A afetividade na relação pedagógica

A educação, como as outras instituições, tem se baseado na desconfiança, no medo a sermos enganados pelos alunos, na cultura da defesa, da coerção externa. O desenvolvimento da auto-estima é um grande tema transversal. É um eixo fundamental da proposta pedagógica de qualquer curso. Este é um campo muito pouco explorado, apesar de que todos concordamos que é importante. Aprendemos mais e melhor se o fazemos num clima de confiança, de incentivo, de apoio, de auto-conhecimento. Se estabelecemos relações cordiais, de acolhimento para com os alunos, se nos mostramos pessoas abertas, afetivas, carinhosas, tolerantes e flexíveis, dentro de padrões e limites conhecidos. “Se as pessoas são aceitas e consideradas, tendem a desenvolver uma atitude de mais consideração em relação a si mesmas”[1].

Temos baseado a educação mais no controle do que no afeto, no autoritarismo do que na colaboração. “Talvez o significado mais marcante de nosso trabalho e de maior alcance futuro seja simplesmente nosso modo de ser e agir enquanto equipe. Criar um ambiente onde o poder é compartilhado, onde os indivíduos são fortalecidos, onde os grupos são vistos como dignos de confiança e competentes para enfrentar os problemas - tudo isto é inaudito na vida comum. Nossas escolas, nosso governo, nossos negócios estão permeados da visão de que nem o indivíduo nem o grupo são dignos de confiança. Deve existir poder sobre eles, poder para controlar. O sistema hierárquico é inerente a toda a nossa cultura”.[2]
A afetividade é um componente básico do conhecimento e está intimamente ligado ao sensorial e ao intuitivo. A afetividade se manifesta no clima de acolhimento, de empatia, inclinação, desejo, gosto, paixão, de ternura, da compreensão para consigo mesmo, para com os outros e para com o objeto do conhecimento. A afetividade dinamiza as interações, as trocas, a busca, os resultados. Facilita a comunicação, toca os participantes, promove a união. O clima afetivo prende totalmente, envolve plenamente, multiplica as potencialidades. O homem contemporâneo, pela relação tão forte com os meios de comunicação e pela solidão da cidade grande, é muito sensível às formas de comunicação que enfatizam os apelos emocionais e afetivos mais do que os racionais.
A educação precisa incorporar mais as dinâmicas participativas como as de auto-conhecimento (trazer assuntos próximos à vida dos alunos), as de cooperação (trabalhos de grupo, de criação grupal) e as de comunicação (como o teatro ou a produção de um vídeo).
Na educação podemos ajudar a desenvolver o potencial que cada aluno tem, dentro das suas possibilidades e limitações. Para isso, precisamos praticar a pedagogia da compreensão contra a pedagogia da intolerância, da rigidez, a do pensamento único, da desvalorização dos menos inteligentes, dos fracos, problemáticos ou “perdedores”.

Praticar a pedagogia da inclusão. A inclusão não se faz somente com os que ficam fora da escola. Dentro da escola muitos alunos são excluídos pelos professores e colegas. São excluídos quando nunca falamos deles, quando não os valorizamos, quando os ignoramos continuamente. São excluídos quando supervalorizamos alguns, colocando-os como exemplos em detrimento de outros. São excluídos quando exigimos de alunos com dificuldades de aceitação e de relacionamento, resultados imediatos, metas difíceis para eles no campo emocional.
Há uma série de obstáculos no caminho: a formação intelectual valoriza mais o conteúdo oral e textual, separando razão e emoção. O professor não costuma ter uma formação emocional, afetiva. Por isso, tende a enxergar mais os erros que os acertos. A falta de valorização profissional também interfere na auto-estima. Se os professores não desenvolvem sua própria auto-estima, se não se dão valor, se não se sentem bem como pessoas e profissionais, não poderão educar num contexto afetivo. Ninguém dá o que não tem. Por isso, é importante organizar atividades com gestores e professores de sensibilização e técnicas de auto-conhecimento e auto-estima. Ter aulas de psicologia para auto-conhecimento e especialistas em orientação psicológica. Ações para que alunos e professores desenvolvam sua autoconfiança, sua auto-estima; que tenham respeito por si mesmos e acreditem em si; que percebam, sintam e aceitem o valor pessoal e o dos outros . Assim será mais fácil aprender e comunicar-se com os demais. Sem essa base de auto-estima, alunos e professores não estarão inteiros, plenos para interagir e se digladiarão como opostos, quando deveriam ver-se como parceiros.

(Texto mais completo em: www.eca.usp.br/prof/moran/afetividade.htm )


[1] Carl ROGERS. Um jeito de ser, p. 39.
[2] Ibid, p.65-66.

Comentários

Daniel Giandoso disse…
Olá professor!
Sempre acreditei que se não houver uma relação real entre professor e aluno não há ensino e aprendizagem... na melhor das hipóteses, apenas tentam se suportar. Então, procuro conhecer alguns aluns, seus interesses, sua situação familiar... Mas é muito difícil... professores não tem tempo para se dedicar aos alunos?!?!?! Não é assustador?
Muito obrigado pela visita no Carbono Catorze.
Prof. Daniel
Caro prof. Moran,
Acredito que esse seja o cerne da educação: afetividade.
Somente demonstrando interesse pelo aluno, incentivando-o, mostrando-se aberto para discussão e presente, o ensino-aprendizagem será possível e efetivo.
Que esse processo exige de nós, enquanto professores, um tempo maior de dedicação, isso não resta a menor dúvida. No entanto, é um tempo válido e de retorno incomparável.
E é isso que me encanta na EaD: a possibilidade de “driblar” esse tempo de 50 minutos de presença física da sala de aula. A condição de dedicar-me a conhecer meus alunos, suas dificuldades e interesses, de colocar-me a disposição deles, sem preocupar-me com o sinal que encerrará a aula.

