Metodologias ativas: alguns questionamentos
Texto ampliado e
complementar do meu capítulo: Metodologias Ativas
para uma aprendizagem mais profunda, In BACICH & MORAN (Orgs). Metodologias ativas para uma educação
inovadora. Porto Alegre: Penso, 2018.
As metodologias ativas estão muito em
voga na educação básica e superior, como abordagens pedagógicas que privilegiam
a aprendizagem dos estudantes por descoberta, por investigação ou resolução de
problemas. Apesar de não ser um tema novo (Dewey, fim do século XIX) temos hoje
mais evidências científicas da sua importância para uma aprendizagem mais ampla
e profunda (Psicologia, Neurociência, Pedagogia) e da urgência na sua
implementação num mundo em profunda transformação.
Encontramos, contudo, diferentes interpretações do seu
alcance e significado. Uns entendem as
metodologias como domínio de algumas técnicas e abordagens para envolver mais os
alunos (aula invertida, rotação por estações, projetos) e as utilizam predominantemente
de forma individual. Outros as veem como estratégias mais complexas centradas
na participação efetiva dos estudantes, na integração maior entre áreas de
conhecimento e docentes (salas de aula adaptadas, projetos integradores, como o
STEAM que articulam Ciências, Matemática, Engenharia, Artes e Tecnologias). Um
grupo menor de educadores e gestores enxerga as metodologias ativas dentro de
um movimento de transformação mais ampla das Escolas e Instituições de Ensino
Superior, que reestrutura o currículo por projetos, os espaços, a avaliação e a
participação mais efetiva da comunidade.
Metodologias estão
associadas a diferentes conceitos de participação. Enquanto para umas
escolas a participação dos estudantes se limita à execução das atividades
previstas, em outras há diferentes níveis de negociação, participação e
personalização (escolhas, roteiros diferentes). Há escolas que envolvem parcialmente
os pais e a comunidade nas decisões pedagógicas e curriculares; em outras o
conceito de Escola como Comunidade de Aprendizagem é central e o nível de participação
mais abrangente (pais e organizações locais participam na gestão e nas decisões
mais relevantes, assumem a mentoria de alguns projetos ou de alunos com
dificuldades. Infelizmente, ainda tem pais que transferem a responsabilidade de
educar para a escola e não participam ativamente, mesmo insistentemente
convidados, para contribuir efetivamente.
Metodologias
ativas pressupõem uma mudança cultural na visão sobre a Escola (básica/superior)
de todos - gestores, docentes, funcionários, estudantes, famílias. Não é
simples mudar paradigmas mentais consolidados, sair da posição central de
docentes para a de mediadores. Exige um
investimento maior em formação, experimentação, mais tempo de preparação das
atividades, de planejamento em conjunto com vários colegas, de participação
maior dos alunos e ter um domínio mais amplo das tecnologias digitais. Alguns
avançam mais rapidamente, mas outros precisam de mais tempo, de ter mais
exemplos exitosos acontecendo e há um terceiro grupo que resiste ao máximo às
mudanças. O papel dos gestores é decisivo para diminuir a distância entre os
mais proativos e os que têm mais dificuldades: Podem promover maior intercâmbio
entre os diversos grupos, troca de experiências, realização de oficinas,
compartilhamento das melhores práticas e cobrança de resultados.
Metodologias
ativas precisam também de melhores condições materiais: redesenho das
salas de aula, aumento da conectividade, melhoria das condições trabalho dos docentes,
que são muito precárias, para a maioria: trabalho em dois ou três turnos,
número excessivo de aulas e alunos, pouco tempo de preparação, acompanhamento e
avaliação dos estudantes, salários baixos, pouca valorização profissional. Não
podemos esperar grandes transformações na base só do idealismo e do voluntarismo.
Algumas questões pedagógicas
Alguns
docentes confundem “ativismo” (fazer muitas atividades) com metodologias
ativas. Há um certo encantamento com a ação, com os ambientes “maker”, com os produtos (projetos,
vídeos produzidos, aplicativos digitais) e um encantamento menor com a
reflexão, a leitura e o aprofundamento conceitual posterior. Ambos são
necessários; mas a leitura e a reflexão são um desafio mais complexo para
crianças e jovens o que exige dos docentes sintonia fina e persistência para
auxiliá-los no desenvolvimento de estratégias progressivamente mais complexas
de análise, reflexão e síntese. Atividades práticas, sem reflexão adequada, podem
levar a aprendizagens superficiais e a desenvolvimento insuficiente das
habilidades e competências esperadas em cada etapa da aplicação do currículo. É
bem atual a afirmação do cientista social Kurt Lewin: Nada mais prático do que
uma boa teoria. Ou como afirma Paulo Freire: “A teoria sem a prática vira
'verbalismo', assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto,
quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e
modificadora da realidade”.[1]
Outro problema que aparece com frequência é o repertório pouco diversificado de abordagens e técnicas de alguns docentes para enfrentar processos longos de ensino e aprendizagem como os escolares. Quando descobrem, por exemplo, a aula invertida ou a rotação por estações, repetem os procedimentos muitas vezes e de forma semelhante. Cada abordagem - problemas, projetos, design, jogos, narrativas - tem importância, mas não pode ser trabalhada como se fosse única. Pesquisas mostram que – passado o impacto da novidade – o interesse dos estudantes e dos docentes diminui.
