“Escolas interessantes começam com gestores acolhedores”, afirma José Moran
Professor, escritor e pesquisador de projetos educacionais inovadores, José Moran, autor do blog Educação Transformadora, conversou com o Escolas Exponenciais. Durante a entrevista, o educador falou sobre educação do futuro, metodologias ativas e sobre como melhor preparar a equipe pedagógica diante das transformações na educação.
Escolas Exponenciais: Muito se vem falando atualmente sobre educação do futuro. Para o senhor, quais as principais tendências neste segmento?
José Moran: Há mais de 30 anos participei da criação do projeto escola do futuro na USP. E os especialistas internacionais nos profetizavam que a escola estaria profundamente transformada em 10 ou 15 anos e que cada aluno poderia aprender a partir dos seus interesses, em qualquer lugar, a qualquer hora e de múltiplas formas. Três décadas depois, mesmo com tantos avanços, as escolas – na sua maioria – são mais burocráticas do que encantadoras.
A separação entre espaços físicos presenciais e digitais se reconfigurou – como em outras áreas da nossa vida – e há um crescente consenso de que construiremos, a partir de agora, muitas propostas diferentes de ensinar e de aprender híbridas, mais flexíveis, personalizadas e participativas, de acordo com a situação, necessidades e possibilidades de cada aprendiz. As arquiteturas pedagógicas serão mais abertas, personalizadas, ativas e colaborativas, com diferentes combinações, arranjos, adaptações num país com realidades muito desiguais
Educação em espaços flexíveis significa que podemos redesenhar todas as possibilidades do aprender incorporando as trilhas individuais que cada aluno possa realmente desenvolver cada vez com mais autonomia no presencial e no digital também as diversas formas de aprendizagem em grupo, entre pares através de projetos, jogos de forma síncrona e assíncrona com apoio de plataformas e aplicativos digitais, mediação docente e o apoio de tutores e mentores.
Inteligência Artificial, tecnologias imersivas, personalização do aprendizado, são algumas das tendências educacionais que serão vistas ainda mais no futuro da educação. As escolas estão se transformando digitalmente. O digital é um ambiente essencial para integrar todas as áreas, pessoas e serviços e poder oferecer experiências ricas e diferenciadas de aprendizagem, pesquisa e parcerias.
Plataformas digitais e aplicativos com inteligência artificial fornecem dados personalizados e atualizados de todos e para todos (gestores, docentes, estudantes e famílias); integram todos os setores, atividades, participantes; tudo fica visível, facilitando a tomada de decisões pedagógicas, administrativas e financeiras.
Para inovar precisamos de ambientes de confiança, de respeito; ter gestores e docentes valorizados e escolas abertas para a comunidade e para o mundo. Um dos grandes problemas da cultura no Brasil é a difícil relação de confiança social. Temos uma cultura de afabilidade, mas não de confiança. Sem ambientes de confiança, as inovações são muito mais lentas e complicadas.
Avançaremos no redesenho de projetos educacionais que sejam flexíveis, de qualidade, de custo menor e de resultados mais rápidos e ágeis. Ao mesmo tempo que fazemos as mudanças possíveis agora, neste período de transição, é importante definir um projeto estratégico de transformação no médio prazo das escolas e instituições de ensino superior para que realmente sejam modernas, atraentes, envolventes e relevantes nos próximos anos.
Fazer mudanças é complexo e necessário; não fazê-las, é condenar milhões de estudantes a um futuro medíocre, pouco criativo e empreendedor. As mudanças servirão para oferecer uma educação de qualidade, relevante e que ofereça condições de que todos possam transformar suas vidas, realizar seus sonhos e contribuir para um país mais justo.
EX: Como as metodologias ativas se relacionam com a educação do futuro?
José Moran: Metodologias ativas e modelos flexíveis permitem combinar e integrar de forma equilibrada a personalização – em que cada estudante percorre e escolhe seu caminho, ao menos parcialmente e avança no seu ritmo -; a aprendizagem ativa em grupo – através de projetos, problemas, desafios, debates, aprendizagem por times, instrução por pares, jogos, narrativas em momentos presenciais e online e a aprendizagem por tutoria/mentoria, em que a ação docente é mais direta, problematizando, orientando, avaliando e projetando.
