José Moran
Introdução
A mentoria é essencial em um mundo mais complexo, com
muita facilidade de informação e desinformação; onde tudo está na mão, num
fluir ininterrupto de vídeos de impacto lutando pela nossa atenção e onde
muitos adolescentes se informam pelas redes sociais.
Parto do exemplo da Rede Pública de Escolas Summit
que trabalha, há mais de dez anos, com tempos de aprendizagem individual (alunos estudam sozinhos
os seus notebooks, no seu tempo, em salas de aulas grandes. Depois trabalham com
projetos que integram áreas diferentes, mediados por dois professores. Uma vez
por semana cada aluno se reúne com seu mentoria individualmente para calibrar a
adaptação do currículo às suas necessidades e perspectivas futuras. Esse modelo me parece importante hoje, com
tanta dificuldade na concentração, em manter o equilíbrio emocional, a saúde
mental e a convivência com pessoas com visões tão diferentes.
Temos escolas com
propostas e valores muito diferentes. Há uma tensão entre modelos abertos de
ensino/aprendizagem com mais ênfase na autoria/criatividade, participação dos
alunos) e outros mais conteudistas, estruturados e/ou controladores. Uma
parte da sociedade espera uma escola mais autoritária e pouco democrática.
Apoio a educação transformadora, a educação humanista,
criativa, ativa, criativa e que dialoga criticamente com o mundo digital.
O
professor hoje tem um tutor com ele para tudo (planejamento, mediação,
avaliação). Professor como mentor além do tutor digital. Que cria, inspira,
problematiza, acolhe e questiona
O contexto atual da mentoria na docência
Os novos modelos educacionais que fazem sentido hoje – mais
ativos, criativos, personalizados, colaborativos, que desenvolvem competências
amplas - implicam em compreender melhor o papel dos docentes neste processo.
Um dos papéis principais até agora era ajudar os alunos a
entender alguns fenômenos através de materiais selecionados. Hoje eles estão
disponíveis ou podem ser disponibilizados para que os estudantes aprendam no
seu próprio ritmo. Plataformas digitais com inteligência artificial conseguem
avaliar quais conteúdos são mais relevantes, que itinerários o estudante pode
seguir, e solucionar as questões mais previsíveis, que podem chegar a 80%. Está
claro que as tecnologias realizarão cada vez com mais precisão uma parte das
atividades dos docentes. O que é essencial hoje no trabalho docente? O que ele
precisar focar melhor? O que a tecnologia não consegue dar conta?
O papel docente mais relevante é ajudar os estudantes a
aprender de forma profunda, ampla, experiencial, reflexiva. O docente será cada
vez mais um orientador, um tutor e um mentor. Um orientador dos caminhos mais
interessantes para aprender, das estratégias que fazem mais sentido para cada
estudante e para os diversos grupos. Ele será um tutor que ajudará nas dúvidas
mais significativas (as básicas a tecnologia o fará), a problematizar, a trazer
outros pontos de vista.
O papel mais novo e relevante que se desenha a partir
de agora para o docente é o de mentor. Os estudantes podem caminhar sozinhos
por roteiros básicos de aprendizagem, podem aprender entre si, mas para um
desenvolvimento de competências cognitivas, pessoais e sociais precisam de um
acompanhamento mais amplo, entender para que aprendem, o que fazer para ter uma
vida com propósito.
O foco em mentoria-tutoria é um tema que precisa ser mais
discutido, experimentado, institucionalizado e que abre novas perspectivas de
atuação profissional para os docentes, dentro e fora das instituições de
Ensino.
O que é
mentoria?
É a prática
de ajudar ou de aconselhar uma pessoa menos experiente, durante um período de
tempo. Sua finalidade é apoiar e
incentivar as pessoas a melhorar seu próprio aprendizado para maximizar seu
potencial, desenvolver suas habilidades e melhorar seus desempenhos para se
tornarem quem desejam se tornar.
É uma prática bem
enraizada no mundo profissional e que agora ganha atenção nesta fase de
transformações profundas pelas que a educação está passando.
Num sentido
amplo os docentes serão cada vez mais
mentores para que os estudantes consigam desenvolver as competências
necessárias em cada área de conhecimento, em cada etapa do processo de
aprendizagem, para sua vida profissional e pessoal. Num sentido mais estrito,
alguns docentes mais experientes começam a desempenhar novos papéis tanto em
instituições educativas inovadoras como em formas de ensinar e de aprender mais
abertas, informais, híbridas na educação continuada.
A tutoria é uma
orientação mais prática, dirigida a áreas de conhecimento específicas (como
acontece nos cursos online) e que pode combinar-se com processos de orientação
mais amplos, que envolvem carreira, competências e vida, que são os de
mentoria.
Algumas formas
de Mentoria na Educação
· Mentoria
acadêmica e mentoria no desenvolvimento de competências pessoais e sociais
O foco é a formação integral do estudante, que passe não
somente por questões acadêmicas e de conhecimento teórico e técnico, mas,
competências pessoais e profissionais, a partir dos quatro pilares da Unesco -
aprender a ser, a fazer, a conhecer e a conviver.
