Aprendendo integralmente por desafios
A vida nos traz desafios cada vez mais complexos em todos os campos e saber enfrentá-los é condição fundamental para o nosso crescimento, amadurecimento e realização em todos os campos e níveis. Quanto mais cedo aprendamos a enfrentar desafios, tanto melhor. Muitos pais e professores querem poupar os filhos e alunos de sofrimentos, dificuldades e angústias que o aprendizado vivencial traz. Tentam antecipar-se, decidindo pelos outros, dando-lhes tudo pronto. Privam essas crianças de inúmeras oportunidades de aprender por elas mesmas e favorecem a acomodação, a passividade e a insegurança delas.
Se queremos formar pessoas
integrais, não podemos focar só a mente, o conhecimento teórico, mas também as
demais dimensões da vida, como seus sentimentos, afetos, atitudes e valores.
Em muitas escolas a preocupação principal é
com o conhecimento intelectual, através de metodologias predominantemente
transmissivas. A maior parte do tempo ensinam
por materiais escritos, orais e audiovisuais. Têm sua importância, mas aprendemos
melhor se combinamos, de forma equilibrada, atividades, desafios e informação
contextualizada. Para aprender a dirigir um carro, não basta ler muito sobre o
tema; temos que experimentar, rodar com o carro em diversas situações, com
supervisão de alguém mais experiente, para depois poder assumir sozinhos o
comando do carro sem riscos
Se é importante que os alunos saibam
pesquisar, a aprendizagem precisa estar fortemente ancorada em diferentes
atividades e formas de fazer pesquisa. Se queremos que os alunos sejam proativos,
precisamos adotar metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada
vez mais complexas, tendo que tomar
decisões e avaliar os resultados. Se
queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas
possibilidades expressivas. As
metodologias precisam acompanhar os objetivos pretendidos.
Quanto mais próxima
da vida for a aprendizagem, tanto
melhor. As metodologias ativas são caminhos para poder avançar mais
rápida e profundamente em processos de reflexão, de integração cognitiva, de
generalização e de reelaboração para novas práticas.
Desafios e atividades precisam
ser dosados, planejados e acompanhados. Os desafios contribuem para entrar mais
em direto com situações, atividades que interessam e nos obrigam a tomar
decisões, a fazer escolhas, a assumir alguns riscos, a aprender pela
descoberta, a caminhar do simples para o complexo, a perceber a partir de
vários pontos de vista. Nas etapas de formação, os alunos precisam de
acompanhamento de alguém mais experiente para ajudá-los a tornar conscientes
alguns processos, a estabelecer conexões não percebidas, a superar etapas mais
rapidamente, a confrontá-los com outras possibilidades.
Alguns componentes são
fundamentais para o sucesso da aprendizagem: a criação de desafios, atividades,
jogos que realmente contribuam para desenvolver as competências necessárias para cada etapa,
que solicitem informações pertinentes, que ofereçam recompensas estimulantes,
que combinem percursos pessoais com participação significativa em grupos.
Hoje o que as tecnologias móveis
e em rede nos trazem é a possibilidade de mapear e acompanhar de forma mais
fácil os percursos pessoais e dos grupos através de aplicativos e programas que
reconhecem cada aluno e que ao mesmo tempo aprendem com a interação.
As metodologias ativas com crianças e jovens incluem jogos como
estratégias importantes de encantamento e motivação para uma aprendizagem mais
rápida e intensa. Os jovens podem aprender
de forma ativa, significativa, por atividades lúdicas próximas a como as
pessoas aprendem na vida real, propondo problemas complexos na forma de jogos
on-line e que exijam soluções elaboradas de diferentes áreas do conhecimento.
Simular situações complexas, com desafios crescentes e que os aprendizes tenham
que vivenciar, com narrativas digitais, em que contam histórias audiovisuais
que façam sentido.
O papel mais importante do
professor é saber gerenciar essa diversidade de ritmos de forma coerente, de
orientar alunos com motivações diferentes, de ser um interlocutor competente e
confiável na construção desses roteiros pessoais-grupais de aprendizagem. Esse
papel é muito mais complexo do que o anterior de explicar os conceitos básicos
de uma disciplina da mesma forma para todos e cobrar resultados previsíveis.
