Repensando a educação a distância e a presencial
Defendo a educação de qualidade presencial e a distância. Defendo a EAD como uma modalidade extremamente útil para o Brasil e tenho apoiado a sua implantação no Ensino Superior e o seu desenvolvimento tanto nas instituições públicas (UAB) como particulares.
Diante do crescimento expressivo, principalmente nos
últimos anos, precisamos analisar com isenção o cenário atual e fazer-nos as
perguntas necessárias.
Podemos ensinar e aprender a distância com qualidade?
Instituições do mundo inteiro há muito tempo mostram que sim. A EAD é
centenária, vem se adaptando à cada período (correspondência, rádio, tv,
internet, plataformas digitais). Temos avançado no design de bons materiais, na
gestão dos processos, na mediação, na avaliação tanto da aprendizagem como dos
resultados. A EAD feita com qualidade e seriedade consegue excelentes
resultados. Cada área de conhecimento precisa definir como garantir que o
desenvolvimento das competências específicas aconteça de verdade
(experimentação, práticas, integração com o mercado). Todas as áreas de conhecimento podem ser ensinadas
totalmente ou parcialmente a distância, inclusive a área de saúde.
Há uma clara evolução da hibridização dos projetos
educacionais, um claro avanço em modelos mais flexíveis, personalizados desenvolvidos
em plataformas digitais. Os cursos presenciais estão evoluindo para serem
híbridos e mais experienciais e os a distância a serem menos conteudistas e
mais participativos. O design dos cursos começa a ser mais atraente para conseguir
engajar mais os estudantes.
Os cursos presenciais podem preparar de forma adequada
cada estudante ou não. Depende da seriedade da instituição que os oferta. O
mesmo acontece com os cursos a distância: tudo depende da seriedade e
credibilidade das instituições que oferecem os cursos.
No ENADE de 2022 33,7% dos cursos EAD e 28,2% dos
cursos presenciais ficaram com o conceito Enade 1 e 2, notas consideradas
baixas. Só 5,5% dos cursos tiveram conceito 5. São indicadores claros de que a
qualidade média dos cursos é sofrível. Os cursos a distância precisam melhorar,
sim; assim como os presenciais.
Muitos alunos chegam ao Ensino Superior com defasagens
graves de conhecimento e competências. Se os cursos presenciais e a distância não
são atraentes e com bom acompanhamento, a formação desses alunos continuará
deficiente. Os cursos a distância precisam de maior gestão do tempo, autonomia por
parte do estudante e qualidade de acesso. Para esses estudantes o design dos
cursos teria que ser muito mais personalizado e com acompanhamento mais intenso,
o que implica em custos mais altos. Isso vai na contramão do mercado, que
oferece projetos de custo baixo, de produção pronta e com baixa interação e
supervisão.
Compreendo o argumento de que o acesso ao ensino
superior é socialmente relevante para os que moram longe, para os mais carentes
e que para muitos é uma oportunidade de ascensão profissional e social. 87% das
pessoas matriculadas em cursos a distância trabalham. 85% vieram de escolas
públicas.
Mas as IES precisam garantir que os formandos estejam aptos
a exercer uma profissão, que desenvolveram os conhecimentos, habilidades e
competências propostos nos projetos pedagógicos de cada curso. Estamos
distantes de bons resultados, na média, nos cursos presenciais e a distância.
Nos encontramos em um período de revisão das matrizes
curriculares, de tornar os cursos muito mais ativos, experienciais e com maior
vínculo com as demandas sociais e profissionais. Essas mudanças implicam em ter gestores e
docentes bem-preparados e remunerados, plataformas e soluções digitais mais
avançadas.
Escrevi em 2013: “Muitas instituições banalizam a EAD;
pensam que é fácil, barata, com recursos mínimos e que qualquer um pode
trabalhar nela ou ser aluno. Muitos cursos são previsíveis, com informação simplificada,
conteúdo raso e poucas atividades estimulantes e em ambientes virtuais pobres,
banais. Focam mais conteúdos mínimos do que metodologias ativas como desafios,
jogos, projetos. Contratam profissionais com pouca experiência, mal
remunerados, principalmente os tutores, sobrecarregados de atividades e de
alunos. As práticas laboratoriais e de campo muitas vezes são quase
inexistentes”[1].
A solução não é demonizar a EAD ou defendê-la sem
mais. A solução mais simples e problemática é proibir. Resolve? Não. Agrada a
determinados grupos e Conselhos profissionais que são mais organizados e
influentes. Mas deixa o problema intocado e sujeito a questionamentos
acadêmicos e legais. Por que um curso como Direito não pode ser feito com
qualidade a distância? Podemos ignorar, de outro lado, que muitos cursos são
frágeis em ambas as modalidades? Também não. Depois da pandemia muitos alunos
não querem o presencial convencional. É possível hoje desenhar cursos mais flexíveis,
híbridos em todas as áreas, também na formação de professores.
O debate na sociedade está muito polarizado contra e a
favor da EAD, sem uma discussão madura de como é possível ensinar com qualidade
em um mundo que se transformou drasticamente nos últimos anos e que exige propostas
curriculares diferentes das que estávamos acostumados, tanto nos cursos “presenciais”
como nos “a distância”.
José Moran
Professor, escritor
e pesquisador de projetos educacionais inovadores
Autor do blog Educação Transformadora moran.eca.usp.br
[1] A EAD no Brasil: cenário atual e
caminhos viáveis de mudança. https://moran.eca.usp.br/wp-content/uploads/2013/12/cenario.pdf
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