Aprendizagem desafiadora com currículos mais flexíveis

Num mundo cada vez mais complexo e heterogêneo, a educação precisa dar passos mais acelerados e respostas mais coerentes, com novas formas de desenvolver competências cognitivas, relacionais e éticas.

Aprendizagem ativa, lúdica e diversificada

Quanto mais informação, mais importante é saber escolher, avaliar as informações importantes em cada etapa da aprendizagem, contextualizá-las, sintetizá-las e interligá-las com as atividades concretas pessoais e grupais. Não basta compreender, é fundamental também saber conviver presencial e digitalmente, saber acolher, interagir, colaborar física e online e mostrar coerência ética nas mais diferentes situações.

Com tantos jogos hipersensoriais em tantas telas e situações, a aprendizagem está mais e mais mediada por situações lúdicas, individuais e grupais, que facilitam a experimentação, a vivência sem perigo de desafios fascinantes, de simulação hiperrealista de competições. Mas o processo de aprender se potencializa se há uma reflexão mais sistemática e aprofundada após o jogo, se os alunos ultrapassam o nível sensorial e do senso comum e conseguem realizar sínteses elaboradas e captar relações muito mais ricas do que as sensoriais.

A aprendizagem avança mais por desafios, por interação com práticas significativas e reelaboradas cognitivamente. Todos os espaços são potencialmente ricos de aprendizagens significativas, os espaços próximos e os distantes, os formais e informais, os escolares, profissionais e os sociais. Infelizmente muitos se perdem no emaranhado das dispersões, do entretenimento auto-referente, do surfe inconseqüente. A tentação de querer acompanhar tudo, de abrir múltiplas janelas contribui para a superficialidade da percepção, para uma tensão em relação às perdas inevitáveis, a uma dificuldade de fazer escolhas enriquecedoras e de médio prazo.

Caminhamos aceleradamente para que a maioria das escolas e dos alunos tenha muito mais acesso e contato com as tecnologias digitais móveis, possibilitando a criação de múltiplas redes de aprendizagem entre iguais e diferentes, entre próximos e distantes, entre pessoas de áreas de conhecimento muito diversificadas. Quanto mais ampliamos nosso contato com os diferentes, mais pontos de vista incorporamos, maior leque de opções teremos e mais sinergia possível.

Se temos materiais interessantes em todos os formatos e plataformas, podemos acessá-los antes, estudá-los antes para depois interagir com o professor, o orientador, o tutor mais experiente que nos ajudem a encontrar um rumo, a descobrir significados ocultos, aplicações próximas. As informações são postadas no ambiente virtual, as dúvidas também e reservamos os momentos presenciais para debates, aprofundamentos, problematização, contextualização, previsão de cenários de aplicação. A dinâmica principal será diferente da convencional. Os alunos pesquisam, lêem antes para poder, junto com alguém mais experiente, por em comum as questões mais importantes, as dúvidas, os insights.



Currículos mais flexíveis e personalizados


Os currículos tendem a ser cada vez mais flexíveis e personalizados, com menos disciplinas obrigatórias e alguns eixos temáticos principais; sem um único modelo, imposto da mesma forma e simultaneamente para todos.

Algumas áreas terão mais relevância - como saber ler, interpretar, escrever, contar, raciocinar - e serão oferecidas alternativas diferentes e mais personalizadas de avanço nos estudos. A tendência é a de quebrar o modelo único de currículo, de tudo igual para todos, com equilíbrio entre percursos pessoais e grupais, atividades individuais e atividades colaborativas, tempos iguais e diferentes, momentos presenciais e virtuais. As artes como espaços de criação serão mais incentivadas. Cada aluno, com apoio de um professor-orientador, construirá seu percurso a partir dos espaços comuns, a interação com grupos próximos e outros diferenciados, com atividades comuns e específicas, presenciais e virtuais.


As aulas tendem a ser mais colaborativas, com turmas não muito grandes, com mais atividades digitais, orientação audiovisual, metodologias mais ativas, com alguns momentos presenciais para contextualizar, sintetizar, validar e aprofundar o percurso construído durante as atividades digitais. O modelo de um professor por disciplina para turmas de quarenta alunos será substituído por outros modelos muito mais flexíveis espaço-temporalmente. Só deverá continuar o modelo atual de um professor para uma turma nos primeiros anos de socialização, de alfabetização.

A orientação de aprendizagem será cada vez mais organizada em diferentes espaços, tempos e de formas muito mais variadas. Os alunos permanecerão uma parte do tempo na escola, mas não necessariamente na mesma sala. Farão visitas, trabalhos em grupo virtuais e presenciais, pesquisas individuais e em grupos. À medida que forem crescendo, mais horas de atividades virtuais (conectados audiovisualmente) terão. A escola será menos presencial e mais próxima de vários espaços - do bairro, da cidade - e de várias comunidades virtuais, de acordo com a idade e com os interesses específicos dos grupos e das competências desenvolvidas. Haverá também integração maior com comunidades virtuais, dentro e fora do país, em projetos comuns. Os alunos continuarão fisicamente presentes, aprendendo a conviver, fisicamente, mas também virtualmente.


Tecnologicamente podemos ter aulas ao vivo e gravadas com grandes especialistas, comunicadores e com professores-tutores que ajudam a personalizar os temas dentro da realidade local, a tirar dúvidas e realizar atividades de problematização e aprofundamento. Podemos partir dos ambientes e recursos que os alunos freqüentam e gostam, como o Facebook e o Twitter para ajudá-los a evoluir, a avançar, a enfrentar desafios mais complexos, ambientes mais problematizadores, níveis de teorização superiores.

Educar é contribuir para sair da zona de conforto, do senso comum e mergulhar em ambientes novos, em questões mais complexas, de forma progressiva, quase sem senti-lo, a partir do que estamos habituados, do que conhecemos, do que já dominamos, dos ambientes familiares rumo a etapas mais desafiadoras, estimulantes e fascinantes. Se não conseguirmos realizar esse percurso do simples para o complexo, do senso comum para o científico, do concreto para o abstrato, da imagem para o conceito, da visão parcial para uma visão mais integrada de nada adiantarão todos os recursos, o uso de tablets, redes e outras tecnologias avançadas. Educação é um processo de comunicação profunda, de intercâmbio interpessoal rico, mobilizando todos os recursos humanos e tecnológicos a disposição de todos os envolvidos no processo.


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 Este texto é uma síntese atualizada das páginas 149-150 do meu livro A educação que desejamos: Novos desafios e como chegar lá publicado pela Editora Papirus. Texto disponível em
http://www.eca.usp.br/prof/moran/curriculos.pdf

Comentários

Maria Cecilia disse…
Atualmente recebemos muita informação, e o aluno precisa aprender a selecioná-las para uma edificação de seu conhecimento.

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