Há diferentes
possibilidades, caminhos e tempos de aprender. As escolas e os docentes têm
um desafio complexo de otimizar as propostas, os recursos, personalizar o
processo de aprendizagem às necessidades de cada estudante e, ao mesmo tempo, acompanhar
um número grande de alunos. Hoje estamos avançando no apoio da inteligência
artificial para mapear essas diferentes trilhas e visualizá-las em tempo real. O
trabalho como gestores e docentes é encontrar quais caminhos são mais viáveis,
atingem melhor os objetivos, ajudam os aprendizes a se mobilizarem mais (mesmo
que não do mesmo jeito). Cada gestor e docente faz algumas opções; testa
diversos roteiros, técnicas, atividades que trazem evidências de que atingirão
melhor os objetivos pretendidos; mas sabendo que não atenderão a todos da mesma
forma e com os mesmos resultados. Não é simples combinar equilibradamente a
personalização, a aprendizagem por pares e a tutoria/mentoria. Como
acompanhar itinerários diferentes em turmas grandes? Como não se perder nos
tempos diferentes, ritmos diferentes, projetos diferentes e, ao mesmo tempo,
conseguir trabalhar valores comuns, projetos comuns, tempos institucionais previsíveis?
Docentes
apontam também sua preocupação com a cobrança por dar conta de todo o
conteúdo previsto, se trabalham as metodologias. Em escolas mais
conteudistas essa cobrança é mais forte. Nelas o professor pode explicar como
está trabalhando o conteúdo (aula invertida, algumas aulas expositivas, espaços
de tira-dúvidas). E sempre deve ficar claro que as metodologias dialogam com o
conteúdo e com o desenvolvimento de competências. Cada professor precisa
avaliar até onde pode avançar, com que colegas pode contar para trabalhar de
forma mais integrada e ir apresentando o processo e os resultados no ambiente
digital possível (da escola ou pessoal).
As escolas
utilizam as metodologias de acordo com a situação em que se encontram. Muitas
escolas (na educação básica e superior) se encontram em um estágio
inicial de transformação: utilizam as metodologias ativas de forma
pontual, dependendo da iniciativa de alguns docentes e gestores, sem um projeto
institucional. Outras se encontram em fase de transformação mais ampla:
trabalham de forma mais sistemática e integrada com projetos, investigação,
desafios, problemas, projetos, aula invertida, experimentação, remodelação dos
espaços e avaliação mais complexa. E um terceiro grupo redesenha (de formas
diferentes) a escola de forma mais sistêmica, em todas as dimensões: uma escola com ampla participação de todos, como
comunidade viva e ativa de aprendizagem, onde o currículo é organizado por
projetos, desenvolvimento de competências e valores humanos sustentáveis.
O
entendimento do que são metodologias ativas, como vimos, é bastante
diversificado, mas cresce a percepção de que não é suficiente planejá-las de
forma isolada; fazem sentido em um contexto de
mudança estruturada e sistêmica. Metodologias implicam, no curto ou médio prazo,
em mudar o currículo, os horários, redesenhar os espaços, os modelos híbridos, repensar
as formas de contratação (inserindo mais tempos para planejamento conjunto, para
mentoria, para as atividades online e participação nos lucros, também). O planejamento das transformações tem
impactos pedagógicos, mas também financeiros, que precisam de um estudo de
viabilidade econômica.
Sabemos que o
caminho da transformação das escolas é longo, complicado e desigual. Mas só
assim ofereceremos reais oportunidades para que todos possam construir uma vida
interessante, com propósito e capaz de enfrentar os imensos desafios que nos
esperam nos próximos anos num mundo tão complexo e desafiador.
[1] FREIRE,
P. Pedagogia da autonomia: Saberes
necessários à prática educativa. São Paulo. Ed.Paz e Terra (coleção leitura), 1996.
25p
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