Impactos da Inteligência Artificial na Educação
José Moran
O cenário atual
“Converso” com frequência com vários aplicativos “inteligentes”
sobre diversos assuntos, com bastante fluência e “intimidade”, principalmente na
prática de línguas. É incrível como evoluíram os chats de conversação,
principalmente no último ano. Você se sente dialogando com “alguém”, com
bastante fluência e sobre temas que lhe interessam. Mas não é uma tarefa
simples. É um processo de acerto progressivo, de calibragem contínua, de
tentativas de melhoria de ambas as partes; o que exige paciência, refinamento e
competência. Para aprender, é preciso ser curioso, proativo, saber perguntar, ter
conhecimento prévio sólido, competências críticas, discordar, reelaborar as
questões, checar as fontes.
Nunca tivemos tantas chances de aprender de formas
diferentes, sozinhos e em grupos, em espaços formais e informais, com
tecnologias simples ou sofisticadas. Mas
a facilidade não garante a aprendizagem; pode gerar preguiça. Muitos se contentam
com informações rasas, querem tudo pronto, se acomodam, não se esforçam, não se
aprofundam. Acessar facilmente não significa aprender.
Na educação superior, alunos das melhores universidades,
como Harvard, estão questionando que os currículos atuais não os estão
preparando para esse mundo em que a inteligência artificial está impactando a
forma de agir nas profissões, nos serviços, no entretenimento. Recém-formados
relatam sentir-se ameaçados e preocupados com a ascensão da IA, de acordo com a
edição de 2023 do “Relatório de Empregabilidade” anual do Grupo Cengage. “Entre
1.000 graduados que concluíram um programa de graduação ou não no mês passado,
cerca de 46% disseram que se sentiram ameaçados pela IA, e 52% disseram que
isso os fez questionar sua preparação para o mercado de trabalho”[1]
Num recente painel de discussão na Universidade de
Harvard sobre as perspectivas dos estudantes sobre a IA generativa, alguns estudantes
disseram ter sérias preocupações sobre a forma como a escola prepara os futuros
profissionais para utilizarem ferramentas de IA no trabalho, especialmente em
grandes empresas.
Alunos do ensino médio compartilham as mesmas
preocupações. Sam Cheng, estudante do primeiro ano da Design Tech High
School em Redwood City, Califórnia, disse em uma entrevista que a IA é apenas
mais uma tecnologia que faz com que as escolas fiquem em descompasso com o que
os alunos precisam. “Esse problema existe há muito tempo, pois os alunos
sentem que a escola não está me preparando para o mundo real”, disse
Cheng. A IA, na sua opinião, apenas contribui para esse problema
generalizado.[2]
A IA impacta todo o ecossistema educacional. Mas o faz de forma muito diferente, dependendo dos valores, objetivos e processos de cada organização. Tanto pode ser uma grande aliada na aprendizagem humanista, criativa, integral dos alunos, de competências para a vida quanto pode servir para reforçar modelos pedagógicos conteudistas ou autoritários
Quanto mais avança a inteligência artificial,
mais importante é a formação sólida em competências básicas, com grandes
mestres. A inteligência artificial é uma excelente
companhia para quem sabe pensar, avaliar, contextualizar. Sem essa base, vira
uma espécie de enciclopédia multimídia atraente, mas pouco relevante para quem
não a utiliza bem.
Universidades e escolas estão começando a integrar
a IA
Escolas e IES[3]
estão sendo desafiadas a redesenhar seus currículos, as metodologias, e o
cenário de educação se tornará mais polivalente, flexível, personalizado,
diversificado e, infelizmente, desigual.
A Universidade de Michigan em 2023 disponibilizou um
novo conjunto de ferramentas generativas de inteligência artificial, a
plataforma de serviços de IA, para o toda a comunidade de mais de 100.000
pessoas.
A Arizona State University (ASU) acaba de firmar uma
parceria com a OpenAI. A plataforma ChatGPT Enterprise será integrada à
instituição com foco em aumentar o sucesso dos alunos, abrir novos caminhos
para pesquisas inovadoras e simplificar as práticas organizacionais. A
universidade desenvolverá tutores de IA personalizados e avatares de ajuda de
estudo para os alunos, que adotam a tecnologia de forma esmagadora.
Algumas universidades norte-americanas (Stanford, MIT,
Carnegie Mellon), europeias, chinesas e sul-coreanas estão na vanguarda da IA
com programas avançados de pesquisa e ensino em IA, com foco em áreas como
aprendizado de máquina, aprendizado profundo, robótica, tradução automática e biotecnologia,
entre outras.
