A EAD no Brasil: cenário atual e caminhos viáveis de mudança

A Educação a distância no Brasil encontra-se em uma fase de mudanças rápidas, crescimento quantitativo forte, em direções diferentes, depois de um período – no ensino formal – de forte regulação e controle.
A EAD, no ensino superior, cresce mais que o presencial (12% x 3% respectivamente). A tendência é para o fortalecimento dos modelos online. 83,7% dos alunos estão em instituições privadas, onde há uma alta concentração: três delas detêm mais de 40% dos mais de um milhão e cem mil alunos (Censo MEC de 2011-2012). As instituições públicas só tem 16,3% dos alunos e nenhuma delas consegue um alcance realmente nacional, porque a política do MEC privilegia o atendimento regional de cada universidade.

Todas as instituições estão na berlinda, buscando como se posicionar num cenário tão competitivo e complexo. Os grandes grupos têm capital, modelos padronizados, alta escalabilidade, fortes investimentos em marketing, salários relativamente baixos, custos diluídos e uma integração cada vez maior com os cursos presenciais.  Há outros grupos privados, como os confessionais, que procuram crescer com mais cuidado e tentar manter o nível de resultados nas avaliações semelhante ao dos cursos presenciais. Muitas instituições entraram com cuidado na EAD pelos altos custos de manter polos, pela burocracia na tramitação legal, por preconceitos ainda existentes e pela força da concorrência dos grandes grupos. A maior parte das instituições privadas ainda não entrou na EAD, está em dúvida do que fazer, tentadas pelo crescimento expressivo da área e a diminuição de crescimento no presencial. Algumas começam a entrar na EAD para defender-se nos territórios onde são conhecidas.

Nas instituições públicas há um crescimento e consolidação crescentes, na formação de professores, onde atuam mais de cem instituições superiores federais (55 universidades federais, 29, Estaduais e 17 Institutos Federais), mas ainda há resistências internas, dificuldades no reconhecimento institucional. Também falta escalabilidade (atuação conjunta nacional) e modelos mais flexíveis e integrados com os presenciais para poder concorrer com os modelos privados maiores.

Alguns problemas que exigem mais atenção

Muitas instituições banalizam a EAD; pensam que é fácil, barata, com recursos mínimos e que qualquer um pode trabalhar nela ou ser aluno. Muitos cursos são previsíveis, com informação simplificada, conteúdo raso e poucas atividades estimulantes e em ambientes virtuais pobres, banais. Focam mais conteúdos mínimos do que metodologias ativas como desafios, jogos, projetos. Alguns materiais são inferiores aos que são exigidos em cursos presenciais. Contratam profissionais com pouca experiência, mal remunerados, principalmente os tutores, sobrecarregados de atividades e de alunos. As práticas laboratoriais e de campo muitas vezes são quase inexistentes.

Muitos professores e alunos encontram dificuldades maiores de adaptar-se à EAD do que eles imaginavam. Muitos docentes e tutores não se sentem confortáveis nos ambientes virtuais, não tem a disciplina necessária para gerenciar fóruns, prazos, atividades. A falta de contato físico os perturba.  O mesmo acontece com parte dos alunos, pouco autônomos, com deficiências na formação básica. Para muitos falta disciplina, gestão do tempo: se perdem nos prazos, na capacidade de entender e acompanhar cada etapa prevista. Muitos demoram para adaptar-se aos ambientes virtuais cheios de materiais, atividades, informações. Sentem falta do contato físico, da turma, quando o curso é todo pela WEB. O ambiente digital para quem não está acostumado é confuso, distante, pouco intuitivo e agradável.

Há uma separação legal (dos órgãos reguladores) e real (das instituições, sociedade) entre o ensino presencial a distância, que dificulta que tenhamos avanços acadêmicos e de gestão relevantes.  As equipes, na maior parte das instituições superiores, são diferentes, os currículos não estão integrados, os investimentos maiores são feitos no presencial. Falta visão estratégica a muitos gestores. Ainda é difícil planejar mudanças muito profundas, porque isso envolve repensar a educação de uma forma integrada, mais flexível, menos burocrática.

Que instituições se consolidarão na EAD nos próximos anos?

As instituições que atuam na EAD terão relevância quando apresentem modelos mais eficientes, atraentes e adaptados aos alunos de hoje; quando superem os modelos conteudistas predominantes, em que tudo é previsto antes e é aplicado de uma forma igual para todos, ao mesmo tempo, de forma convencional.

Prevalecerão, no médio prazo,  as instituições que realmente apostem na educação com projetos pedagógicos atualizados, com metodologias atraentes, com professores e tutores bons, com materiais muito interessantes e com inteligência nos sistemas (plataformas adaptativas) para ajudar os alunos na maior parte de suas necessidades, reduzindo o número de horas de tutoria, mas com profissionais mais capacitados para gerenciar  atividades de aprendizagem mais complexas e desafiadoras. É possível hoje oferecer propostas mais personalizadas, monitorando-as, avaliando-as em tempo real, o que não era viável na educação a distância mais massiva ou convencional.
Os materiais serão mais atraentes, com muitos recursos típicos dos jogos: fases, desafios, competição, colaboração, recompensas. O design educacional é cada vez mais decisivo para contar com roteiros cognitivos inteligentes, com equilíbrio entre aprender juntos e sozinhos. Esses roteiros preveem atividades significativas em grupo e também individualizadas, com alto envolvimento, utilizando formas atuais de contar, de narrar – como histórias digitais em tecnologias móveis.