As plataformas digitais caminham para adaptar-se mais às diversas necessidades dos estudantes e tornam visíveis para todos – estudantes e docentes – os diversos percursos e ritmos, os avanços e dificuldades de cada um, o que contribui para que os professores possam planejar melhor as atividades em sala e desenvolver melhor seu papel tutorial, de orientação.
Os modelos ativos híbridos fazem mais sentido quando são organizados com políticas públicas sólidas, coerentes e com visão de longo prazo, (o que não é trivial). Eles fazem mais sentido quando estão planejados institucionalmente e de forma sistêmica, como componentes importantes de reorganização do currículo por competências e projetos, de forma flexível, com diversas combinações de acordo com as necessidades do estudante (personalização), intenso trabalho ativo em equipes, tutoria/mentoria (projeto de vida) com suporte de multiplataformas digitais integradas
A partir de agora, podemos tornar nossas escolas muito interessantes, criativas, empreendedoras, humanas. Podemos encantar, abri-las para o mundo, escutar mais ativamente os estudantes, utilizar todas as estratégias e tecnologias para que eles aprendam. Os estudantes podem aprender sozinhos, em grupo, em turmas grandes, de forma síncrona e assíncrona, por tutoria e mentoria, em espaços formais e informais.
Hoje precisamos de um olhar um pouco mais atento aos estudantes, de escuta ativa; perguntar mais, não só pressupor. O planejamento docente pode ser mais aberto, compartilhado e modificado durante todo o percurso no diálogo com os estudantes.
Uma parte do processo de aprendizagem depende deles: precisam de motivação, de confiança e perseverança. Podemos partir de onde os estudantes estão, do que eles valorizam para ampliar seu repertório, a descoberta de novas perspectivas e a construção de narrativas criativas. É cada vez mais relevante a ênfase em projetos reais, que ajudem a conhecer e tentar resolver problemas da comunidade, principalmente dos mais carentes, convivendo também mais com eles.
EX: Como os diretores podem preparar os professores e a equipe pedagógica para toda essa transformação que está acontecendo na educação? Como motivar?
José Moran: Escolas interessantes fomentam o clima de transparência, de acolhimento, de diálogo, de compartilhamento de práticas e de envolvimento na tomada de decisões estratégicas de todos os setores da comunidade. Escolas interessantes começam com gestores acolhedores, que lideram pelo exemplo, que apoiam docentes, estudantes e famílias.
As decisões de transformação quanto mais assumidas pela instituição como um todo, melhor. O apoio de mantenedores, gestores e coordenadores à inovação, à busca de uma maior experimentação mobiliza o corpo docente para ousar mais, propor alternativas, compartilhar práticas.
É importante conhecer diferentes projetos de escolas (benchmarking) , analisá-los e procurar envolver a toda a comunidade no desenho do modelo que pareça mais adequado para aquela instituição.
Algumas ações mais específicas: fazer um levantamento de quais docentes e grupos já têm familiaridade com trabalho por projetos, com ensino híbrido, com aula invertida, aprendizagem por times e outras tantas técnicas de engajamento ativo dos estudantes.
Tornar visível esse mapa é útil para que a instituição se conheça melhor e possa discutir com mais propriedade as etapas seguintes. Os próprios docentes podem capacitar seus colegas. É muito mais rápido, barato e de efeitos rápidos. A aprendizagem por pares é eficaz também entre os docentes. Essas formações podem ser ampliadas com workshops imersivos pontuais de grupos externos para preencher lacunas e apontar novos caminhos.
Realizar formações ativas, imersivas com metodologias ágeis para acelerar as mudanças mentais, na forma de pensar, ensinar e de agir. O propósito é acelerar a transformação do mindset das pessoas; que passem da mentalidade focada na certeza, no medo de falhar para a de arriscar, de estimular a experimentação, o erro, a criatividade, o desafio.
É importante também a formação ativa dos estudantes para que saiam da atitude passiva de esperar que o professor decida tudo por eles para a de perceber que quanto mais se envolvam, pesquisem e resolvam problemas mais eles evoluirão. A formação precisa chegar também às famílias para que compreendam, vivenciem e apoiem as mudanças curriculares, metodológicas, avaliativas e participem ativamente de todo o processo.
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