolas Alpha, nos EUA: os
alunos estudam os conteúdos curriculares (Matemáticas, Ciências, Física,
Química..) em plataformas, com planos de ensino personalizados, com apoio de tutores,
duas horas por dia. O restante do tempo é dedicado a realizar projetos em grupo
interessantes, a desenvolver competências para a vida, com a liderança dos
professores[1].
Surgirão formas de personalizar o currículo com plataformas com a vivência das
experiências criativas e colaborativas com professores. Escolas com uma
filosofia mais participativa, adaptarão a IA para tornar-se mais abertas,
flexíveis e encantadoras. Muitas escolas reforçarão o enfoque mais conteudista,
reproduzirão os modelos mais convencionais e utilizarão a IA para diminuir
custos com o corpo docente. As mudanças, no curto prazo, serão mais lentas pela
mentalidade mais tradicional de grande parte da população e pela regulação
burocrática complexa e desconfiada dos órgãos que cuidam da Educação Básica. E
também pela quantidade de problemas que a IA traz ou escancara: vieses, visões
superficiais, dar tudo pronto, formação crítica e digital insuficientes,
desumanização, desigualdade de acesso.
No Ensino Superior, com certeza, os impactos serão
mais profundos no médio prazo. Se aprofundará a tendência de ter menos
professores. Avançaremos para modelos bem mais flexíveis, personalizados,
intensamente experienciais, imersivos, micro certificações, com fortíssima
ênfase em plataformas com IA combinados com alguns momentos fortes de
participação com docentes experientes (de formas diferentes, dependendo da
seriedade e qualidade de cada instituição). A ênfase será no desenvolvimento do
pensamento crítico e criativo dos alunos para que possam avaliar, interagir e
ir além do que a IA oferece.
A IA pode ser muito útil para o desenvolvimento de
programas de graduação totalmente personalizados, adaptados aos interesses
individuais dos alunos, objetivos de carreira e estilos de aprendizagem. As
plataformas alimentadas por IA avaliarão o conhecimento prévio de cada aluno, acompanharão
seu desempenho acadêmico em tempo real e ajustarão o currículo rapidamente. A
IA alimentará os currículos "vivos" que evoluem continuamente com
base nas últimas pesquisas acadêmicas, necessidades da indústria e feedback dos
alunos. A IA ajudará as universidades a navegar no processo frequentemente
complexo de traduzir descobertas acadêmicas em produtos ou serviços
comercialmente viáveis.
A combinação da IA com a realidade aumentada e a
realidade virtual proporcionará experiências de aprendizagem muito mais
dinâmicas, sensoriais e profundas em qualquer modalidade de ensino. Teremos
modelos muito diferentes de cursos, para atender a áreas de conhecimento e
públicos com expectativas e poder aquisitivo distintos. O conteúdo será muito
gamificado, com tutores virtuais cada vez mais sofisticados e foco em projetos
reais, que resolvam problemas e interajam com organizações profissionais. A
educação a distância será mais atraente, em modelos muito diferentes dos atuais,
com materiais e atividades mais personalizados, adaptados à realidade de cada
região e às necessidades de cada
estudante, muita interação virtual e alguns momentos de tutoria/mentoria humanos.
Como sempre, teremos IES mais sérias, atualizadas, que valorizam a criatividade
e autoria do estudante e as IES que utilizarão a personalização para continuar
privilegiando o conteúdo “personalizado”, com pouca participação em grandes
projetos e baixo investimento em bons docentes, privilegiando o marketing e o
resultado financeiro.
Crescerá imensamente a oferta de formação continuada
ao longo da vida, personalizada, com microcréditos e com intensa participação
de tutores virtuais. E para formações premium haverá coparticipação de especialista
e mentores humanos experientes. Certificações específicas e cursos de curta
duração complementarão a educação formal tradicional, atendendo às demandas de
um mercado de trabalho em constante evolução.