Abraço,
Simone Teodoro
Marli Fiorentin disse…
Os próprios professores, muitas vezes, tem preconceito com colegas que são mais abertos e negociam com os alunos, são mais próximos, amigos.Muitas vezes é visto como "o bonzinho" que tudo permite, em contrapartida com o professor "durão" esse sim é o que será lembrado de forma positiva no futuro. Pelo menos é o que observo. Um abraço!
Luis disse…
Olá Moran.
Quanto paramos para olhar a sociedade que se construíu, percebemos que essas idéias deveriam estar presentes desde os primórdios, porém sabemos que isso não aconteceu.
Nessa sociedade onde a pessoas estão mais sujeitas a uma solidão, a um egocentrismo, a um stress emocional, pois não tiveram uma educação emocional, se faz cada mais necessário pensar nas dimensões humanas do processo educativo. Pois logo diremos que esse é um dos maiores desafios que a educação tem no séc. XXI, onde cada vez mais é preciso aprender a conviver em conjunto e também aprender a ser.

Abraço Moran

http://luisdhein.blogspot.com
Anônimo disse…
Olá professor
Suas palavras são sempre incentivo a todos que realmente querem fazer da educação mais do que simplesmente ler e escrever. As dificuldades sempre existirão no processo de ensino e aprendizagem, na relação aluno professor e vice versa, por isso é preciso vencer os obstáculos e procurar sempre o melhor caminho para o sucesso na realização dos nossos objetivos.
Aproveito para agradecer pelo aprendizado que vc. me proporcionou a publiocar tanto material bom de educação e novas tecnologias, eles foram essenciais para minha monografia. Muito Obrigada.
Unknown disse…
Professor, Moran, prazer conhecê-lo, claro, através da sua obra....
Sempre pensei que a educação está mais para os senhores do que para o resto dos mortais e mesmo assumindo a posição de professora, por alguns tempo, não mudei de opinião pq tudo nela, do jeito que está, é muito fora do contexto social, da formação humana..., o homem está só, o aluno está só, os professores estão sós...
Então, pemsei que deveriam ter professores trabalhando na contrapartida dessa idéia que está aí claro que eu já havia deixado a sala de aula), e eis que o encontro por indicação de um professor da disciplina Introdução ao Ensino a Distância.
Assim, devo afirmar, que há sempre esperanças, afinal, é preciso aprender a ser, antes de aprender a ter e, me parece, que esta é a concepção espiritualizada tão necessária aos educadores e à educação de nossos dias, como o foi em todos os tempos.
Penso que a visão espírita(Kardecista)que mostra o homem novo com afetividade pelo próximo e com respeito às diferenças pessoais e sociais, deveriam ser aproveitadas na educação com o propósito de melhorar o homem de agora e do futuro. Parabéns pelo trabalho!
José Moran disse…
Caros amigos:
Obrigado pelas contribuições e pelo carinho de vocês.
Há um abismo entre o avanço científico-tecnológico e o emocional. Temos dificuldades em gerenciar os limites e os afetos; a disciplina e o carinho. Educação sem limites é complicado, mas também sem afeto, de que adianta?
Grande abraço para cada um
Moran
Anônimo disse…
tudo bem professor!
sou acadêmica do curso de pedagogia,e acredito que para se ter uma educação inovadora é preciso nos desligarmos do tradicionalismo,não completamente, mais com uma visão inovadora em querer fazer da educação augo prazeroso e dinâmico, que incentive o aluno a buscar uma auto avaliação de si próprio e que o ajude na sua formação de caráter crítico, intelectual e no seu convivio social!
Anônimo disse…
Olá professor! Acredito que sem afetividade e envolvimento torna-se quase impossível educar e concordo quanto ao cuidado que se deve ter para não se estar excluindo dentro da escola ou salas os alunos de uma maneira ou de outra. Professor! Mas como criar estas condições em sua totalidade com salas de 35-40 alunos, atingindo a todos os problemas que emergem das comunidades que frequentam as escolas públicas? Sem apoio psicológico e pedagógico como vem ocorrendo pelo descaso públicos? Onde se deseja uma imensa carga horária para tapar as necessidades de professores na rede ... Professor hoje é um problema de saúde pública seríssimo, acumulos de cargo... estresse, depressão... Sugiro que se diminua o nº de alunos para 25 no máximo... Talvez assim possamos atender melhor, fazer trabalhos em grupo ... montar rodas de discussões... dinamizar. E para o nível I - 20 no máximo, não os 40... quem sabe assim melhora-se a questão da alfabetização???
Cleusa Har disse…
Prof.Moran gostei muito de seus textos mas este acho que é a base do trabalho de um educador.Não há formula mágica para um bom trabalho basta a disponibilidade do professor em demonstrar afetividade visando um bom relacionamento com seus alunos.É fundamental que o professor esteja seguro e tenha coerência no seu fazer pedagógico.
Cleusa -Orientadora Educacional
24/08/08

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