Transformações na Educação impulsionadas pela crise
José Moran
Educador e pesquisador de
processos de transformação
das Pessoas, Escolas e
Universidades
As crises trazem consequências muito diferentes em todos os
campos, porque as pessoas reagem a elas de formas bastante diferentes. Alguns
aprendem rapidamente, experimentam, enxergam novas oportunidades (modificam sua
mentalidade mais profundamente); outros desenvolvem algumas competências
digitais, práticas diferentes e fazem só alguns ajustes no seu modelo mental e
de vida (realizam mudanças parciais). Um terceiro grupo de pessoas permanecem
na defensiva, só enxergando perdas e problemas (e só mudam tardiamente e a
contragosto).
As transformações que virão serão fortes, mas com
consequências muito diferentes para os diferentes grupos. Uns sairão
fortalecidos, com mais ideias para pôr em prática novas competências, visões,
oportunidades. A maioria vai fazer ajustes, incorporar algumas práticas
digitais, e terão que avançar mais rapidamente forçados pelas circunstâncias de
empobrecimento, pela atratividade das propostas dos novos concorrentes. Um
terceiro grupo resistirá o máximo que puder, tentando implementar mudanças mais
cosméticas, de marketing, sem mexer no modelo convencional, porque isso atende
a uma parte da sociedade que é bastante conservadora.
Algumas aprendizagens principais na Educação
Formos empurrados abruptamente para o digital e percebemos
que podemos replicar a maior parte das atividades da nossa vida em diferentes
plataformas e aplicativos: Comunicar-nos, comprar, ensinar, aprender,
comunicar-nos, trabalhar remotamente, fazer consultas médicas, tomar decisões
colegiadas em diversas instâncias.
O confinamento aguçou nosso olhar para a educação como encontro
vivo entre pessoas – todos os envolvidos - que desenvolvem competências
cognitivas, socioemocionais e éticas. Mostrou a importância da empatia, da
resiliência, do acolhimento, da escuta ativa, do estabelecimento de vínculos,
do compartilhamento de saberes, da flexibilidade para entender que a situação e
necessidades de cada um som diferentes. Muitos perceberam a fragilidade da
vida, a importância do afeto, de valorizar-se, de desenvolver projetos interessantes,
de gostar de aprender e de viver de forma mais simples.
Em relação às arquiteturas didáticas, enquanto alguns só
fizeram transposições de aulas presenciais para ambientes digitais - focadas
mais na fala do professor - muitos outros aprenderam a combinar dinâmicas diferentes:
aulas gravadas, ao vivo, com dinâmicas individuais e outras bem participativas,
que antes não lhes eram familiares no digital (trabalho em grupos
simultâneos, desenvolvimento de projetos, metodologias ágeis) com apresentação e
discussão de resultados e novas sínteses.
Muitos estudantes se perguntam agora, por que precisam ir
todos os dias a uma sala de aula para ouvir um professor, gastando tanto tempo
se podem fazer as mesmas atividades online. Muitos docentes também se fazem
perguntas semelhantes: Precisamos estar fisicamente juntos para aprender e
quando é mais vantajoso fazê-lo de um jeito ou de outro? Os gestores, diante do
empobrecimento da população e da acirrada concorrência, também se perguntam: numa
época de empobrecimento, como trazer uma educação moderna, ágil, com custos
menores sem diminuir a qualidade?
Algumas aprendizagens mais específicas: Pessoas, escolas e
universidades foram desafiadas a adaptar-se rapidamente, a planejar de forma
rápida, mais compartilhada, com experimentação e avaliação contínuas dos
processos. Isso trouxe uma aceleração do domínio de competências digitais e de
plataformas e aplicativos para ensinar e aprender, grande compartilhamento de
práticas e de descoberta, novas formas de comunicação e de avaliação. Cada
instituição ou sistema, privado e público, procurou, dentro da sua realidade,
encontrar o caminho que lhe pareceu mais adequado. O ineditismo do confinamento
tão longo, causou intenso estresse em todos, mas permitiu experimentar diversas
soluções para a comunicação frequente com alunos e famílias, manter da melhor forma
a dinâmica do ensino e aprendizagem.