Está em curso uma corrida entre as IES em todos os
países para capitalizarem as oportunidades proporcionadas por uma das mais
recentes fronteiras da tecnologia – e para se protegerem também das
desvantagens que também traz. É uma corrida em que haverá muitos
vencedores, mas, também, é provável que haja perdedores claros: as instituições
que tentam ficar na defensiva, só vendo os problemas que a IA traz, sem
buscar alternativas institucionais viáveis. “Já estamos começando a ver
empresas abrindo suas próprias escolas impulsionadas pela IA. Acredito que
testemunharemos a descentralização da educação nos próximos anos”, diz o gestor
Dan Fitzpatrick. “Haverá muito mais opções para pais e alunos.”[4]
Os impactos mais imediatos
A inteligência artificial pode ajudar os alunos a
aprender de forma mais eficiente e os professores a ensinar de forma mais
eficaz. O aluno pode ser cada vez mais protagonista e o professor
competente continua sendo fundamental, mas a dinâmica entre ambos e o impacto
na gestão tende a ser mais ampla, diversificada e complexa.
A inteligência artificial na educação está ajudando
no desenho de caminhos de aprendizado personalizados para os alunos com
base em seus estilos individuais, ritmos e interesses. Ela se adapta e evolui
conforme o aluno progride, eliminando a abordagem única para todos. A IA também
é usada para recomendar conteúdo relevante para os alunos e para os professores.
Com base em seus interesses, nível de habilidade e histórico de aprendizado, os
sistemas de IA podem sugerir recursos, como livros, vídeos ou cursos, que sejam
mais adequados para eles. Podem identificar lacunas de conhecimento em
materiais existentes, recomendar melhorias e gerar conteúdo adaptado a
objetivos de aprendizagem específicos.
A plataforma Khan Academy criou o Khanmigo, que, na
versão inglesa, serve como tutor para os estudantes, mas oferece também uma
variedade de recursos para os professores, como criar facilmente um plano de
aula, cocriar rubricas de avaliação, resumir as atividades da turma e as
discussões. A plataforma faz uma análise abrangente do trabalho dos alunos nos
últimos sete dias, incluindo tempo de aprendizado, dados de conclusão de
tarefas e progresso no domínio do curso.[5]
Assistentes virtuais impulsionados por IA começam
a ter um papel ativo importante para estudantes e professores. Podem
oferecer suporte e orientação a ambos, em tempo real, dialogar com eles, dar atenção
personalizada, adaptar os níveis de dificuldade de cada estudante, verificar o
trabalho imediatamente, responder perguntas, indicar guias de estudo, oferecer
recursos, dialogar com cada aluno e professor, todos os dias, a qualquer hora.
A IA pode facilitar também a aprendizagem
colaborativa, integrando ferramentas avançadas de comunicação nas plataformas
educacionais. Os alunos podem se conectar com seus colegas e professores,
compartilhar ideias e colaborar em projetos remotamente. A IA também avançou
muito na tradução automática de idiomas em tempo real, o que ajuda a quebrar barreiras
linguísticas e torna o aprendizado mais global.[6]
A IA pode ajudar no processo de correção e avaliação,
reduzindo a carga sobre os professores. Ao analisar e interpretar o trabalho
dos alunos por meio de algoritmos de aprendizado de máquina, a IA consegue
realizar avaliações rápidas e bastante precisas.
Tecnologias de IA estão simplificando as tarefas
administrativas, como os processos de admissão e ajudam nas tarefas repetitivas
como classificar redações, agendar reuniões e fornecer suporte básico ao
aluno. Chatbots e automação alimentados por IA reduzem a burocracia, economizam
tempo e tornam as instituições educacionais mais eficientes.
As ferramentas de Análise Preditiva da IA analisam
dados em tempo real para identificar sinais precoces de dificuldades
acadêmicas. Ao monitorar interações e o desempenho dos alunos, os educadores
podem intervir proativamente, o que contribui para a melhoria nas taxas de
retenção e sucesso acadêmico.
Ferramentas com IA podem oferecer suporte direcionado
para alunos com deficiência, como interpretação em linguagem de sinais em
tempo real, anotações automatizadas, conversão de texto para fala,
reconhecimento de imagens, no ritmo adequado para as necessidades de cada
estudante.
É um cenário desafiador para todos e muito
diversificado, de acordo com a etapa de formação de cada um. Uma criança
precisa de um acompanhamento muito mais próximo de professores o
desenvolvimento de competências amplas e interação física com seus colegas do
que os adultos. Sabemos que a tendência das escolas e IES no começo é à da
assimilação, incorporando esses recursos como apoio para a melhoria daquilo que
já vem acontecendo (que é o que a maioria está fazendo atualmente). Mas esse
processo será insuficiente e precissa de uma gestão mais proativa e indutora de mudanças.
Temos consciência da desigualdade brutal em que muitas
escolas se encontram de acesso, condições e cultura de inovação. Também há uma consciência
maior de que a IA comete muitos erros, mostra vieses, preconceitos, problemas
de autoria e falhas na privacidade pessoal.
Como pesquisador, procuro entender os avanços e,
também, os problemas que a IA traz para a educação. Existe o otimismo
tecnológico (IA transformará tudo) e o pessimismo (só vê problemas, erros e manipulação).
