Questionar para aprender


José Moran

Educador e pesquisador de projetos de transformação das Pessoas, Escolas e Universidades
moran10@gmail.com


Cada pessoa pode ser cada vez mais criativa, empreendedora, realizadora. Por que a maioria não chega lá? Muitos tivemos uma educação familiar e escolar que nos ensinou a obedecer, a repetir, a não questionar. Se temos modelos conformistas tendemos a copiá-los, a espelhar-nos neles.

Muitas pessoas aprendem pouco, o básico: vivem no piloto automático, repetindo os mesmos gestos e rotinas, distraídos nas redes sociais, sem tempo para rever, questionar-se, meditar. Isso dificulta uma percepção mais profunda, uma reavaliação mais objetiva e tomadas de decisão adequadas.

Quem vive em ambientes mais fechados, com visões de mundo monolíticas e crenças limitadoras, precisa realizar um esforço muito maior para reavaliar, desaprender, aceitar novas visões, questionar certezas, realizar novas escolhas. Isso não é simples e pode demorar muitos anos.

Vivi desde pequeno em uma sociedade bastante fechada, monolítica, conservadora, com valores reducionistas definidos e uma visão dualista do bem e do mal, do que é certo (nós) e errado (os demais). Durante anos essa visão foi se aprofundando, refinando, com uma formação teórica sólida, mas não questionadora dessa visão de mundo. A escola me ensinou a obedecer. Ser bom aluno era seguir as instruções dos mestres.

Só quando adulto consegui, pouco a pouco, confrontar minhas certezas com novas questões, que me levaram a impasses e a algumas escolhas difíceis, que, por sua vez, levantaram novas perguntas. Olhando minha linha do tempo percebo como demorei para desconstruir um mundo pronto e abrir brechas com perguntas para realizar novas sínteses provisórias, que continuam evoluindo até hoje. Gostaria de ter tido uma educação mais desafiadora desde criança, que me tivesse incentivado a questionar, a empreender, a ser criativo. Isso teria ajudado muito no desenvolvimento das competências emocionais, na percepção de outras possibilidades e na tomada mais ágil de decisões.

Pais e docentes que mantêm uma atitude de aprender, de evoluir sempre são excelentes modelos para que crianças e jovens se inspirem e também queiram experimentar mais, se questionar mais, buscar respostas cada vez mais amplas. Sabemos que somos diferentes e que uns precisam ir mais devagar, com mais segurança. A segurança excessiva nos leva a viver em caixinhas, a arriscar pouco, a contentar-nos com o mínimo.

Escola e família podem ser espaços de intensa experimentação, em ambientes de confiança, que incentivem a autonomia, que diminuam os medos de errar, que promovam desafios, questionamentos cada vez mais profundos.

A vida é um processo longo e sinuoso de busca de respostas cada vez mais amplas, difíceis, incertas. Aprender é um processo que tende a tornar-se progressivamente mais complexo ao longo da nossa vida. Mas para isso é importante desenvolver um olhar mais aguçado, sensível para tudo o que acontece ao nosso lado, aprendendo a enxergar vários ângulos da realidade (complexidade) e a conseguir efetuar sínteses simples (não simplistas) para ter clareza, poder realizar novas escolhas, fazer novas perguntas.

Das certezas para as perguntas

Aprendemos, quando crianças, a olhar o mundo através dos olhos dos adultos, e em geral incorporamos modelos prontos, simplistas, que aceitamos pela relação de confiança e dependência. Conforme crescemos, vamos construindo sínteses mais abrangentes, que se modificam, de acordo com as nossas experiências, percepções, interações, questionamentos e grau de autonomia.

Educar é ajudar a transitar de um mundo de certezas para um mundo incerto através de novas perguntas. Uma educação aberta e ativa nos oferece mais chances de aprender com tudo e com todos, de confrontar nossos valores com os dos demais, de rever nossas crenças e escolhas, de fazer perguntas mais desafiadoras, de não ter respostas para tudo.

Quem aprende ativamente, a partir dos seus interesses e expectativas, tem mais chances de questionar, de rever crenças, escolhas, de refazer caminhos. Permitir-nos duvidar e questionar não significa que sejamos niilistas ou céticos. Significa que nossas certezas são provisórias, que vamos acrescentando camadas de complexidade à nossa visão de mundo e realizamos as escolhas que nos parecem possíveis em cada momento com o grau de conhecimento que conseguimos em cada etapa da vida.

Há perguntas libertadoras e perguntas opressoras

Elas podem abrir horizontes, criar pontes ou fechar portas. Um papel relevante do educador hoje é o de orientar seus estudantes, escutá-los ativamente, ajuda-los com apoio afetivo e perguntas importantes, principalmente em torno ao seu projeto de vida.


No meio de tantas atividades e correria é importante encontrar tempos para a aprendizagem pessoal profunda, meditando, refletindo, reavaliando nosso percurso. Podemos registrar num e-portfólio nossa caminhada, avanços e dificuldades, sempre num clima de apoio e afeto. Reler esse registro pode ser muito útil para ter um diagnóstico mais amplo e profundo de onde nos encontramos, quais são as questões importantes, nossos pontos de atenção e as ações viáveis no curto e no médio prazo.


Comentários

Unknown disse…
Me trouxe reflexão da maneira como agimos em sala de aula, mesmo abrindo espaço aos alunos.
É a forma com a qual o espaço para questionamentos é criado, esse texto me trouxe uma luz.
Parabéns
José Moran disse…
Obrigado, Max. Aprendendo através de perguntas cada vezmais amplas eprofundas.
Abraço
Moran
Unknown disse…
Gostei muito do que eu li incentivou-me a questionar, porque eu não gosto muito de perguntar nem falar quando estou com muita gente, então isso me fez ter um pouco mais de coragem para fazer questões e descobri que não sou a única que já passou ou ainda passa por isso .

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