Mas isso é já e para todos? Por enquanto esta
realidade não afeta as escolas e IES imediatamente e para a maioria das pessoas
esta temática parece muito distante, fantasiosa e elitista. Sei perfeitamente
que este cenário está muito distante da maioria das escolas, principalmente
públicas. Muitas carecem do básico, estão em bairros pobres, com professores com
formação precária. Os cursos de Pedagogia e Licenciatura também não estão
preparando os futuros professores para estes novos cenários e muitos docentes
estão sobrecarregados e malo têm tempo em atualizar-se tecnologicamente. Bons
professores são mais necessários que nunca. Professores mal preparados serão imediatamente
desqualificados pelos alunos, pela comparação com a sofisticação das interações
que estes conseguirão ter com os tutores virtuais.
As mudanças são mais lentas, pela desigualdade, mas
também pela fixação que a sociedade tem em um modelo de escola enraizado há
décadas. Temos também uma imensa burocracia, regulação, mentalidade cartorial
que dificulta a inovação. As escolas
avançarão em ritmos diferentes e se adaptarão dependendo da sua cultura,
valores, expectativas. Minha intenção é apontar caminhos que me parecem viáveis
aos poucos e que terão impacto no currículo, na forma de ensinar, aprender e
avaliar, mesmo com a consciência dos imensos desafios de transformar a educação
de forma sistêmica em um país com realidades tão diferentes.
Como vejo a educação pessoal no futuro?
Repetiremos o cenário do que estamos vivenciando nas
últimas décadas. Uma parte dos indivíduos vai aproveitar todo este maravilhoso
mundo para aprender de verdade, para evoluir intelectualmente, socio
emocionalmente, para serem mais empreendedores, para viver uma vida melhor. E
outra grande parte vai utilizar a IA para “aprender” com o mínimo esforço, para
buscar uma certificação da forma mais fácil, para tentar aparentar que sabe
(marketing pessoal), porque prefere o entretenimento, a busca de lucro fácil (bets,
corrupção) ou seguir os gurus influenciadores. As instituições escolares experimentarão
propostas muito diferentes, mais ou menos criativas, dependendo da sua
filosofia, dos valores e do grau de competição que enfrentem. Muitos alunos e
pessoas, em geral, desenvolverão pouco o pensamento crítico diante da
facilidade de obter respostas para tudo
É ilusão pensar que a tecnologia salvará a educação.
Nunca tivemos como hoje tantas oportunidades de aprender, mas a grande maioria ainda
o faz por obrigação; não consegue descobrir (por inúmeras razões) o gosto pela
pesquisa, pelo conhecimento, o encanto de desenvolver competências mais amplas
para viver uma vida mais interessante, produtiva e plena.
Transformar as escolas e IES é uma tarefa gigantesca, lenta,
mas necessária para termos uma sociedade melhor. A transformação mais difícil é
a de encontrar significado na vida, na aprendizagem, tornando o aluno mais
protagonista, desenhando uma escola acolhedora, humanista, sustentável,
solidária e avançada digitalmente. A sociedade também “ensina” valores e visões
de mundo que podem iludir mais do que libertar. Muitos jovens e adultos se
encantam com falsas promessas, tentam atalhos na busca de certificações e não
do conhecimento. Muitos, mesmo com boas escolas, não conseguem aprender o
principal, a serem pessoas equilibradas, afetivas e a fazer escolhas mais
libertadoras e vão se perdendo, mediocrizando, angustiando ou alienando.
São imensas as oportunidades e desafios de redesenhar
escolas e universidades para que se tornem mais relevantes. É fundamental que
haja um processo de discussão coletiva sobre as mudanças mais imediatas e as de
médio prazo de acordo com a cultura e valores de cada instituição, preparando
toda a comunidade para esses novos cenários que agora vislumbramos, mas que se tornarão
realidade mais rapidamente do que muitos imaginam neste momento.
José Moran
Professor, escritor
e pesquisador de projetos educacionais inovadores
Autor do blog Educação Transformadora e da IAMoran
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