Gerenciar a vida pessoal e profissional é uma das
competências que os estudantes precisam desenvolver, de acordo com as
diretrizes atuais da Educação Básica. Devem conseguir refletir – em ambientes
de confiança e liberdade - sobre seus desejos e objetivos, aprendendo a se
organizar, estabelecer metas, planejar e perseguir com determinação, esforço,
autoconfiança e persistência seus projetos presentes e futuros, assim como
também a compreensão do mundo do trabalho e das
profissões, seus impactos na sociedade, hoje no futuro.
A mentoria acadêmica do docente está centrada na
aprendizagem criativa e ativa; de conteúdos trabalhados de forma invertida; na
orientação de projetos significativos, e, quando possível, reais; na
personalização da aprendizagem (itinerários diferentes, autonomia crescente),
no desenho e acompanhamento das atividades colaborativas. A mentoria acadêmica
tem o foco ampliado hoje na ênfase na aprendizagem com propósito (orientação de
valores e competências pessoais e sociais). Esse trabalho é feito por todos os
docentes, de forma ampla, pelos tutores quando orientam áreas mais específicas de
conhecimento e por alguns profissionais mais experientes e que abordam a gestão
da aprendizagem por competências pessoais e sociais de uma forma mais direta,
individualmente ou em pequenos grupos.
A mentoria nesse conceito mais amplo pode ser feita de forma
mais formal, planejada, institucional e/ou informal, incentivando
que mais profissionais de dentro e fora da instituição atuem como
orientadores, de várias formas de docentes mais novos, de docentes orientando
estudantes, ou de estudantes mais experientes realizando atividades de tutoria
de colegas mais jovens. Hoje nas redes sociais há muitas comunidades de
prática, onde quem tem um conhecimento mais consolidado o coloca a
disposição do grupo e essas experiências são compartilhadas com todos ou com os
que se interessam mais.
Há também as comunidades de aprendizagem em que
todos os envolvidos contribuem para o desenvolvimento de projetos interessantes
de aprendizagem e onde todos constroem em parceria esse projeto, aproveitando
as diversas competências dos participantes.
A mentoria pode ser
mais por turma e a mentoria mais personalizada (alunos escolhem seu mentor, que
o ajuda a fazer a integração entre aprendizagem e vida). A mentoria/tutoria por
turma é mais econômica para a instituição; a mentoria é mais cara, mas, será o
caminho no médio prazo. Há tutorias
também entre pares, onde alguns
estudantes mais experientes são tutores de alunos mais iniciantes, sob
supervisão de algum professor-mentor designado pela instituição de ensino.
Assim como em todos os campos de serviços, há uma hibridização
nos modelos de mentoria. Existem os totalmente presenciais, os híbridos
(parcialmente presenciais e online) e os totalmente online. Com o
expressivo avanço dos cursos online tem avançado a qualidade e importância das
atividades dos tutores. Cuidam das questões acadêmicas e socioemocionais de
forma cada vez mais ampla, que vão desde envolvendo o acolhimento, a manutenção
de vínculos, a orientação de grupos, de projetos.
·
Mentoria na formação docente e mentoria de professores
que iniciam sua vida
profissional
A mentoria é uma relação colaborativa temporária entre dois
docentes, um dos quais, o mentor, é um professor mais experiente que acompanha
a prática docente do professor iniciante, fornecendo-lhe feedback e
compartilhando estratégias formativas.
O projeto europeu Mentor foi concebido para encorajar
e apoiar a implementação de mentoria entre professores, preparando professores,
com experiência na respetiva profissão, para que se tornem mentores de
professores em início de carreira e, por conseguinte, contribuam para o
desenvolvimento profissional dos professores. É um programa desenvolvido em
alguns países da Comunidade Europeia e se orienta para a mentoria de
professores do ensino Fundamental
Outro programa interessante é o de Mentoria de professores
iniciantes na educação pública infantil feito a distância por docentes da
Faculdade de Educação da Universidade Federal de São Carlos.
·
Mentoria entre alunos
Programas de mentoria por pares consistem na orientação e
suporte proporcionados por estudantes mais experientes aos novos colegas ou a
alunos que apresentam dificuldades. Esse suporte visa o seu desenvolvimento
profissional (e.g., desenvolvimento de competências académicas) e psicossocial
(e.g., suporte emocional e psicológico). Os estudantes que orientam são alunos-tutores,
que, por sua vez, são supervisionados por professores-mentores da Instituição.
Exemplos: Programas da Universidade do Minho em Portugal,
das Universidades de Granada, Sevilha, Madri, Burgos, Múrcia e Cádiz, na
Espanha.
