Os impactos da transformação digital na educação
José Moran
A transformação da cultura digital nas escolas requer, além de políticas públicas coerentes e constantes, um esforço conjunto de gestores, professores, alunos e famílias para integrar as inúmeras possibilidades de ensinar e de aprender com tecnologias cada vez mais poderosas de forma coerente e eficiente. Para grande parte das escolas, principalmente públicas, há um brutal descompasso entre as possibilidades e a realidade, tanto no acesso como no domínio tecnológico e pedagógico que as plataformas com inteligência artificial nos trazem. Mesmo com esse gigantesco desafio a vencer, é importante que todos os educadores conheçam e experimentem, até onde lhes for possível, as inúmeras possibilidades e questões que o digital traz para ensinar e aprender a partir de agora.
A transformação digital está impactando a educação como um todo, desde o planejamento e gestão escolar até o ensino e avaliação dos alunos. Todas as escolas estão enfrentando mudanças nas formas de ensinar e de aprender com metodologias ativas, aprendizagem criativa e humanizadora, com apoio de plataformas e aplicativos cada vez mais evoluídos, que dialogam com a experiência, vivência, sensibilidade e motivação dos estudantes, num cenário ainda muito desigual. As tecnologias “inteligentes” estão mostrando que, nas mãos de profissionais criativos e humanos, podem contribuir para redesenhar os currículos, as metodologias, os espaços, a tutoria e a avaliação, tornando a escola muito mais aberta, participativa e relevante.
Começamos a ter diagnósticos mais precisos dos avanços e lacunas de cada estudante, do que precisam focar mais, com tutores digitais e outras tecnologias como apoio para a gestão de cada etapa, com a supervisão e acompanhamento docentes. Cada aluno pode ter uma sequência curricular mais personalizada, de acordo com sua realidade e necessidades e ao mesmo temo participar de projetos grupais com muita experimentação e compartilhamento.
Tendo
acesso e domínio digitais, os docentes podem desenhar e gerenciar o que cada
estudante aprende, os avanços e as dificuldades de cada um. Cada aluno pode ter
seu tutor virtual com o qual interagir, tirar dúvidas, avançar. O professor pode
acompanhar o percurso de cada aluno, e assim desenhar atividades adequadas para
o momento em que ele se encontra, ajudando-o a problematizar, contextualizar,
orientar nas dimensões mais criativas, complexas e humanas.
Cada
professor pode acompanhar o mapa dos avanços e dificuldades de cada estudante e
redesenhar estratégias ativas mais adequadas para cada um e acompanhá-las em
cada etapa. Pode ver como esse aluno está em relação a outras turmas do mesmo
ou de outros colégios parceiros. O professor pode visualizar as estratégias
didáticas de cada colega e propor algumas atividades ou projetos em conjunto.
Os
gestores podem acompanhar e gerenciar o andamento das turmas, onde há alguns
problemas específicos, antecipar-se a situações que podem trazer problemas mais
adiante (ausências, desistências...), podem avaliar o desempenho dos docentes
por área de conhecimento, por série, por escola, analisando um conjunto de
escolas. Podem ter um mapeamento dos pais, das questões mais controversas e das
estratégias mais adequadas.
As
famílias podem ter acesso ao planejamento, andamento e avaliação do processo de
ensino e aprendizagem dos seus filhos e como ele está dentro da sua classe e em
relação a outros colegas de outras classes e ter feedbaks mais precisos para ajudar na solução de
problemas antes que eles se avolumem ou tornem mais difíceis de enfrentar.
Famílias também pode colaborar com suas competências profissionais e seu tempo
para ajudar os alunos em workshops e outras formas de colaboração (itinerários
formativos).
Estou ciente de que a
tecnologia não é uma panaceia e que a educação é um processo essencialmente
humanizador, de encontro entre pessoas que se ajudam, interagem, se apoiam. A transformação
digital também revela problemas difíceis de resolver como a desigualdade de
acesso principalmente para alunos de baixa renda e em regiões pouco conectadas.
Como estamos em uma
fase ainda incipiente de difusão dessas novas plataformas de IA, precisamos
também para os desafios que eles trazem para nossa vida pessoal, social e
especificamente na educação. Esses sistemas usam enormes bases de dados, filtrados
por algoritmos, visões de mundo e interesses. Sabemos que há vieses nestas
escolhas, que podem não ser imparciais, objetivas ou éticas. Ainda estamos numa
fase muito nebulosa de como funciona a caixa preta da inteligência artificial. Sabemos
que os sistemas com IA se espalharão para todos os domínios, aplicativos e
plataformas. Há visões de mundo muito diferentes em quem trabalha com educação
e também nos que vendem soluções tecnológicas. E, em paralelo, com a tutoria
mais “inteligente” e personalizada, precisa ir junto uma formação humanista e crítica
para que não tenhamos crianças e jovens interagindo excessivamente com
máquinas, que são atravessadas por múltiplos interesses.
As consequências
negativas da exposição exagerada às telas já são hoje mais perceptíveis no
quotidiano e nas investigações acadêmicas. Os alunos estão constantemente
conectados à internet e às redes sociais, o que pode prejudicar a concentração
e a atenção e o risco de dependência das tecnologias digitais e de viver em
bolhas informacionais fechadas. O digital está contribuindo para um maior
individualismo, narcisismo e fechamento em grupos que pensam de forma
semelhante. O uso excessivo das tecnologias digitais também pode levar à
ansiedade: os alunos podem se sentir pressionados a estar sempre conectados e a
acompanhar as últimas tendências. Tem aumentado também a tristeza, depressão, o
isolamento nesses últimos anos de confinamento e pós-pandemia.
O processo
digital vai se aprofundar e, junto com ele, os cuidados redobrados na formação
e acompanhamento de crianças e jovens, que precisamos ter todos: pais,
educadores, estudantes, organizações políticas e sociais.
José Moran
Professor, escritor
e pesquisador de projetos educacionais inovadores
Autor do blog Educação Transformadora
Texto disponívelo em: http://www2.eca.usp.br/moran/wp-content/uploads/2023/06/impactos_digital_educa%C3%A7%C3%A3o.pdf
Comentários