Trabalhar com desafios hoje é
mais complexo, porque cada um dos envolvidos tem expectativas diferentes,
motivações diferentes, atitudes diferentes diante da vida. O educador precisa descobrir quais são as
motivações profundas de cada aluno, o que o mobiliza mais para aprender, os
percursos mais adequados para sua situação e combinar atividades grupais e
pessoais, de aprendizagem cooperativa e competitiva, de aprendizagem tutorada e
autônoma. E isso exige mediadores muito experientes e preparados.
É possível trabalhar com
desafios em um currículo disciplinar e unificado. Essa metodologia pode ser
adaptada a currículos mais ou menos abertos. O importante é o foco mais no
aluno, nas atividades e processos. Há escolas muito mais centradas em
metodologias ativas e outras em que essas metodologias são um dos caminhos que
permitem conciliar conteúdos previstos e competências desejadas.
Em síntese precisamos de bons
desafios, jogos e de boa mediação; bons materiais e bons profissionais. Tudo
isso exige capacitação contínua e atrair pessoas competentes. Apesar dos
avanços, ainda nos faltam bons materiais e bons profissionais com essa
capacidade de gestão de aprendizagens ativas com domínio dos aplicativos e
recursos adequados para cada momento e situação.
Só podemos ensinar até onde
conseguimos aprender. Só podemos
orientar desafios como professores, se tivermos uma aprendizagem rica prévia
sobre como enfrentá-los. Só podemos ser profissionais com uma visão integral,
ampla, se conseguimos desenvolver dentro de nós essa visão ampla, ancorada em
práticas e reflexões constantes. Infelizmente, a formação de professores é
muito incompleta, parcial, míope, com pouca preocupação com esta visão
integral, complexa e inovadora.
Educação de qualidade é um
processo complexo, difícil e caro. Precisamos de bons gestores, educadores,
infraestrutura, metodologias. Bons
profissionais custam cada vez mais. Se queremos educação de qualidade
precisamos investir nos melhores, para formar melhor e obter melhores
resultados.
Texto ampliado do meu livro “A educação que desejamos:
novos desafios e como chegar lá”. Papirus, cap. 1, p. 33-35.
Disponível em www.eca.usp.br/prof/moran/desafios12122013.pdf
Comentários
Sua postagem me faz indagar muito de Edgard Morin,por várias vezes é sitado a complexidiadade na educação, como plena: principalmente quando diz-se..."Se queremos formar pessoas integrais, completas, não podemos ficar só a mente, o conhecimento teórico, mas também as outras dimensões da vida,seus sentimentos, afetos, atitudes e valores". Neste contexto também colocaria a visão de mundo, as desigualdades, o que
conseguimos destruir dentro do nosso habitat, e que agora estamos tentando concertar. Esta conscientização de construir o que foi destruído. Organizar o que foi desorganizado. Os desafios dos profissionais da educação,capacidade mediadora de analisar os processos. O professor tem que se envolver, dinamizar, pesquisar, sentir a necessidade do aluno, "o foco" para vivência não em competir, e sim em interagir, participar, vivência grupal como foi colocado. Só podemos ensinar até onde conseguirmos aprender. Nesta questão acrescento... Aprendemos muito como nossos alunos, a vivência nos mostra isto, quanto mais vivenciamos mais nos apoderamos. "Não existe saber mais ou menos e sim saberes diferentes" (Paulo Freire). Profissionais da Educação que mereçam respeito das Autoridades e do Sistema, nos garantido melhores condições para pesquisas e Visão de Cidadania.
O Edgar Morin é uma referência importante para mim, ao lado de outros como Carl Rogers e Paulo Freire. Se perdemos de vista essa visão humanista do educador e de focar a aprendizagem por desafios, perdemos o essencial. Abraços
Moran
Não precisa fórmulas mágicas para melhorar a educação. Só o essencial e tudo o mais se resolverá. Parabéns pela excelente contribuição. ;)