A qualidade não pode ser só um discurso, mas um compromisso efetivo de todos os setores das instituições. As instituições sérias obterão melhores resultados nas avaliações externas e no reconhecimento dos seus alunos, na divulgação do grau de satisfação. Os grandes grupos de capital aberto tendem a crescer, por enquanto, mas correm riscos de se tornarem menos relevantes pela necessidade de obter resultados no curto prazo, com o desbalanceamento entre o econômico e o acadêmico.  Educação é projeto de longo prazo, e a credibilidade acadêmica, fundamental. Num período de grandes mudanças nas formas de ensinar e de aprender, se a política de conseguir lucros sempre maiores continuar se sobrepondo à da melhoria nos resultados acadêmicos, isso comprometerá os resultados e o sucesso atual poderá não se manter por muito tempo.

As instituições utilizarão o blended como modelo predominante de educação, que unirá o presencial e o EAD. Os cursos presenciais se tornarão semipresenciais, principalmente na fase mais adulta da formação, como a universitária. Os a distância partem do modelo mais semipresencial e se fortalecem no online. O caminho é o da convergência em todos os campos e áreas: prédios (EAD também dentro de unidades presenciais – polos); integração de plataformas digitais; produção digital de conteúdo integrada (os mesmos materiais para as mesmas disciplinas do mesmo currículo).

O Ministério de Educação precisa evoluir rapidamente e acabar com essa separação das modalidades e apoiar que cada instituição adapte seu projeto aos diversos tipos de alunos: o mesmo projeto pedagógico de um curso pode ser oferecido com ênfases de presencialidade diferentes para alunos com necessidades diferentes

Há necessidade de melhorar a gestão, de cortar custos desnecessários, de baixar preços finais no presencial e no a distância. É possível fazer isso com inteligência, sinergia, escala, eficiência, melhoria nos projetos, nas metodologias, nas tecnologias.

As instituições que implantem modelos, que equilibrem economia e inovação, melhorando os processos gerenciais e acadêmicos, serão vencedoras. Há muitas possibilidades de sinergia entre o presencial blended, o semipresencial e o online. O currículo pode estar plenamente integrado, com disciplinas online no presencial e no EAD, com materiais interessantes e comuns para ambos. Em todas as disciplinas ou módulos os professores podem ser mais orientadores, utilizando formas criativas da sala de aula invertida. Mas não se preparam bons alunos com profissionais desmotivados e mal remunerados.

Todas as instituições deveriam entrar na EAD no mínimo para ampliar o seu raio de ação, atrair novos alunos e oferecer-lhes  oportunidades com um único projeto, metodologias próximas e formas de oferta adequadas às necessidades de cada aluno. No mínimo precisam entrar na EAD para defender-se da competição feroz. Permanecer só no presencial aumenta as chances dos concorrentes. Há oportunidades para oferecer metodologias ativas, sinergia, bons materiais  e adequação para vários tipos de alunos.

Falta também ao MEC agilidade para acelerar as aprovações de novas instituições para a EAD e desburocratizar todo o processo, se queremos realmente que a educação superior evolua e não se concentre nas mãos de poucos. Num período de grandes mudanças, os órgãos reguladores precisam ser menos burocráticos e mais sensíveis para permitir alterações nos modelos, para não perder-se em detalhes (número de livros por vagas, obrigatoriedade de polos...). Há indicadores de qualidade importantes, que podem ser executados de formas muito diferentes e chegar a resultados satisfatórios. A legislação do presencial e da EAD está inadequada para a realidade atual. Entendo que precisamos de parâmetros para poder comparar, e poder agir com os mal-intencionados ou incompetentes. As instituições muitas vezes não ousam porque a legislação é retrógrada, burocrática, restritiva. Por que ainda se mantêm um limite de vinte por cento de atividades a distância em cursos presenciais? É uma bobagem diante de um mundo em que aprendemos de formas flexíveis. Somos o único país que limita legalmente as atividades a distância no presencial; com isso, dificulta-se o avanço de modelos integradores mais avançados.

Há mercado, como em outras áreas da economia como o Varejo, para os grandes grupos, para os grupos regionais e para os locais, mas as instituições precisam trabalhar com atenção e coragem para sair da zona de conforto, parando de queixar-se e propondo, o quanto antes, mudanças significativas no presencial e no EAD.
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ARANTES, Valeria (Org.). Educação a Distância: Pontos e Contrapontos. São Paulo: Summus, 2011.
O artigo está publicado na minha página da USP: 
http://www2.eca.usp.br/moran/wp-content/uploads/2014/02/cenario.pdf




Comentários

Ao passar pela net encontrei seu blog, estive a ver e ler alguma postagensé um bom blog, daqueles que gostamos de visitar, e ficar mais um pouco.
Eu também tenho um blog, Peregrino E servo, se desejar fazer uma visita.
Ficarei radiante se desejar fazer parte dos meus amigos virtuais, saiba que sempre retribuo seguido também o seu blog. Deixo os meus cumprimentos e saudações.
Sou António Batalha.
Unknown disse…
Olá Moran, boa tarde!

Talvez eu esteja por aqui pela segunda vez trazendo um convite a você para fazer parte do Projeto Educadores Multiplicadores. O objetivo do projeto é unir e divulgar blogs de educadores.

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Abraços, fiquemos na Paz de Deus e até breve.

Irivan
José Moran disse…
Caros Antônio e Irivan:
Gostei dos seus blogs. Cada um com seu estilo. Parabéns irivan pela divulgação de tantos blogs interessantes de professores do Brasil.
Abraço
Moran

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