Outros exemplos de programas pioneiros de mentoria entre
alunos. Programa de Mentores de Pares da Universidade de New Brunswick; Programa
de Parceria de Assistência de Mentoring da Universidade John Hopkins
(Baltimore, Maryland), Programa de Mentores de Estudantes da Faculdade da
Universidade Politécnica da Califórnia (Califórnia).
A Drake University (Des Moines, Iowa) designa mentores para
grupos de novos alunos (grupos entre cinco e dez). O programa trabalha com os
alunos que no verão fazem a pré-inscrição para ingressar na universidade. Aproveitam
o início do curso para realizar um seminário para recebê-los e apresentá-los à
nova instituição.
·
Mentoria na Escola e mentoria fora da Escola
Há instituições que integram mentores
acadêmicos com mentores profissionais, em currículos realizados em instituições
educacionais e empresas ou outras organizações sociais. Destaco o projeto pioneiro da Engenharia Química
da USP, que existe desde o começo da década de 90. A partir do terceiro ano do
curso, é oferecido no formato Cooperativo em módulos quadrimestrais: Cinco
módulos acadêmicos alternam‐se com quatro módulos de estágio. Nos módulos acadêmicos,
a ênfase é na permanência do aluno dentro da universidade. Já nos módulos de
estágio, são reservados quadrimestres na grade curricular para o exercício, por
parte dos alunos, de atividades remuneradas em empresas e instituições, no
Brasil e no exterior, que mantêm convênios com a Escola Politécnica. Desse
modo, o aluno pode se dedicar exclusivamente às atividades acadêmicas e ao
estágio. Cada programa de estágio é aprovado pela Escola para verificação da
sua adequação ao projeto pedagógico. Durante o módulo de estágio, o
estudante é supervisionado e avaliado pela empresa/instituição, e, também, pela
Escola, por meio de relatórios e acompanhamento por um professor/mentor. A
educação cooperativa estimula e valoriza o contato do aluno com a prática
profissional, possibilitando uma formação teórica e aplicada em engenharia
química.[5]
·
Mentoria para acelerar a inovação educativa
Todas as escolas e universidades estão se
transformando de forma mais rápida ou com mais lentidão, mas todas estão
buscando modelos que façam sentido para o mundo de hoje e de amanhã. Isto está
abrindo um horizonte riquíssimo de possibilidades profissionais de mentoria
para ajudar a desenhar esses modelos de transformação, para acelerar os
processos de mudança, para orientar esses processos, para alinhar os diferentes
grupos com visões diferentes, para acompanhar de perto gestores, docentes e
organizações parceiras, para que a visão se transforme mais rapidamente em
ação.
A mentoria na educação é uma tendência que faz sentido, vai ser cada vez
mais significativa, diversificada e de importância crescente na educação formal
e informal e em novos nichos ainda pouco explorados.
Conclusão
Mentoria não é um
tema novo, mas a ênfase e possibilidades de atuação hoje começam a ampliar-se
de forma significativa.
Mentoria faz sentido como o papel mais relevante na
docência tanto na forma mais ampla como mais específica. É um tema que precisa
ser mais discutido na comunidade acadêmica, divulgando as melhores práticas, as
novas oportunidades que o processo de transformação de escolas e universidades
está trazendo para a Educação formal e informal, presencial e online em todas
as etapas e níveis.
É um grande campo profissional que se desenha, amplia e
consolida.
Algumas referências
CASADO-MUÑOZ, R.,
LEZCANO-BARBERO, F. y COLOMER-FELIU, J. (2015). Diez pasos clave en el desarrollo
de un programa de mentoría universitaria para estudiantes de nuevo ingreso. Revista
Electrónica Educare, 19(2), 155-180. (Os pesquisadores confirmam que a
mentoria também é uma ferramenta oportuna para melhorar a retenção e o sucesso
de novos alunos).
CRISP, G. y CRUZ,
I. (2009). Mentoring
college students: a critical review of the literature between 1990 and 2007. Research
in Higher Education, 50(6), 525-545. (mostram o alto potencial do mentoring
como uma estratégia de orientação visando alcançar ótimos resultados no ensino
superior)
MACIAS, Andrés et
alii. Innovación en la Orientación Universitaria. La mentoría como respuesta. Contextos
Educativos, 6-7 (2003-2004), 87-112. Universidad de la Rioja. Disponível
em:
SILVA, Andreza –
Coaching Acadêmico: Desenvolvimento de competências para a conquista de
resultados. In SILVA, A (Org.). Coaching e suas aplicações. Jundiai:
Paco Editorial, 2018. p.103-118.
SMITH-RUIG, T. (2014). Exploring the
links between mentoring and work-integrated learning, Higher Education
Research & Development, 33(4), 769-782. (enfatiza os benefícios
psicossociais que proporciona e seu grande valor para o planejamento e
desenvolvimento das carreiras profissionais dos estudantes.)
José Moran
da Educação, especialmente com Metodologias Ativas,
Modelos Híbridos, Tecnologias digitais, Aprendizagem visível, Projeto de Vida e Mentoria
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