Há uma explosão de eventos ao vivo online, para compartilhar
ideias, experiências, problemas. Temos aulas transmitidas ao vivo, outras
gravadas com atividades e muitos arranjos tecnológicos, pedagógicos e
gerenciais. Estratégias diferentes de comunicação com alunos, pais, entre
professores.
Cresceu a importância dos modelos híbridos, da aula invertida com materiais interessantes, em que cada aluno estuda em tempos
diferentes, depois realiza desafios individuais e em grupo de aplicação mais
imediata, utilizando diversas plataformas digitais, com momentos offline combinados
com outros online para apresentação, discussão online e formas mais imediatas
de avaliação. Infelizmente muitos aprenderam a utilização mais simplista e tradicional
da aula invertida: Muito conteúdo e atividades pouco desafiadoras nos momentos
online.
Constatamos também alguns avanços no domínio das
metodologias ativas no online, trabalhos por projetos, por design thinking,
jogos, times, no meio de muitas escolas que simplesmente transpuseram modelos
presenciais para o online, gerando bastante desinteresse.
Ficou bem escancarada a tremenda desigualdade social:
infraestrutura, condições de acesso, condições de estudo, econômicas,
emocionais e a engenhosidade de muitas escolas, universidades, prefeituras e
estados para oferecer alternativas para a maioria.
Algumas mudanças mais previsíveis
- Período forte de ajustes em todos os campos pelo empobrecimento de boa parte da população, pelas graves tensões políticas, pela necessidade de baixar custos, de oferecer um serviço educacional que faça sentido para os diversos tipos de estudantes, buscar novas receitas, oferecendo novos serviços.
- Modelos de gestão e acadêmicos mais enxutos, personalizados, economia de escala, incorporação ampla do digital. Mudanças na forma de ensinar. Muitas ofertas e oportunidades de aprender: nano cursos, certificações diferenciadas, plataformas adaptativas com inteligência artificial (que podem auxiliar enormemente na personalização da aprendizagem).
- Vantagens das Instituições
que avançaram na gestão, currículos mais integrados, personalizados e
flexíveis e fortemente digitais, focados em competências. Haverá um
intenso crescimento de modelos ativos híbridos (entendo as muitas
possibilidades e dimensões desse conceito). Assim como todos os setores
econômicos estão oferecendo serviços mais integrados, também o setor
educacional oferecerá propostas muito mais flexíveis, personalizadas e
abertas. Uma boa parte das instituições será empurrada para o híbrido por
necessidade de cortar custos e de enfrentar uma concorrência acirrada, mas
o fará de forma simplista: focando mais em conteúdo do que em desafios; e
manterão os docentes mais baratos e que realizem atividades mais
convencionais.
- Crianças pequenas continuarão precisando
de muito acompanhamento e interação presenciais. Já os demais estudantes
encontrarão muito mais significado em currículos mais personalizados
(trilhas diferenciadas), desafios e projetos engajadores, alternar tempos
pessoais, experiências em grupo e alguns espaços para mentoria.
- Escolas e universidades
farão essas transformações em ritmos diferentes. Haverá novas parcerias
para diluição de custos, enfrentar a concorrência, seguirá onda de fusões.
Haverá num um enxugamento de cargos administrativos e docentes no curto
prazo. As instituições mais sérias manterão os melhores docentes; as mais
comerciais trocarão os docentes mais experientes por docentes com pouca
experiência e baixos salários. Haverá um crescimento de parcerias entre
instituições, de diferentes formas de colaboração, de atuação em redes
mais ativas, assim como aumentarão as fusões para evitar a quebra de instituições
menores.
- Como a Educação é o setor
mais estratégico para a transformação de qualquer país e ela se estende ao
longo da vida de todas as pessoas, haverá cada vez mais oportunidades para
profissionais, organizações de explorar
novos mercados, desenvolver propostas adequadas para as necessidades de
cada um, de cada organização, realizar múltiplas parcerias com todos os
setores econômicos e sociais.
- O grande problema de fundo
do país é a desigualdade brutal e a diferença de oportunidades reais
transformadoras para a maioria da população. Corremos seriamente o risco
de continuar aprofundando o fosso entre instituições que interessantes – mesmo
com modelos diferentes – e muitas outras que vão ficando para trás, com
muita dificuldade de sair da transmissão de conteúdo, exercícios e provas
com consequências devastadoras para o futuro desses jovens e do país.
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