Mas está clara a pressão por mudanças profundas que implicará em transformações
no desenho de currículos mais personalizados, flexíveis, de metodologias mais
criativas e de valorização das dimensões humanas plenas. Isso será feito em
ritmos diferentes, de acordo com a cultura de cada escola e IES.
Os impactos a médio prazo
Teremos avançado na avaliação, em cada área de conhecimento
e nível de ensino, de como integrar todo o potencial da aprendizagem
personalizada, com a de grupo e com a de tutoria avançada em espaços
presenciais e virtuais.
Já se percebe um aumento do homeschooling em
alguns países como os Estados Unidos, com grupos de pais se organizando com o
apoio de plataformas com inteligência como a Khan, Dreambox ou Carnegie Learning.
Mas o impacto no ensino superior será muito mais profundo.
A IA está ajudando a remodelar os currículos
educacionais para alinhá-los ao mercado de trabalho em rápida mudança. Há uma
integração maior entre as áreas curriculares e com as empresas. A oferta
curricular será muito flexível, para que o aluno vá e volte sempre que precisar
ao longo da vida, de acordo com sua necessidade. A ida a um campus será
menos frequente, mais para atividades de experimentação, discussão e
aprofundamento relevantes. O presencial será para momentos importantes e
para criar conexões sociais, porque para aprender não haverá muita diferença
entre estar juntos fisicamente e estar juntos virtualmente.
O design curricular será como mapa de um sistema de
transporte público integrado (metrô, ônibus, trem) que atende necessidades e
percursos diferentes, com entradas em tempos variáveis e percursos, ao menos
parcialmente, personalizados. As certificações serão mais curtas, valorizando
cada etapa, mantendo os alunos mais engajados e permitindo uma maior
personalização e formas diferentes de integralização do currículo.
A IA não substituirá os professores no que eles têm de melhor: a interação humana, a empatia, o apoio emocional e o ensino criativo, que continuam sendo essenciais para uma educação de qualidade. Precisam ser muito competentes intelectual, emocional e digitalmente e também ter apoio e condições de exercer a profissão dignamente. Seu papel é decisivo na formação de crianças e jovens para que aprendam a pensar, questionar, comparar, a desenvolver valores humanistas, democráticos e sustentáveis. Mas todos interagirão cada vez mais com plataformas e aplicativos com Inteligência artificial para continuar sendo relevantes neste mundo híbrido, fi-digital, tão desigual.
Quanto mais avanços tecnológicos, mais importante é a ênfase na Inteligência emocional, na inteligência ética (valores fundamentais), na educação para uma vida mais plena.
Quem tem interesse por aprender, encontra nas diversas
plataformas “inteligentes” inúmeras possibilidades, o tempo todo disponíveis. Elas
tanto podem nos ajudar a evoluir para o bem como para o mal, porque espelham as
contradições de sociedades multiculturais, com valores, expectativas, formas de
organização e de vida muito diferentes. A educação humanista e integral, com o
apoio de bons profissionais e da IA, contribuirá para tornar as pessoas mais autônomas,
solidárias e felizes.
Algumas referências:
ALVES, L. (Org.). (2023). Inteligência artificial e
educação: refletindo sobre os desafios contemporâneos. Salvador: EDUFBA ; Feira de Santana:
UEFS Editora
Djokic,
Ines; Milićević, Nikola; Djokic, Nenad; Malcic, Borka; Kalas, Branimir (2024): Students'
perceptions of the use of artificial intelligence in educational services,
Amfiteatru Economic Journal, ISSN 2247-9104, The Bucharest University of
Economic Studies, Bucharest, Vol. 26, Iss. 65, pp. 294-310, https://doi.org/10.24818/EA/2024/65/294
Laura
Czerniewicz and Catherine Cronin (eds), Higher Education for Good:
Teaching and Learning Futures. Cambridge, UK: Open Book Publishers,
2023, https://doi.org/10.11647/OBP.0363
Michael
Horn. Artificial Intelligence, Real Anxiety - How should educators use AI to
prepare students for the future https://www.educationnext.org/artificial-intelligence-real-anxiety-how-should-educators-use-ai-prepare-students-future/
Sabrina Habib, Thomas Vogel , Xiao Anli , Evelyn Thorne.
How does generative
artificial intelligence impact student creativity? Journal of Creativity, Volume 34,
Issue 1, 2024. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2713374523000316
[4] Dan
Fitzpatrick at FETC 2024: The future of AI in education- https://districtadministration.com/dan-fitzpatrick-the-future-of-ai-in-education/
youtube.com/watch?v=BBO8-Y65eYc&t=600s
O
Khanmigo em português está sendo testado em algumas escolas brasileiras e será disponibilizado
proximamente.
Professor, escritor
e pesquisador de projetos educacionais inovadores
Autor do blog Educação Transformadora - eca.usp.br/moran
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