A educação plena, existencial e integral
José Moran
Ensinamos muitas coisas, durante muitos anos, mas não ensinamos o essencial: a compreender as múltiplas dimensões da vida, o sentido da existência, a aprender a fazer melhores escolhas, a vivenciar as emoções, a desenvolver os valores mais importantes individuais e sociais. A educação hoje é mais complexa e exigente, com tecnologias sofisticadas, mas não podemos nos esquecer das dimensões fundamentais da existência: educação com significado, com propósito, com acolhimento, com alegria, com valores autênticos.
Sempre defendi
e apoio a educação digital, as metodologias ativas, o ensino híbrido, a
educação a distância de qualidade. Mas quanto mais avançam as tecnologias
digitais, mais necessitamos dar ênfase à educação humanista, integral, plena; quanto
mais avança a inteligência artificial, mais importante se torna a inteligência
humana, criativa, emocional e ética. O digital pode contribuir para uma
educação humanista, criativa e integral: depende da intencionalidade do que
procuramos e da forma como o fizermos, assim como pode contribuir para sermos
mais individualistas, egoístas e alienados.
Há um
descompasso claro entre os avanços científico/tecnológicos e os humanos. Conversamos
animadamente com as máquinas, enquanto ignoramos ou brigamos com os colegas que
pensam diferente. Corremos atrás das mais avançadas plataformas e fugimos de
muitas pessoas, de encontros significativos, de diálogos profundos. Buscamos a
personalização na inteligência artificial e, absortos nas nossas telas,
ignoramos os que estão ao nosso lado. Corremos cada vez mais, ansiosos para dar
conta de mil tarefas e não encontramos tempo para meditar, acalmar nossa mente,
buscar o sentido profundo da vida.
Ensinamos e
aprendemos muitas coisas, durante muito anos, para constatar que muitos não
encontram sentido no porquê e o para que o fazem. Corremos demais, nos ocupamos
demais num ritmo extenuante para poder sobreviver e nos sentimos meio perdidos,
sem rumo definido, com dificuldade de fazer escolhas consistentes, de encontrar
um equilíbrio verdadeiro e desenvolver uma vida mais autêntica e equilibrada.
Passamos
horas demais nas redes sociais, em múltiplas conversas superficiais, consumindo
horas de vídeos, jogos, de entretenimento fácil e nos custa muito pensar,
refletir, aprofundar e evoluir de verdade como pessoas e como sociedade. Cresce
o número de influenciadores manipuladores/sedutores em todos os campos e falta
consciência crítica para desvendá-los e superá-los por alternativas mais saudáveis.
Admiro as
descobertas científicas e tecnológicas, mas sinto que precisamos estar mais
atentos às dimensões humanizadoras, aos valores fundamentais, a recolocar-nos
as grandes perguntas sobre a existência, a experienciar uma educação que mergulhe
em diversas e ricas experiências vitais. O que eu mais recordo da escola é dos
projetos voluntários de contato com pessoas doentes ou carentes.
Passamos tantos
anos estudando, mas de alguma forma não aprofundamos as questões mais
existenciais, porque são controversas, polêmicas e desagradam aos que querem
uma educação “isenta”, tecnicista e asséptica. A educação deve tratar dos
grandes assuntos, questões, problemas com equilíbrio, abertura e respeito e vivenciar
realidades diferentes das nossas, para sair dos nossos casulos e visões
estreitas de mundo. Temos que ensinar a pensar, a entender a diversidade de
opções, a experienciar múltiplas facetas da vida, através da arte, do contato
com pessoas diferentes, com projetos de inclusão reais, projetos de aprendizagem-serviço,
que contribuam para trazer soluções reais para problemas reais. A educação
familiar e escolar precisa ser mais abrangente, enfrentar as questões vitais
profundas, não esconder as doenças e a morte, discutir as diversas filosofias
de vida, de busca de sentido da existência, de perguntar-nos sobre a possível
continuidade da vida, além da morte em todas as escolas, não só nas
confessionais.
A educação
de qualidade é a que integra todas as dimensões, valoriza as artes, as ciências,
as emoções, as tecnologias e os valores e nos ajuda, a entender-nos como
pessoas, a conviver com os que nos rodeiam, em cada etapa das nossas vidas, a fazer-nos
as grandes perguntas e a buscar as respostas que precisamos para encontrar
significado, equilíbrio e alegria na arte de viver bem. Depende principalmente de
termos grandes gestores, educadores e pais. É uma construção permanente, paciente
e desafiadora e traz grandes oportunidades. A educação plena, existencial e integral
é o projeto mais relevante de um país e ela se encontra ainda muito distante do
que precisamos e sonhamos.
José Moran
Professor, escritor
e pesquisador de projetos educacionais inovadores
Autor do blog Educação
Transformadora e da IAMoran
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